Oscar Niemeyer, o arquiteto de um tempo futuro
O arquiteto comunista brasileiro Oscar Niemeyer morreu às 21h55, em uma quarta-feira, dia 5 de dezembro de 2012. Dizem que não queria ver o “acaba mundo” por isso nos deixou antes, no último intervalo saiu à francesa, as vésperas de fazer 105 anos muito bem vividos.
Manoel José de Souza Neto*
Publicado 06/12/2012 06:58
Seu espírito superior nos deixa, está agora nas estruturas mais altas. Obviamente como socialista acharia este papo de espírito uma grande besteira. Mas um arquiteto não se pode se furtar da dimensão da obra, só pode ter entendido a plenitude da criação tal qual, músicos,
astrofísicos e filósofos, nas incertezas, ele viu as únicas verdadeiras questões que poderiam ser levadas em conta. Por isso, Niemeyer não calculava, pois a criação permite tudo.
Não foi na arquitetura que achou as soluções para seus projetos. Amava as mulheres, estas sim sua influência maior para curvas arquitetônicas que mudaram o sentido das obras e do uso dos materiais, revolucionando o concreto, bem como as aplicações das formas nos espaços e paisagens.
Dizia: “Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país. No curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein”.
Provas de que cedeu ao desejo, entendeu o sujeito, colocou sua marca sexual nos espaços, permitiu o prazer, o gozo. Nas curvas femininas de suas obras inventou o Brasil moderno sensual.
A criação, dizem, foi primeiro o verbo, depois o sentido e, do recalque da comunicação com os outros à marca no simbólico que nos perturba e nos pergunta algum significado, tal qual a esfinge, “decifra-me ou devoro-te”. A busca pela resposta é a própria armadilha da esfinge, pois é exatamente o que devora o espectador, não existe quem não fique perplexo diante de suas obras. O “efeito” Niemeyer são suas perguntas, estes edifícios símbolos, criações que instigam a paisagem e viram ícones em suas localidades.
Suas ideias e soluções estéticas foram incorporadas pelo mundo em outros objetos, sendo um pensador ainda mais influente do que é possível ser mapeado apenas em sua arquitetura, mas muito mais por criar traços culturais.
Como comunista, foi filiado por Luiz Carlos Prestes, a quem chamava de comandante. Foi amigo de outros celebres comunistas como Saramago, Neruda, o ex-presidente Salvador Allende, entre outros. Filiado ao Partido Comunista Brasileiro em 1945, emprestou seu escritório para campanha, visitou a União Soviética e tornou-se amigo de diversos líderes socialistas. Fidel Castro disse a respeito dele: "Niemeyer e eu somos os últimos comunistas deste planeta". Uma verdadeira ironia, já que o projeto do prédio da ONU em Nova York faz parte do conjunto de suas obras mais conhecidas, logo nos EUA que tanto prejudicaram Cuba e atacaram o comunismo. Ele nunca mais voltou na ONU e se tornou um dos homens mais influentes do mundo, sem abrir mão de suas convicções.
Graças ao comunismo recebeu convites na Argélia, França e Rússia, mas deve aos militares brasileiros que ignoraram o respeito ao projetista dos edifícios públicos de Brasília lhe perseguindo sua condição de cidadão e arquiteto do mundo. Pegou a estrada com mais de 60 anos de idade e foi projetar por aí.
Suas obras de caráter inconfundível marcam a paisagem urbana, isso é um fato, mas desculpem-me os arquitetos com suas visões do campo profissional, mas outras palavras são necessárias para o entendimento da repercussão de suas obras. O que Niemeyer fez foi para além da arquitetura, convidando os seres para outras práticas que seus espaços arquitetônicos provocam, exigindo um novo espírito de fraternidade entre os seres humanos.
Falem das mil facetas do arquiteto, mas antes de entenderem suas obras, pensem no Homem, que tentou nos dizer que outra atitude é possível.
Não são os espaços de Niemeyer feitos sem terem sido pensados nas pessoas, como diziam seus críticos invejosos, mas ao contrário, visionários estes espaços pedem novos seres humanos. Edifícios que incitam o sujeito e provoca o sentimento de transcendências, o desejo
de sermos espíritos altivos dignos de frequentar seus templos, que não distinguem, convidam que adentrem, contemplem, sintam.
As obras de Niemeyer são portanto de espírito socialista, irão sobreviver para gerações futuras entendidas no seu contexto de templos não de culto, mas de libertação, adoração de algo que falta na humanidade atual, símbolos do desejo sincero de esperança do surgimento de um espírito fraterno e harmônico que liberte os homens do mal-estar da civilização.
Darcy Ribeiro uma vez disse: "Oscar Niemeyer é o único brasileiro que será lembrado daqui a mil anos".
Niemeyer deixa um legado arquitetônico, socialista, maior do que muitas obras escritas sobre o tema. Materializam a essência de um novo tempo que nos faz falta, como também fará falta o arquiteto que se fosse Matusalém viveria mil anos e teria tempo de reinventar o mundo.
A lição de Niemeyer para os arquitetos não é um traço, uma técnica, mas uma lição moral de que a arquitetura deve ser humanista/socialista.
Fica o legado e a sensação de que hoje não temos nenhum arquiteto do porte de Niemeyer no mundo, não porque não existam bons arquitetos, mas porque nunca existiu outro arquiteto verdadeiramente revolucionário e socialista.
Adeus camarada.
*Conselheiro Nacional de Políticas Culturais 2010/12