CTB-RS debate Desenvolvimento com Valorização do Trabalho

A principal atividade da Central dos Trabalhadores e Trabalhadores do Brasil (CTB-RS) como parte da programação do Fórum Social Mundial (Temático) foi realizada na tarde de 30/1, no auditório da Caixa Econômica Federal, na Praça da Alfândega, centro de Porto Alegre.

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O Seminário intitulado “Desenvolvimento com Valorização do Trabalho” teve como palestrantes o vice-presidente nacional da CTB, Nilvaldo Santana; o Secretário Geral da UIS Metal, membro da Federação Sindical Mundial, Igor Urrutikoetxea, da Espanha, e a Doutora em Economia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Lobato Gentil.

“Desenvolvimento e Trabalho” foi o tema do primeiro palestrante, Nivaldo Santana. Para demonstrar que o atual mercado de trabalho, além de ser heterogêneo e precário é de alta rotatividade e a maioria está informalidade, ele apresentou alguns dados relevantes. Dos 92 milhões de trabalhadores em atividade no país, mais de 15 milhões (28,2%) não possuem carteira assinada. Em 2012 foram criados 1.301.482 empregos formais no país, mas a rotatividade foi espantosa: enquanto 21.619.521 foram contratados, 20.317.679 foram demitidos, 70% deles com menos de um ano de trabalho. O tempo médio nos empregos em geral no Brasil é de 3,9 anos.

Outro dado que demonstra as razões da mão de obra ser tão pouco qualificada é que a maioria começa a trabalhar muito cedo no Brasil, o que dificulta o acesso ao estudo: 12,6% iniciam até os 9 anos de idade; 38,6% de 10 aos 14 anos; 26% de 15 a 17 anos; 13,7% entre 18 e 19 anos; 7,1% dos 20 aos 24 anos e apenas 2% com mais de 25 anos.

O número de trabalhadores com empregos formais em 2010 era de 44.068.355, divididos entre 58,4% homens e 41,6% mulheres (CLT e estatutário). Em 2012, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) 7.241.723 eram sindicalizados, somando todas as centrais sindicais, legalizadas ou não. “É um número muito baixo, o que pode impactar nas demandas sindicais e de reivindicações”, advertiu Nivaldo Santana.

Além de lutar pelo fim do fator previdenciário e pelas 40 horas semanais, Nivaldo considera fundamental fortalecer o mercado de trabalho, com empregos de qualidade e melhor remunerados e combater a precarização e a informalidade. Outras pautas prioritárias, segundo o vice-presidente nacional da CTB são: lutar pelo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) com valorização do trabalho; cobrar uma postura mais aberta do governo Dilma com o sindicalismo; pacto pela produção com defesa dos direitos trabalhistas; unidade na diversidade com as centrais sindicais; unidade com os movimentos sociais; cuidado com as reformas trabalhistas e sindicais; combater ameaças golpistas e retrocessos institucionais.


O espanhol Igor Urrutikoetxea, Secretário Geral da Unión Internacional de Sindicatos del Metal y la Mineria, relatou a atual situação dos trabalhadores de seu país diante da atual crise econômica da Europa. “Vivemos um contexto internacional complicado, com uma crise capitalista sem precedentes, mas o fracasso do capitalismo não é de agora; faz tempo que fracassou porque é um sistema político e econômico injusto”, afirmou. E enumerou alguns dados gerados pela crise atual. “As 358 pessoas mais ricas do mundo possuem uma fortuna equivalente a soma de 2,3 bilhões de habitantes mais pobres do planeta; 70% das pessoas pobres do mundo são mulheres; 1,1 bilhão de pessoas sobrevivem com menos de US$ 1 dólar diário; 1,2 bilhão não tem acesso à água potável; 800 milhões são analfabetas e mais de 250 milhões menores de 15 anos trabalham em vez de estudar”, assinalou.

Urrutikoetxea, que também é membro da Federação Sindical Mundial (FSM), enumerou algumas medidas tomadas pelos governos e empresas privadas na tentativa de superar a crise econômica, mas trouxeram graves problemas para os trabalhadores europeus: além de demissões em massa, foram cortados os salários dos servidores públicos, fato que induziu as empresas a tomarem a mesma medida; os sistemas de saúde e educação que eram públicos, passaram a serem pagos; foi retardada a idade para a aposentadoria e diminuídos os valores de pagamento a quem já estava aposentado.

Pior, segundo ele: foram repassados bilhões de euros dos governos para as empresas privadas, fato que é considerado como principal responsável pela crise que afeta os trabalhadores de toda a Europa.

