Colômbia: Há 11 anos do fracasso de El Caguán

Ao completar, em 21 de fevereiro, 11 anos do reinício das operações militares em grande escala na Colômbia, depois do governo ter interrompido as conversas de paz daquele momento, a Prensa Latina transmite o seguinte artigo, coincidindo com a realização em Havana do quinto ciclo de conversas realizadas desde dezembro passado.

Por Luis Enrique González*

Fim do processo 

A realidade do processo de paz na Colômbia tem sido que a decisão das partes, mais do governo que da insurgência, foi ter apostado pelos diálogos em meio ao conflito.

A história demonstra que os rebeldes decretaram pelo menos uma trégua nas ações ofensivas, enquanto que os comandos militares oficiais nenhuma, oxigenados pela injeção monetária e de tecnologia de guerra, contemplada no Plano Colômbia.

A determinação dos insurgentes, ainda que as autoridades tenham feito questão de recusar sempre o status de força beligerante das Farc-EP, obrigava a negociar no meio do conflito. No entanto, cada ação rebelde fora da área desmilitarizada significava um pretexto para os inimigos do processo.

Pelo contrário, os ataques da força pública a acampamentos rebeldes, a colunas ou frentes guerrilheiras eram parabenizados pelos inimigos da pacificação.

Neste panorama, importante lembrar as palavras do ex-presidente colombiano, Alfonso López Michelsen, que afirmava que primeiro tem que derrotar a guerrilha para depois sentar a negociar.

Estamos em 20 de fevereiro de 2002. Um comando da coluna móvel Teófilo Forero das Farc-EP sequestra uma aeronave da companhia AIRES que tinha decolado de Neiva para Florencia, faz com que a tripulação aterrize em uma estrada do município de Hobo (Huila). Libertam todos os passageiros exceto o senador Jorge Eduardo Gechén.

Em 1982, Gechén tinha sido eleito representante à Câmara. Passou a ser senador em 1990 já convertido em líder liberal do departamento (estado) de Huila. Sua retenção por parte das Farc-EP acontece no meio de sua campanha eleitoral para manter seu assento.

Pastrana e os comandos militares conseguem assim o argumento para sepultar o processo de paz. O presidente assina a resolução que fecha o capítulo de negociação, retira o status político reconhecido à organização insurgente e reativa as ordens de captura contra seus principais dirigentes.

Presidência da República

Resolução executiva número 32 de 2002
Diário Oficial No. 44.716, de 20 de fevereiro de 2002
Pela qual se dá terminação a uma Zona de Distensão.

O Governo Nacional da República da Colômbia, em exercício de suas atribuições constitucionais e legais e em especial das que lhe confere a Lei 418 de 1997, prorrogada pela Lei 548 de 1999, e

Considerando:

Que, através de Resolução 85 de 14 de outubro de 1998 o Governo Nacional estabeleceu uma zona de distensão nos municípios de San Vicente del Caguán no departamento de Caquetá e Mesetas, La Uribe, La Macarena e Vista Hermosa no departamento do Meta;

Que através das Resoluções número 07 de 5 de fevereiro de 1999, 32 de 7 de maio de 1999, 39 de 4 de junho de 1999, 92 de 1o de dezembro de 1999, 19 de 6 de junho de 2000, 101 de 6 de dezembro de 2000, 04 de 31 de janeiro de 2001, 05 de 4 de fevereiro de 2001, 19 de 9 de fevereiro de 2001, 118 de 7 de outubro de 2001 e 14 de 20 de janeiro de 2002 se prorrogou o termo de duração da zona de distensão estabelecida;

Que através de Resolução número 31 de 20 de fevereiro de 2002 se deu terminação ao processo de diálogo, negociação e assinatura de acordos com a Organização Força Armadas Revolucionárias da Colômbia, Farc.  

Resolve:

Artigo 1o. Dar terminação à zona de distensão estabelecida mediante Resolução 85 de 14 de outubro de 1998.

Parágrafo. Dar aviso às autoridades judiciais correspondentes sobre o conteúdo da presente resolução, para os efeitos a que se refere o inciso quinto do parágrafo primeiro do artigo 8o da Lei 418 de 1997 prorrogada pela Lei 548 de 1999.

Artigo 2o. A presente resolução rege a partir da data e derroga em sua totalidade as que lhe sejam contrárias, em particular as números 07 de 5 de fevereiro de 1999; 32 de 7 de maio de 1999; 39 de 4 de junho de 1999; 92 de 1o de dezembro de 1999; 19 de 6 de junho de 2000; 101 de 6 de dezembro de 2000; 04 de 31 de janeiro de 2001; 05 de 4 de fevereiro de 2001; 19 de 9 de fevereiro de 2001, 118 de 7 de outubro de 2001, 14 de 20 de janeiro de 2002 e aquelas que as adicionam ou reformam.

Comunique-se e cumpra-se.

Dada em Bogotá, D. C., a 20 de fevereiro de 2002.

ANDRES PASTRANA ARANGO

Ministro do Interior,

Armando Estrada Villa.

Ministro de Justiça e do Direito,

Rómulo González Trujillo.

