Miro: "Sem a democratização da comunicação não há democracia"

Por Maiana Brito

Em entrevista ao Portal Vermelho, o jornalista e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges, falou sobre a necessidade de democratização da mídia no Brasil para que haja, de fato, democracia na sociedade brasileira. Em sua opinião, a concentração da comunicação é um entrave ao desenvolvimento. Ele esteve de volta a Salvador durante o Seminário Política e Atualidade, promovido pela CTB-Bahia

Portal Vermelho – Como você avalia a mídia brasileira e o que você propõe como forma de democratização da comunicação no país?

Altamiro Borges– O modelo da mídia brasileira é muito ruim. É uma mídia concentrada. Fala tanto em livre mercado, não monopólio, mas está na mão de apenas sete famílias – Marinho (Globo), Abravanel (SBT), Saad (Band), Macedo (Record), Frias (Folha), Mesquita (Estadão) e Civita (grupo Abril). Mesmo produzindo coisas de excelente conteúdo, bela forma, padrão global, como dizem, é uma mídia que manipula muito a informação e deforma o comportamento. Então, acho que temos um problema sério no Brasil. Essa mídia não contribui para fortalecer a democracia. Neste sentido, o que é necessário? Eu acho que devemos começar pelo básico, que é o que está escrito na Constituição Brasileira de 88/89. O documento estabelece cinco artigos que tratam de comunicação, mas nunca foram regulamentados. São referentes à proibição de monopólio, estímulo à produção regional, independente, complementariedade do sistema, já que é muito forte, junto com o sistema privado, o sistema estatal… Então, tem que pôr em prática. Regulamentar o que está na Constituição é o primeiro caminho para começar a democratizar a mídia brasileira.

PV – O que os movimentos pela democratização têm como plano para 2013 em relação a isso?

AB – O Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), que reúne várias entidades que lutam pela democratização da comunicação, tipo Intervozes, Barão de Itararé, movimentos sindical e popular, aprovou, no primeiro semestre desse ano, a campanha Para expressar a liberdade, a fim de conseguir a verdadeira liberdade de expressão, que não está presente nesses sete grupos econômicos. A campanha foi colocada na rua em um período difícil, evidentemente, o das eleições municipais, período de muita dispersão de forças, e será retomada agora. Dia 14 de dezembro vai ter uma plenária para definir o plano de trabalho para o ano que vem. Uma das ideias, inclusive, é essa luta pela verdadeira liberdade de expressão, que está consubstanciada, está refletida, em um projeto de lei de iniciativa popular, para coletar assinaturas no Brasil inteiro. Já que o governo não se mexe, não tem feito nada nessa área, o Congresso Nacional também não se move, pois tem muitos parlamentares bancados pela Associação Brasileira de Radiodifusão (Abert), pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), e empresas, a sociedade civil tem que pressionar. E uma das formas é esse PL.

PV – Se o Brasil adotasse um modelo tipo a Lei dos Medios, sancionada na Argentina pela presidente Cristina Kirchner, funcionaria?

AB – Ave Maria. Se adotassem esse modelo no Brasil, nós teríamos uma revolução. No caso da Argentina, vários fatores levaram à aprovação da Lei de Medios. Por incrível que pareça, lá a mídia é ainda mais concentrada do que aqui. Tem um grupo que domina a mídia, o Clarín, que se fortaleceu na época da ditadura militar. Os militares investiram nesse grupo, transferindo inclusive todo setor de papel imprensa para eles, canais de televisão… A proprietária do grupo é suspeita de ter ficado com o filho de um preso político. É um negócio maluco. Era uma relação umbilical com a ditadura argentina. E, no processo de redemocratização do país, essa mídia sempre teve um comportamento agressivo. No momento de maior agressividade, juntou até uma dose de machismo. Foi com a eleição da Cristina Kirchner. Com Néstor (Kirchner), batiam, mas alisavam. Com a Cristina, o Clarín foi para as cabeças, foi para derrubar a mulher. Este foi o grupo que incentivou o nocaute do agronegócio, dos ruralistas. Isso criou uma comoção na Argentina e permitiu, então, a elaboração da lei. Chegava ao absurdo de o futebol ser transmitido somente na TV à cabo. Era preciso pagar para assistir aos jogos. Cristina, quando viu a atitude desse grupo, começou a enfrentar. A primeira coisa foi acabar com essa história de futebol pago. ‘Futebol é patrimônio do povo, nós vamos transmitir em TV aberta, TV pública’. O grupo Clarín ficou uma fera, mas a população adorou. Não tinha mais que pagar. Entre outras coisas. Era uma mídia muito golpista, que acabou possibilitando esse projeto, chamado Lei de Medios, que entre outras coisas diz o seguinte: um terço, ou seja 33% do espectro, fica com a propriedade privada, um terço com o estado e um terço com os movimentos sociais. Já pensou, que barato, você trabalhar na TV da CTB na Bahia? É uma revolução na área da comunicação. Por isso é que tá dando esse quiproquó todo.

