Israel deve pagar preço alto por ocupação, diz líder palestino

Abdallah Abu Rahma tem um compromisso todas as sextas-feiras há mais de sete anos em Bill’in, vilarejo na Cisjordânia onde nasceu e construiu sua vida. Munido de um megafone e com uma bandeira da Palestina na mão, o professor marcha com um grupo de dezenas de pessoas até o muro que separa a aldeia palestina dos assentamentos israelenses, construídos ilegalmente no local.

É por meio da resistência pacífica que os residentes de Bill’in tentam combater a política expansionista de Israel, que confiscou mais da metade da área rural da vila para construir apartamentos para 40 mil colonos judeus. Com correntes humanas nas rodovias israelenses e protestos semanais, esses ativistas conseguiram realocar a muralha de 10 metros de altura e 3,2 quilômetros de extensão e recuperar cerca de 10 quilômetros quadrados da terra.

A construção teve início em 2005 e, quando o projeto for concluído, o muro terá 700 quilômetros de extensão e segundo a organização Stop The Wall, terá anexado 46% do território palestino da Cisjordânia. Apenas Bill’in e o vilarejo Budrus conseguiram alterar a rota planejada pelos israelenses.

Considerado pela União Europeia “defensor dos direitos humanos”, Abu Rahma é o líder do comitê popular da aldeia e coordenador do comitê de coordenação da resistência popular, que abarca vilarejos da Cisjordânia com os mesmos problemas.

O ativista palestino foi detido em dezembro de 2009 e teve de permanecer por 16 meses na cadeia por “incitamento e organização de manifestações ilegais”. O bispo e militante sul-africano Desmond Tutu, o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter e a diretora de política externa da União Europeia, Catherine Ashton, se juntaram ao chamado pela libertação de Abu Rahma.

O Opera Mundi conversou com Abdallah no Fórum Social Mundial da Palestina Livre. O líder palestino reiterou a força da resistência pacífica e afirmou que Israel não sabe lidar com esta forma de lutar.

Como é a sua vida diária com os assentamentos israelenses e os colonos que vivem próximos a Bill-in?
Abdallah Abu Rahma: É muito difícil. Nos últimos dois anos, os colonos atacaram as nossas mesquitas, as nossas casas e as nossas plantações, especialmente as oliveiras na época de colheita (outubro e novembro). Eles colocam fogo nos campos ou cortam as árvores e, por vezes, ainda roubam as azeitonas. Eles ainda atacam nossos carros, tentam incendiá-los, jogam pedra contra nós. Nós sofremos muito e as forças israelenses tentam protegê-los. Quando qualquer um de nós tenta se defender da violência, os oficiais prendem o palestino. Os colonos têm as leis do apartheid a seu favor.

                                                                                                                                                                  Marina Mattar/ Opera Mundi

O que você quer dizer com apartheid?
AA: Os israelenses que vivem nos assentamentos têm ótimas estradas, aonde não temos permissão para andar e somos obrigados a utilizar péssimas rodovias. Durante o apartheid da África do Sul, as autoridades não permitiam que os negros andassem nos mesmos ônibus do que os brancos. No nosso caso, é ainda pior, eles não deixam os nossos ônibus e veículos utilizarem a mesma via.

Os nossos territórios são cercados por postos de controle e os oficiais não nos deixam passar e nos prendem, nesses locais, por horas a fio. Não podemos deixar a Cisjordânia para visitar amigos e familiares que vivem nas cidades israelenses e nem mesmo em Jerusalém Oriental; dificilmente conseguimos permissão para trabalhar em Israel, mesmo com os palestinos que lá vivem; não podemos estudar em Jerusalém.

Minha irmã vive em Tel Aviv e eu não tenho autorização para visita-la e nem ela para me visitar. Nós nos vemos apenas uma vez por ano na ocasião do Ramadã, quando as autoridades israelenses permitem. Minha mãe morreu em um dos hospitais para os palestinos em Jerusalém e eu não pude visita-la; eles não me deram a permissão.


Ativistas protestaram contra a extensão da sentença de Abdallah Abu Ramah em Bill'in; oficiais israelenses reprimiram manifestação. Foto: ActiveStills (19/12/10)

E como é para deixar o país?
AA: Nós [palestinos residentes da Cisjordânia] não podemos viajar pelo aeroporto Ben Gurion em Tel Aviv e somos obrigados a sair pela Jordânia. E tudo isso dificulta e muito nossa vida; precisamos de tempo para tudo.

Da minha casa para o aeroporto são apenas 20 minutos, mas eu não tenho a permissão de entrar em Israel. Quando eu vim para cá [Porto Alegre], eles me deixaram esperando mais de cinco horas no posto de controle na fronteira com a Jordânia. Apenas porque eu sou um dos líderes da resistência pacífica. E não sei se agora, na volta, vão me deixar entrar na Cisjordânia.