“Querem que os trabalhadores e trabalhadoras paguem as consequências da crise e para isso rebaixaram os direitos trabalhistas e sindicais, além de aumentaram o tempo do trabalho diário, e em ritmo infernal. Igualmente, impuseram salários miseráveis. Durante os três últimos anos os salários dos metalúrgicos tiveram uma queda de 15%. Esse setor que represento, tem atualmente jornadas de trabalho de 12 horas diárias na Europa, enquanto em países da África e da Ásia, a carga horária é de 15 horas por dia”, denunciou.

O dirigente espanhol (natural dos Países Bascos) defende um modelo de luta sindical, classista, democrático e internacional, como propõe a Federação Sindical Mundial. “Defendemos um sindicalismo sociopolítico, anticapitalista e antiimperialista”.
Ele informou qual é a atual pauta de luta dos trabalhadores europeus: globalização dos direitos à educação, habitação, alimentação, água e medicamentos; medidas legislativas para impedir demissões coletivas; fim da privatização dos serviços públicos; contra a subcontratação e a terceirização; e a implementação da jornada de 35 horas semanais. 

“Padrão de Desenvolvimento e Conjuntura Econômica – Mais além da macroeconomia a curto prazo”. Esse foi o tema da palestra da Doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Lobato Gentil. “Meu objetivo é mostrar o que está acontecendo nesse momento em que, após dois anos de desaceleração econômica e queda expressiva no nível de crescimento, com a perda de ritmo de geração de empregos, nos estamos diante de um impasse. Tem uma canção do Paulinho da Viola, intitulada ‘Dança da Solidão’, que diz: ‘Quando penso no futuro não esqueço do passado’. Para pensarmos em um futuro que traga melhorias para grande parte da população, é preciso não esquecer o passado.”

Segundo Denise, a economia brasileira é dividida em três eras: a “era desenvolvimentista”, que se estendeu de 1930 a 1980 (quando houve a formação, com suporte estatal, de um parque industrial complexo); a “era de instabilidade macroeconômica inibidora do crescimento”, de 1980 a 2003 (administração de crises, ausência de estratégias de crescimento, reformas – anos 1990 – e estabilidade de preços – desde 1994); e a “era de crescimento e de redução da desigualdade e da pobreza”, a partir de 2004.

O crescimento recente combinou três características: elevada liquidez internacional, alta dos preços das ‘commodities’ (comercialização de produtos básicos em grande escala); e políticas anticíclicas de estímulo ao consumo. A partir daí houve crescimento moderado, redução da vulnerabilidade externa, controle da inflação, melhorias sociais e distributivas, ampliação da infraestrutura, situação de tranquilidade fiscal, sem dívida externa do setor público. Em consequência foram geradas políticas de sustentação ao padrão de crescimento recente, entre os quais se destacam: a elevação mais rápida dos rendimentos básicos do mercado de trabalho, determinado pela política de valorização do salário mínimo; expansão das políticas sociais (sobretudo o Programa Bolsa Família); a expansão do crédito privado e público; aumento do investimento público que gerou expansão da infraestrutura – PAC; desoneração tributária; redução da taxa de juro e da TJLP do BNDES; desvalorização cambial; controle de capitais de curto prazo através do IOF; linhas de financiamento do BNDES para elevar o investimento privado; ampliação das concessões em infraestrutura; redução do custo de energia.

Graças a essa série de medidas, houve uma ascensão das classes A, B e C, tendo diminuído a as classes D e E, conforme o gráfico acima, com dados do IBGE/PNDA e IPEA. Em 2003, a classe C tinha 65,9 milhões de pessoas que, pelas projeções, em 2014 serão 115,2 milhões. Enquanto isso, as classes D e E, que em 2003 eram 96,2 milhões, em 2014 será de 53,8 milhões. Detalhe: a população brasileira em 2003 era de 175 milhões; em 2014 será de 196 milhões. 

A principal razão da queda da desigualdade social – e principalmente da ascensão das classes mais pobres – se deve ao aumento da renda dos trabalhadores: 58%. Outra causa considerável foi o Programa Bolsa Família, com 13%. Sem as políticas sociais patrocinadas pelo governo a desigualdade social teria caído 36% menos. “Também é um fato que dinamizar o mercado de trabalho é a política mais importante para reduzir a pobreza. Isso parece óbvio, mas não é, porque na hora de fazer a defesa das políticas sociais, o governo costuma atribuir o crescimento ao Bolsa Família. Mas, como se vê no gráfico, o aumento da renda do trabalhador tem um peso muito maior. Por isso, como estratégia de renda a longo prazo, aumentar o salário mínimo é uma política mais eficiente para diminuir a desigualdade social do que gastar com o Bolsa Família”, explicou a economista da UFRJ. “Prova disso é que a redução da pobreza na década que vai de 2001 a 2011 foi de 57,5%. Enquanto isso, a pobreza na Europa e nos Estados Unidos está aumentando. O único lugar onde isso não está acontecendo é na América Latina e, particularmente, no Brasil. Até mesmo nos países que fazem parte do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que são menos desiguais do que nós e onde há menor pobreza, lá também está aumentando a desigualdade e aqui está diminuindo”.