Ministro de Defesa Nacional (E.),

General Fernando Tapias S.

A zona desmilitarizada é história com pouco mais de três anos. O secretariado das FARC-EP tinha previsto a possibilidade de um encerramento repentino. Não foram cumpridas as 48 horas comprometidas na palavra do presidente para a retirada das unidades rebeldes da área de distensão, ou em particular dos centros urbanos dos cinco municípios.

Nesse mesmo dia, o Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, recusa a ruptura do processo de diálogo e oferece novos bons ofícios para reativá-lo. Por outro lado, Pastrana recebe a parabenização do presidente estadunidense, George W. Bush, e da Organização de Estados Americanos (OEA).

No dia 21 de fevereiro de 2002 houve tentativa de transmitir através do seguinte serviço informativo uma radiografia do panorama na outrora zona desmilitarizada, convertida desde o amanhecer deste dia no mais importante polígono bélico.

Colômbia opta pelo caminho da guerra total

Aviões, helicópteros, patrulhas pelos caudalosos rios e mais de 13 mil homens intervêm na ofensiva ordenada pelo presidente Andrés Pastrana que tenta recuperar ao redor de 42 mil quilômetros quadrados que permaneceram sob controle das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia desde dezembro de 1998.

O processo político visto como a única saída ao conflito foi sepultado quando tudo indicava que se avançava para a análise de temas de fundo, como a eventual trégua bilateral com acompanhamento internacional.

Pastrana argumentou a drástica decisão com o desvio de um avião comercial por um suposto comando rebelde, justificativa que precisavam os partidários do enfrentamento, do uso da força com o objetivo de acabar com a guerrilha.

A debilidade do governo em matéria de paz ficou uma vez mais em evidência, assim como a fortaleza da cúpula militar e dos setores de direita, sempre interessados em acabar com as gestões pacificadoras desde começos da administração conservadora.

Um primeiro chamado de advertência chegou quando o então ministro de defesa Rodrigo Lloreda renunciou ao diálogo com as Farc para provocar um mal-estar e desconfiança entre as forças armadas, mas só até poucas horas.

As negociações do governo com o movimento insurgente, de cerca de 20 mil homens, caminharam sempre por um caminho árduo, desde o início em janeiro de 1999, quando naves de combate sobrevoaram o lugar de reunião na La Machaca, zona desmilitarizada, para provocar a primeira grande crise.

A retirada militar dos centros urbanos de cinco municípios (San Vicente del Caguán, La Macarena, La Uribe, Mesetas e Vista Hermosa) começou em 7 de novembro de 1998, dois meses antes do início formal das conversas.

A cúpula de Pastrana e o chefe das Farc, Manuel Marulanda, salvaram os diálogos de frequentes crises, como a de maio de 1999 que implicou a adoção da agenda comum, hoje convertida em detalhe histórico.

Os mais de 1,3 bilhões de dólares de ajuda militar estadunidense acabaram com a incipiente confiança da cúpula rebelde na possibilidade de encontrar uma saída política a quase quatro décadas de conflito militar.

Radares de última geração, o uso de satélites espiões dos Estados Unidos e a infraestrutura ofensiva das bases de Três Esquinas e Apiay, assessoradas por boinas verdes, lideram a campanha de guerra decretada desde a Casa de Nariño para que os que são a favor da violência saíssem vitoriosos.

A pressão dos altos comandos obrigou o presidente a permitir o sobrevoo de naves de combate sobre a área em poder das Farc desde finais do ano anterior, como prelúdio da ruptura das aproximações de paz.

De acordo com o presidente, opinião nunca antes apresentada, as ações dos militares correspondiam a atos constitucionais de integridade territorial.

O desvio da aeronave para deter um congressista foi o detonante da crise fatal desses esforços de negociação, deixando a Colômbia à beira de um derramamento de sangue ainda maior.

Segundo o candidato presidencial pela esquerda Luis Eduardo Garzón, a escalada de violência do país provocaria um milhão de vítimas mortais, além da volta aos tempos de desaparecimento e torturas.

Segundo o candidato liberal Horacio Serpa, é urgente reestruturar o processo de paz e evitar que seja retomado de vez o caminho da guerra.

Os habitantes dos municípios controlados pelas Farc estão com medo de que voltem à região os soldados oficiais, os esquadrões paramilitares, as eventuais represálias aos civis por conviver por mais de três anos com os rebeldes.

Uma nova tentativa de reconciliação falhou. Frustrações como essa aconteceram na década de 80, com trégua e desmobilização que conduziram à campanha de extermínio da esquerda, enquanto que a princípios dos anos 90 o ex-presidente César Gaviria ordenou atacar o secretariado rebelde horas depois de uma rodada de conversas.

O prato está servido ao candidato da guerra, o de direita Álvaro Uribe Vélez, que se destaca nas pesquisas favorecido pela escalada do conflito, por sua posição a favor do aniquilamento da insurgência, de mais ajuda militar e até de uma intervenção estadunidense.

* Por Luis Enrique González é presidente da Prensa Latina e foi correspondente da agência na Colômbia.