Da última vez que voltei de uma viagem, fiquei preso por um dia e, finalmente, um oficial do serviço secreto israelense me disse “tome cuidado, nós estamos de olho em você. Se você fizer qualquer coisa contra o estado de Israel, incluindo as manifestações, nós vamos te prender”… Isso é o apartheid.

Com os nossos protestos, nós queremos mandar a seguinte mensagem às autoridades israelenses e aos colonos: os assentamentos estão no lugar errado, eles deveriam estar fora da Palestina e essa terra e essas estradas devem ser para os palestinos se locomoverem sem postos de controle e com liberdade.


Ativistas internacionais, israelenses e palestinos participam de protesto pacífico em Bill'in. Foto: ActiveStills (19/02/10)

Mas como essas manifestações podem conquistar mudanças na política de Israel?
AA: Nós devemos forçar os israelenses a pagarem um preço alto por ocuparem a nossa terra. Se nós ficarmos em casa, Israel vai continuar confiscando o território palestino, prendendo nossas crianças e construindo assentamentos porque eles não têm nenhum preço com isso.

Mas, se nós protestarmos, se fecharmos as estradas com os nossos corpos, podemos fazê-los mudar de ideia. Nós impedimos ou dificultamos a saída dos colonos que tentam chegar a seus trabalhos em Israel e, muitas vezes, eles reconsideram se mudar e voltar para as cidades israelenses. Se os soldados andarem livremente pelas nossas ruas, será muito fácil para eles continuarem em nossas terras.

Nós devemos fazer com que sua vida, na terra palestina, não seja fácil. Se bloqueamos as rodovias, se protestamos contra a ocupação, se tentamos remover o muro, nós vamos fazer com que a vida deles seja difícil.

E porque a resistência pacífica?
AA: Israel não sabe lidar com a resistência pacífica. Os oficiais têm um grande conhecimento e uma vasta experiência em como reprimir a luta armada, mas ficam desconcertados quando ficamos em pé na frente deles protestando sem armas em punho. Isso, por vezes, é mais poderoso do que a resistência armada.

Além disso, nosso movimento, por ser pacífico, recebe o apoio e a solidariedade da mídia e de pessoas ao redor do mundo, incluindo israelenses.

A resistência pacífica é o poder do nosso direito de nos manifestar. É o poder do povo. Os soldados tentam nos amedrontar, mas nós não temos medo porque temos certeza de que estamos dentro do nosso direito.


Soldados israelenses disparam bombas de gás lacrimogêneo contra manifestantes em mais um protesto em Bill'in. Foto: ActiveStills (31/12/10)

Mesmo protestando pacificamente, vocês são reprimidos?
AA: Israel tenta, com todos os métodos possíveis, nos impedir de continuar com a luta pela criação do Estado palestino. Cerca de 40 companheiros, que participavam das manifestações em nossas vilas, foram mortos por oficiais, dezenas ficaram feridos e centenas detidos. As autoridades israelenses tentam prender os líderes comunitários: eles me prenderam por um ano e meio e agora, o meu amigo Bassem Tamimi está atrás das grades.

Como vocês conseguiram vencer em Bill’in?
AA: Além de protestar todas as semanas, nós entramos com processo na Suprema Corte de Israel pedindo a retirada do muro e dos assentamentos que confiscavam grande parte da terra. Organizações internacionais nos apoiaram e os magistrados israelenses decidiram, em 2007, remover o muro que foi, de fato, derrubado, no ano passado.

Você considera que o reconhecimento da Palestina como Estado observador das Nações Unidas traz transformações na luta de libertação nacional?
AA: Eu acredito que a situação não será fácil depois da votação da ONU. Israel já mostrou que, como em todas as outras vezes, vai se opor e dificultar a nossa luta de libertação nacional. Durante todo o processo de negociação de paz, o governo israelense continuou a construir assentamentos e o muro em nossos territórios e nos cercar com postos de controle, fazendo nossa vida ser muito, muito difícil. Eles passam uma mensagem de que não se importam com a decisão de órgãos internacionais: “nós estamos com os norte-americanos – os maiores -, nós temos poder”.

Com o reconhecimento da Palestina, o nosso esforço deve ser maior do que antes, porque agora temos a decisão e a lei internacional. Os governos de 183 países nos apoiaram e queremos alargar esse movimento para a população de todo o mundo e pedir para que eles boicotem Israel até nossos direitos serem reconhecidos.


Ativistas erguem bandeira da Palestina no Muro que separa Bill'in do assentamento israelense. Foto: ActiveStills (17/02/12)

Fonte: Ópera Mundi