PV – Como você avalia este projeto sobre o marco civil da internet, cuja votação foi adiada algumas vezes? Qual a importância para a população brasileira?

AB – O projeto do marco civil da internet foi construído pela sociedade civil, a partir de consultas. É, talvez, um dos projetos mais avançados do mundo, no sentido de definir direitos na internet. O que a turma que é contra quer é definir deveres. Querem determinar as punições antes dos direitos. Por isso, está sendo bloqueado e a votação protelada. A Comissão Especial que analisa o marco, encabeçada pelo deputado João Arruda (PMDB-PR) e relatada pelo deputado Alexandre Molon (PT-RJ), conservou a essência do documento. Só que este foi bombardeado e não consegue ser votado. Enquanto não apreciam o marco civil da internet, votam medidas de repressão na rede. E o maior risco que existe contra essa lei vai se dar neste final de semana, na reunião da ONU (Organização das Nações Unidas), em Dubai, que deve aprovar medidas de controle, a chamada neutralidade na rede. Se você tiver estas medidas, não vai acabar, mas restringir demais a liberdade na internet. É a criação de um mecanismo de censura. Isso é o que está sendo discutido e é o que eles querem implantar aqui no Brasil.

PV – Para encerrar, queria que comentasse mais dois assuntos. Qual o papel da mídia no julgamento da Ação Penal 470? E sobre a CPI de Carlos Cachoeira, podem Policarpo e outros jornalistas interferir no relatório da Comissão?

AB – O tratamento dado ao chamado Mensalão e à CPI do Cachoeira mostram o que é a mídia no Brasil. No caso do Mensalão, foi feito o maior escarcéu, foram transmitidas ao vivo as sessões no Supremo, a Globo deu 19 minutos… Qual é o objetivo? O Mensalão mexia com o PT, com as esquerdas. Então, eles tinham que fazer um grande agito em torno desse assunto, para tentar evitar uma derrota fragorosa da oposição de direita no Brasil. Eu acho que eles conseguiram, em termos, evitar um definhamento do segmento. Por isso, fizeram tanta onda em torno do julgamento. Já sobre a CPI do Cachoeira, a mídia sempre foi contra, pois sabia que iam bater nela. Primeiro: iam bater nos ícones, o senador Demóstenes Torres e o governador de Goiás, Marcone Perillo, o primeiro a denunciar o Mensalão. Ele é mais sujo do que pau de galinheiro. O Demóstenes idem. Então, a mídia não queria que pegassem seus ícones. Segundo: sabiam que investigando, investigando, investigando, iam chegar até a imprensa. Por isso, desde o início, tentaram bombardear a CPI do Cachoeira e, quando veio o relatório final propondo a investigação do Policarpo, foram para cima, no intuito de retirar esse ponto do documento. Então, esses fatos mostram que a mídia brasileira realça o que quer – o Mensalão – e sacaneia o que ela não quer – a CPI.

PV – Há uma manipulação dos fatos… Como funciona isso na mídia brasileira?

AB – Esse padrão é mais ou menos universal. Em minha opinião, quem melhor sintetizou isso foi o jornalista Perseu Abramo. Segundo ele, com o padrão de manipulação, você omite o que não lhe interessa e realça o que interessa. É o que falei há pouco. Em uma sociedade com alto nível de analfabetismo e analfabetismo funcional, na qual está mudando o paradigma da comunicação e da internet, isso fica muito no visual. É a manchete, é o comentário principal na TV. Se interessa mensalão, todos os comentaristas vão falar sobre isso, de manhã, de tarde e à noite. Merval fala na CBN de manhã, falam no o Globo, na revista Época, no Jornal Nacional. É uma overdose, uma massificação. O que não interessa, esconde. É um padrão universal: realçar e omitir.