José Goulão: A paz, a guerra, a mentira e o Nobel

O Comitê Nobel não sabe que mais fazer para desacreditar o Prêmio Nobel da Paz. Desta vez foi a atribuição à União Europeia. Através do gesto de entregar aos altos representantes da UE, e também agentes do governo mundial dos mercados, as insígnias que deveriam antes agraciar os inimigos da guerra, os isentos de qualquer contaminação com os fabricantes e fazedores de conflitos armados, o Comitê Nobel enxovalhou novamente o valor mais importante para a Humanidad e – a Paz.

Por José Goulão

A pompa, a circunstância, o ambiente apalaçado onde se congregaram os risos de plástico em máscaras de hipocrisia aprimoraram a transformação em farsa de uma cerimônia onde deveria imperar a dignidade, uma vez que se pretendia evocar o valor mais importante para a Humanidade – a Paz.

É gente como aquela, presente no episódio de Oslo no qual se consumou a trágica entrega do Prêmio Nobel da Paz à União Europeia, que governa o mundo, que decide como deve ser a vida de cada um de nós, como devemos pensar, quem temos de apoiar ou odiar, quem é terrorista e combatente pela liberdade e que, de degrau em degrau na escada do despudor, deita diretamente para o lixo cada voto a que se resume a nossa participação oficial na trapaça da democracia por eles instituída.

Lá estavam eles, a trempe, o triunvirato, a troika. Barroso ao meio, Van Rompuy à direita, Schulz à esquerda, não liguem às suas posições relativas porque eles são vértices à escala europeia do partido único governante e que chamou a si próprio o poder de decidir sobre 27 países, e muito mais.

A Paz está em boas mãos, disse o Comitê Nobel ao mundo através do gesto de entregar àqueles altos representantes da União Europeia, e também agentes do governo mundial dos mercados, as insígnias que deveriam antes agraciar os inimigos da guerra, os isentos de qualquer contaminação com os fabricantes e fazedores de conflitos armados.

Sabemos todos que isso não é assim. E por muito que queiramos não confundir as pessoas com as instituições belicistas que representaram na cerimônia, sabemos que nem isso podemos fazer, e com toda a segurança, pelo menos num dos casos.

O caso do Dr. Barroso, o exemplo perfeito. Diz ele que a União Europeia merece o prêmio porque garante a paz na Europa. Como se na Europa a paz se resumisse a não haver guerra entre a França e a Alemanha, a não haver confronto direto entre a Rússia e a Otan. Há na Europa uma guerra social contra os cidadãos, a violência através da expansão vertiginosa da pobreza, um ataque flagrante à condição humana através da sonegação do emprego, do roubo dos direitos adquiridos e inerentes, da perversão das leis, da falsificação da democracia. A falácia é irmã da mentira e de mentiras percebe o Dr. Barroso porque participou naquele conclave das Lajes em que foi decidido mandar matar centenas de milhar de pessoas com base na monumental peta das armas químicas em poder do ex-amigo Saddam Hussein.

Essas armas químicas não apareceram. Mas se lerem e escutarem as notícias mais atuais, ainda que pela rama, parece agora haver outras que provavelmente jamais aparecerão. São as armas químicas do regime de Assad na Síria, o argumento que já serviu à Otan para armar a Turquia ainda com mais mísseis e que parece sustentar os preparativos de uma eventual invasão direta no caso de os combatentes da liberdade para lá exportados pelos países civilizados e outros que também o são, como o Catar e a Arábia Saudita, não darem conta do recado de instaurar “a democracia”. E falo de libertadores que também já foram “terroristas”, por exemplo, no Iraque e Afeganistão, dir-se-á que não sabem muito bem o que são, mas não é verdade: sabem que são mercenários e “soldados de Deus”, seja lá o que isso for para nós.

É da guerra da Síria e contra o povo da Síria que falo. A propósito da qual o insuspeito Le Figaro – insuspeito neste caso porque sendo porta-voz das direitas escreve às vezes o que as direitas não querem ler – revela que militares franceses estiveram nas “zonas libertadas sírias” para tratarem da cooperação com os “rebeldes”. Com o conhecimento, é claro, do presidente Hollande, que terá recomendado aos emissários o apuramento da “cor política” de cada grupo, não vá o Diabo tecê-las, se bem que já as tenha tecido.

Or,a se nós o sabemos não me digam que o senhor Barroso, ou os senhores Van Rompuy e Schulz, à frente do Conselho e Parlamento Europeus, não o sabem…

A União Europeia apoia guerras, participa em guerras, ajuda a fabricar guerras. Aquilo que se passou em Oslo foi em boa verdade um ato de guerra, em nome da paz. A partir daqui já não há mais nada para falsificar.

O Diário.info