Embora reconheça ser muito importante o aumento da renda dos trabalhadores brasileiros, Denise admitiu que há uma pedra no caminho: o baixo crescimento da produtividade, que está estabilizada enquanto os salários estão em crescimento. “Isso significa disputa social e que vamos enfrentar uma disputa política acirrada. Ou a produtividade cresce ou a política de distribuição de renda vai para o brejo. A grande questão é como crescer a produtividade porque atualmente há uma perda brutal de dinamismo da indústria brasileira. Há um grave sintoma de desindustrialização. Se a indústria perde empregos e a produtividade cai, nós estamos com problemas”, advertiu a economista. “A indústria quando cresce, puxa toda a economia. É o único setor capaz de manter o crescimento num longo prazo. Não qualquer indústria, mas aquela agregadora de valor, de conteúdo tecnológico, de desenvolvimento técnico. É essa a indústria que vai proporcionar o desenvolvimento econômico”.

“Para que essa indústria seja o carro chefe da economia brasileira, é preciso grandes patamares de investimento do Estado. Investimento em ciência e tecnologia, em infraestrutura, em renovação de todo o sistema educacional de nível superior, de laboratórios de pesquisa e tudo o mais. É preciso desenvolvimento de qualidade da mão de obra, a fim de que ela esteja preparada para assumir os postos de trabalho de alta qualificação. Nós estamos fazendo isso? Não. E quando a gente compara o Brasil com o resto do mundo, é deprimente. Ainda não temos uma política econômica calibrada para isso porque ela é muito conservadora. Não temos esse investimento ainda e, portanto, a nossa indústria não decola. Ela, na verdade, está em queda. Significa que esse crescimento não se sustenta. A classe trabalhadora deve prestar muita atenção porque essa política que agora o país se regozija pelo crescimento de salários e investimentos sociais não tem futuro. Só terá se a indústria doméstica atender a essa demanda que cresce, porque a nossa capacidade de importar vai diminuir. Nós tivemos déficit de exportação com todos os países”.

Por que o Brasil não está conseguindo aumentar os investimentos?, questiona. “Porque o governo permanece com o preciosismo do superávit primário de 3%. Esse superávit é insustentável a essa altura do jogo e nós já estamos na prorrogação do segundo tempo”. E ela dá a receita: “Diminuir esse superávit até próximo de zero e começar a investir, ou fazer déficit como todos os outros países do mundo. O governo terá que fazer e já sabe disso, tanto que recentemente teve que mascarar esse superávit. Então, se não diminuir esse superávit – e isso significa transferência de recursos para investimento na indústria -, nós não vamos conseguir crescer”.

Ao encerrar, Denise deu um importante recado: “Para aprofundar o crescimento, é preciso que o Estado esteja muito mais tomado pela presença da classe trabalhadora. Ela já está lá, mas ainda não botou a mão nos principais segmentos do Estado. É lá que os trabalhadores têm que conquistar o espaço. Isso não é fácil porque o conservadorismo impede em razão das alianças feitas no passado. Mas para sustentar essa legitimidade política de agora é preciso, sim, fazer uma ruptura dentro desse Estado. Ele depende da tomada consistente desses aparelhos do Estado pela classe trabalhadora”.

“É ótimo ver que a CTB já ocupa cargos no Legislativo, mas é preciso ocupar o espaço lá em cima, em Brasília. Não ocupar fisicamente, mas ter o poder de indicar, porque esse desenvolvimento só pode ser feito pelo Estado que esteja completamente comprometido com a classe trabalhadora. Não podem ser pessoas de discurso fácil, convincentes, arrebatadores de multidões, nem de grande poder financeiro ou de saber. Têm que ser grandes por subordinarem as suas paixões e os seus interesses privados em benefício do interesse coletivo, da grande maioria da população, da classe trabalhadora. Isso nós precisamos conquistar. E para ontem. Hoje, a evolução do salário mínimo é renda, mas para o empresário é custo. Enquanto os salários subiram, a produtividade caiu. A luta política, do lado dos empresários é fazer a curva salarial cair até o índice de produtividade. Do lado dos trabalhadores é preciso fazer a produtividade subir. Então, só dá para manter o crescimento desse bolo se houver investimento na indústria de manufaturas porque é ela a força e o setor irradiador da produtividade para todos os demais segmentos da economia. É ela que vai proporcionar o crescimento do Estado”, finalizou a economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fonte: CTB-RS