Audiência pública no STF debate regulamentação de TV fechada

Convocada pelo ministro Luiz Fux, relator do processo no Supremo Tribunal Federal que reúne três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) à lei que estabelece o marco regulatório da TV por assinatura no Brasil, a audiência reuniu especialistas em TV por assinatura, membros de entidades da sociedade civil e empresários do setor.

Segundo Fux, a oitiva da sociedade é necessária em matérias interdisciplinares, nas quais o conhecimento jurídico não basta, para ajudar os magistrados a tomarem sua decisão no julgamento do tema.

Entre os 15 participantes da primeira etapa – a audiência continuará na segunda-feira (25) -, o primeiro expositor foi o presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine), Manoel Rangel, que destacou que a lei  destrava a concorrência no setor e permite acesso crescente da população brasileira aos serviços de televisão por assinatura, banda larga e telefonia, por um preço mais acessível.

Segundo Rangel, a lei vai contribuir para o aumento da produção e distribuição de conteúdos nacionais, criando um incremento importante para a economia do audiovisual brasileiro, ampliando a qualidade das produções e o emprego criativo.

Empresários criticam cotas e limite à propriedade cruzada

Associações e consultorias ligadas ao setor empresarial ocuparam a tribuna do STF para sustentar que a limitação à propriedade cruzada e vertical no setor é uma afronta a livre iniciativa econômica, uma restrição à liberdade das empresas de poderem atuar livremente no mercado de comunicação. Afirmam que a lei vai reduzir empregos, que a lei cria uma burocracia regulatória que vai afastar investimentos e aumentar o preço do serviço da TV por assinatura.

Para atacar as cotas de conteúdo nacional, o representante das programadoras de TV por assinatura comparou a inclusão da cota de 3 horas e 30 minutos de conteúdo nacional por semana nos canais à violação da propriedade privada. Marcos Bitelli da Associação Brasileira dos Programadores de TV por Assinatura, afirmou."Impor esta cota é a mesma coisa que dizer que temos direito à propriedade privada, mas que alguém vai morar na sua casa três horas por semana sem ser convidado".

Representando a Pezco Microanalysis, consultoria que presta serviço aos empresários do setor, Cleveland Teixeira Prates fez uma defesa contundente do livre mercado e do prejuizo que a regulação traz para o setor da comunicação – que é caracterizado pelo monopólio bem sucedido – segundo ele. Ao criticar os instrumentos de regulação administrativa, as limitações à propriedade cruzada e a obrigatoriedade das cotas conclui: “o resultado desta lei será uma redução no bem-estar líquido dos assinantes do serviço de TV por assinatura”.

Barão de Itararé defende liberdade de expressão

A secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Renata Mielli, defendeu a lei  como um marco para a democratização da comunicação e para o avanço dos serviços de televisão por assinatura, porque ela dá um passo no sentido de reduzir a invisibilidade do conteúdo nacional nos canais, trazendo mais diversidade e pluralidade. Ao final, veja a íntegra da apresentação de Renata Mielli no STF.

Trazendo dados sobre a veiculação de conteúdo nacional na TV por assinatura antes da entrada em vigor da nova lei, Renata Mielli destacou que entre 15 canais de espaço qualificado monitorados pela Ancine em 2011 (entre eles os telescines, HBO's, AXN, Fox, Warner, TNT, etc) apenas 0,83% de toda programação era ocupada por produtos nacionais. Com a lei, esse percentual sobe para 2,083%. O que ainda é muito pouco.

A partir destes dados ela concluiu que uma vez que o mercado não tem condições – ou interesse – em ampliar as janelas de exibição de conteúdo nacional, a regulação do Estado se faz imprescindível, porque é papel do Estado defender a cultura nacional e a liberdade de expressão, um direito, como lembrou a secretária geral do Barão de Itararé, que precisa ser positivado para ser garantido a todos e todas.

Também participaram da audiência o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o Instituto Telecom e o Intervozes. O Idec questinou qual de fato é o poder de decisão do assinante sobre o conteúdo do que é veiculado na TV por assinatura e mostrou que as cotas só vão trazer mais opção e com isso beneficiar o consumidor. O Instituto Telecom destacou a importância do diálogo que se estabeleceu para a aprovação da lei. O representante do Intervozes focou sua apresentação na explicação do porque o monopólio na comunicação é danoso à liberdade de expressão.

