Colômbia: ONU elogia processo de paz, mas critica governo

Recentemente, foi apresentado na Colômbia o informe anual do ACNUDH (Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU). O tema veio em um momento importante para analisar a evolução de um país que, sob o ponto de vista dos direitos humanos, tem vivido e continua vivendo a situação mais crítica no continente.

Por Simone Bruno, para o Opera Mundi

Colômbia - