Filme celebra Jorge Mautner, um músico à frente de seu tempo

Um dos músicos mais criativos do Brasil virou tema de um documentário com cara de ficção, que estreia nesta sexta (1º) no circuito comercial. Em “Jorge Mautner – O Filho do Holocausto”, o cantor, compositor, violinista, poeta, escritor e filósofo é apresentado às novas gerações que só conhecem “Maracatu Atômico” na voz de Chico Science. Para os já iniciados na rica obra de Mautner, trata-se de um reencontro com a trajetória do artista, declaradamente comunista.

No documentário, as tradicionais entrevistas e imagens de arquivo são combinadas a um show gravado em estúdio especialmente para o filme, no qual o artista interpreta 26 canções, algumas na companhia de Gilberto Gil e Caetano Veloso, amigos dos quais se aproximou durante o exílio, em Londres. Juntos, todos os recursos narrativos e musicais mostram como a história incomum do cantor influenciou diretamente a sua obra. 

Filho de um judeu austríaco e uma católica iugoslava que fugiram da Europa Oriental ocupada pelos nazistas no início da década de 1940, Mautner viveu os primeiros anos da infância no Rio de Janeiro sob os cuidados da babá adepta do candomblé. Desse caldeirão resultou um artista com um profundo amor pelo Brasil, que não tem dúvidas de que a diversa e original cultura do País "é e será a esperança da humanidade”.

O filme, de Pedro Bial e Heitor D’Alincourt, incorporou elementos nem sempre comuns ao gênero documental. Os momentos em que Mautner lê trechos de "O Filho do Holocausto", livro autobiográfico que lançou em 2006, dão cara de ficção ao filme, assim como a luz, fotografia e direção de arte que quase funcionam como personagens.

Mas o artista se sobrepõe. Um diálogo entre Mautner e sua filha, a diretora de TV Amora Mautner, fala um pouco sobre a personalidade inusitada dele. “A psicanálise te ajuda a encontrar soluções para seus problemas”, diz ela. “Não preciso disso. Encontro sozinho a solução para meus problemas”, responde ele. “Não encontra”, rebate Amora. “Encontro sim”, diz Jorge. “Então por que o senhor faz psicanálise?”, questiona ela, intrigada. “Por pressão pública”, finaliza ele, levando a plateia ao riso.

"Toda vez que assisto ao filme é uma emoção muito grande. Ele mostra fatos dolorosos, mas que, ao mesmo tempo, foram superados pelo humor. O filme tem uma qualidade incrível: ele é artístico e possibilita uma comunicação total com o público. Foi um trabalho muito bem estudado pelo Bial e o Heitor. Saiu primoroso", diz Mautner sobre a produção.

O retrato de Mautner, pintado por Bial e D'Allincourt, é tanto musical como cultural. O que é justo, dada a presença do personagem na vida de cultura do País que, em dada época, se confundia de maneira indissociável com a música e a questão política. Para simplificar, num primeiro momento pode-se dizer que Mautner foi, com colegas como Caetano, Gil, Mutantes e outros, um dos ícones da contracultura brasileira.

Sim, além de seu talento para a música e a escrita, Mautner tem também grande importância como agitador de mentes criativas. É considerado um homem à frente de seu tempo, uma espécie de visionário.“O Jorge tem sido fundamental, porque ele é um processador entusiasmado dessas coisas, dessas interpretações, leituras profundas sobre o significado da política, da arte, da filosofia, da literatura, da ciência”, disse certa vez Gilberto Gil sobre o músico.

Com fotografia, edição e roteiro premiados no Festival de Gramado, o documentário produzido apenas com financiamento privado agora encara os obstáculos necessários para chegar até o público. O filme entrará em cartaz no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Juiz de Fora, Brasília e Macapá, num total de 30 salas – pouco se comparadas às 490 que atualmente exibem "De Pernas Para o Ar 2" , mas acima das 18 de "O Som ao Redor" .

Histórico

Mautner escreveu seu primeiro livro, “Deus da chuva e da morte”, quando tinha 15 anos. A obra compõe a trilogia ”Mitologia do Kaos”, nela está a marca da ousadia experimental daquele adolescente inquieto. Desde então (o livro foi publicado em 1962) publicou 13 livros (o último é a biografia O filho do holocausto, que dá nome ao filme). Na música, até agora são também 13 discos.

Em 1962, filiou-se ao Partido Comunista e passou a militar na área cultural. Preso em 1964, exilou-se nos EUA em 1966. Na década seguinte, aproxima-se – ainda no exílio – de Caetano Veloso e Gilberto Gil. No Brasil, conhece Nelson Jacobina, com que iniciaria uma parceria que atravessaria as décadas seguintes.

Algumas de suas canções se tornaram clássicas, colmo O vampiro e Maracatu atômico. Entre elas se destaca também A bandeira de meu partido, que se transformou num hino informal dos comunistas brasileiros.

Com agências