Veja a íntegra do discurso de Renata Mielli:

Boa noite senhoras, senhores, excelentíssimo ministro Luiz Fux.

Gostaria de agradecer a oportunidade de estar nesta audiência para discutir uma lei que é um marco para o avanço da democracia no campo da regulamentação das comunicações no Brasil.

O Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé é uma organização da sociedade civil que busca contribuir para a elaboração de propostas para que os meios de comunicação se tornem mais democráticos, acompanhando o trâmite de projetos legislativos e demais experiências em políticas públicas de comunicação.

Neste sentido, o Barão de Itararé participou ativamente dos debates que culminaram na aprovação da lei 12.485 e posteriormente, no seu processo de regulamentação.
Consideramos este novo marco legal para o serviço de TV por assinatura indispensável para o avanço da pluralidade e diversidade nos meios de comunicação, para a promoção da identidade e cultura nacional, e para o estimulo econômico à cadeia produtiva do audiovisual brasileiro.

Mais, esta lei se constitui na primeira iniciativa do Congresso Nacional de traduzir as diretrizes constitucionais enunciadas nos artigos 220 e 221 para a regulação dos meios de comunicação social eletrônicos e pensados a partir de uma realidade de convergência tecnológica.
Essa lei passou por um rito processual longo e democrático nas duas casas legislativas, que teve a participação dos grupos econômicos que atuam no setor, de especialistas e de representantes de organizações da sociedade civil as mais variadas. O resultado deste processo foi uma lei que procurou acomodar em seu texto as preocupações de todos os atores.

É certo que a nova lei atinge interesses econômicos, uma vez que ela cria um ambiente de maior competitividade e organiza o mercado no sentido de cumprir obrigações que anteriormente não existiam.

Contudo, ao fazê-lo o Estado apenas cumpriu o seu papel regulador e planejador da economia e de defesa da cultura e da identidade nacional.

Por isso, nos surpreendeu os três recursos encaminhados a esta Corte. De uma ponta a outra dos argumentos sustentados nas ações, um costura todo o raciocínio desenvolvido: a de que a lei 12.485 fere a liberdade de expressão, seja por impor obrigações de veiculação de conteúdo brasileiro, seja pelo papel fiscalizador e regulador que a Ancine exercerá para garantir a sua aplicação.

Alguns dos que me antecederão abordaram o tema a partir da perspectiva econômica. Vou focar meus comentários e trazer dados para mostrar que a lei 12.485 é um instrumento de garantia e ampliação da liberdade de expressão, por criar um ambiente de mais pluralidade e diversidade na TV por assinatura. O que, como veremos, pelas mãos do próprio mercado não foi possível alcançar.

Precisamos ter em conta que, numa sociedade na qual a comunicação não se dá mais apenas pelas relações inter-pessoais, mas ao contrário, se dá fundamentalmente pela mediação dos meios de comunicação de massa, a liberdade de expressão é um direito que precisa ser positivado, cabendo ao Estado estabelecer normas que o garantam e os meios necessários para que todos e todas usufruam dele.

Não existe uma liberdade de expressão a priori. Entre o direito do exercício individual a liberdade de expressão e o exercício do outro há corporações econômicas que determinam o que ganha expressão, ou seja, o que se torna objeto de informação, entretenimento e cultura.
Assim, pelo filtro da seleção – que é algo feito pelo ponto de vista de que detém o meio de comunicação (dono, funcionário etc) – fatos, ideias, opiniões, produções culturais e artísticas, povos e culturas – se tornam invisíveis para o conjunto da sociedade.

No caso da televisão isso se potencializa. Porque a TV possui um poder inquestionável de ditar valores e comportamentos, de difundir ideologias e construir imaginários coletivos.
Apesar de haver diferentes plataformas tecnológicas que dão suporte à emissão de som e imagens, o serviço segue sendo o mesmo – oferta de conteúdo audiovisual – que tem um impacto simbólico relevante para a vida em sociedade e para o exercício da liberdade de expressão.

Por isso, quando o assunto é televisão, a necessidade de haver regras que positivem o direito de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras e plataformas, é imperativo para o aperfeiçoamento cotidiano do Estado Democrático de Direito, para o direito dos cidadãos e, no caso particular da TV por Assinatura de seus assinantes – ou consumidores.

Porque, vejamos, qual é o conteúdo simbólico e a matriz cultural do que tem sido veiculado pela nossa TV por Assinatura.

De 16 canais de filmes e séries monitorados pela Ancine em 2011, antes da entrada em vigor da Lei 12485, 19,50% da programação era de conteúdo nacional. Estes dados incluem o Canal Brasil, que sozinho veicula 96,02% de conteúdo Nacional. Se excluído o canal Brasil a veiculação de conteúdo brasileiro cai para 0,83%.

Traduzidas em tempo de veiculação estes dados ficam da seguinte forma: 7,4% do tempo era reservado para o conteúdo nacional – incluindo aqui o Canal Brasil. Se excluirmos este último o tempo cai para 1,03% da programação aproximadamente.

Portanto, é neste contexto — de invisibilidade de conteúdo nacional — que se coloca como instrumento de garantia e ampliação da liberdade de expressão — com promoção de diversidade e pluralidade — a reserva de espaços para a veiculação de produtos nacionais, que pela nova lei devem ocupar 3h30 minutos semanais no horário nobre, o que representa 2,083% do tempo total da programação semanal.

Inclusive, basta a reduzir o número de reprises que o conteúdo brasileiro exibido pela determinação da lei não vai impedir rigorosamente que nenhum conteúdo estrangeiro seja exibido.

E essa obrigação é progressiva, conforme cronograma definido em lei, para dar o tempo necessário aos agentes econômicos de se adequarem a este comando.
Outro comando da nova lei é com relação aos canais que compõem os pacotes. Para cada 3 canais estrangeiros de espaço qualificado – ou seja que exiba principalmente séries, documentários, filmes e animação – um deve ser brasileiro.

Este, aliás, além de instrumento de promoção de conteúdo nacional, é fator de estímulo econômico, como tantos outros que temos visto para desenvolver a economia brasileira e que em nada fere o princípio da livre iniciativa.

Vale lembrar a importância de diretrizes do Estado neste campo. O Canal Brasil, por exemplo, só existe porque surgiu de uma imposição criada pela Lei do Cabo, que determinava a existência de um canal por operadora voltado à produção audiovisual.

Aliás, a audiência do Canal Brasil é um exemplo de que o consumidor tem sim interesse em acessar conteúdo nacional, só lhe faltam opções para isso.

Ou seja, o que a lei procura fazer é reduzir a invisibilidade do conteúdo nacional na TV. Como já dizia o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho “ O problema da TV não é o que ela exibe, é o que ela deixa de exibir”.

Relatório da Unesco aponta que “A ideia de uma mídia livre, independente, plural e diversificada passa a se fixar como o ideal a ser alcançado para que o direito à liberdade de buscar, difundir e receber informações possa ser realizado em sua plenitude. Encontrar o formato adequado da participação do Estado Nacional na equação que busca fomentar sistemas midiáticos com essas características, rapidamente, configura-se em uma das peças mais relevantes desse quebra-cabeças”.

Nos parece que este foi o objetivo a ser alcançado com a lei 12.485. Procurar adaptar à realidade e às necessidades brasileiras, políticas de incentivo à veiculação da produção nacional, voltadas para promover mais pluralidade e diversidade no segmento de TV por assinatura, explicitamente hegemonizado por produções estrangeiras. Ao fazê-lo o Estado está defendendo o interesse público, a cultura nacional e a liberdade de expressão.

Outros países também buscam suas soluções para esta questão. Alguns exemplos são:
Canadá, 60% da programação total e 50% da programação no horário de pico de origem canadense; África do Sul, 35% do conteúdo de origem sul-africana – também tem cotas para rádio; Malásia, 60% de programação nacional; Europa, 50% do conteúdo da TV seja produzido com autores, trabalhadores e produtores residentes nos estados membros da União Europeia.

É importante ressaltar que Lei 12485 não possui nenhum dispositivo de regulação de conteúdo – seus comandos são econômicos. O conteúdo do que será veiculado em nenhum momento passa pelo crivo da Ancine. Portanto não cabe dizer, de maneira alguma, que a lei atenta contra a liberdade de expressão.

A previsão de obrigatoriedade também para conteúdo independente é outro dispositivo que reforça a liberdade de expressão. A produção independente é um instrumento efetivo de diversificação dos contéudos, de estímulo econômico à cadeia produtiva do audiovisual brasileiro e tem um papel positivo na formação da audiência. Porque é a produção independente a que pode promover maior diversidade de visões e perspectivas criativas.
Segundo dados da Ancine, a TV por assinatura no Brasil tem pouco mais de 160 canais.

Contudo, basta olhar a propriedade e a programação exibida por estes que vamos verificar que temos muita quantidade, mas pouca diversidade. Vemos mais do mesmo. E aqui não me refiro apenas à questão do conteúdo brasileiro. Hoje, o conteúdo audiovisual que é veiculado na TV por assinatura no Brasil é maciçamente norte-americano. Não temos acesso ao que se produz de variado na América Latina, na Europa, na Ásia.

O professor Dênis de Moraes, doutor em comunicação e cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, faz uma breve radiografia do predomínio audiovisual norte-americano.
“A prevalência das lógicas comerciais manifesta-se no reduzido mosaico interpretativo dos fenômenos sociais; na escassa variedade argumentativa, em razão de enfoques que reiterem temas e pontos de vista; na supremacia de gêneros sustentados por altos índices de audiência e patrocínios; na baixa influência pública nas linhas de programação; na incortonável disparidade entre os enlatados adquiridos nos Estados Unidos e a produção audiovisual nacional”.

Ao fazer sua análise sobre a globalização e o papel dos Estados, Milton Santos alertou:
“As novas condições técnicas deveriam permitir a ampliação do conhecimento do planeta, dos objetos que o formam, das sociedades que o habitam e dos homens em sua realidade intrínseca. Todavia, nas condições atuais, as técnicas da informação são principalmente utilizadas por um punhado de atores em função de seus objetivos particulares”.

O que, como concluí:“É uma forma de totalitarismo muito forte e insidiosa, porque se baseia em noções que parecem centrais à própria ideia da democracia – liberdade de opinião, de imprensa, tolerância –, utilizadas exatamente para suprimir a possibilidade de conhecimento do que é o mundo, e do que são os países e os lugares”.
Me parece que em certa medida é isto que estamos aqui discutindo.

Como ensina Dênis de Moraes, “a diversidade não se esgota nos acréscimos de opções de consumo; mas sim é fortalecida por expressões criativas, dinâmicas relacionais e práticas culturais e interculturais, por trocas horizontais entre as culturas de povos, cidades e países”.
Não é difícil, então, concluir que falta diversidade na nossa TV por Assinatura.

E, visto o comportamento do mercado de TV por assinatura no Brasil e olhando as experiências desenvolvidas em outros países, pode-se concluir que sem a intervenção positiva do Estado, continuaríamos com um cenário de escassez de diversidade e com restritas janelas de exibição de conteúdo nacional na TV por assinatura.

Daí a relevância da Lei 12.485 e consequentemente do papel do Estado em garantir a sua execução.

A aplicação dos comandos previstos na lei precisa ser fiscalizada pelo Estado, pelo próprio mercado e pela sociedade. Cada um tem sua responsabilidade neste processo.
E o papel do Estado, na atividade de fiscalização, incentivo e planejamento para evitar distorções no comportamento do mercado audiovisual cabe à ANCINE.

A comunicação social eletrônica é uma atividade econômica que precisa observar regras do domínio econômico, daí a necessidade de haver mecanismos administrativos como o de credenciamento e outros que possam avaliar a observância da lei. Tais mecanismos não guardam qualquer relação com atos discricionários ou de censura, ao contrário, são rituais comuns em qualquer atividade econômica.

A lei 12485 é um exemplo de regulação democrática, nos marcos do Estado Democrático de Direito que resolve a omissão normativa que havia neste campo com a positivação dos direitos dos assinantes do Serviço Audiovisual de Acesso Condicionado e a indicação de quem são os órgão de regulação – no caso Anatel e Ancine.

Para concluir, queremos reafirmar que só com a adoção de políticas públicas que valorizem os direitos da cidadania e que protejam o patrimônio cultural intangível do povo brasileiro, nós vamos efetivamente garantir um ambiente mais democrático que amplie a liberdade de expressão.

Fonte: Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé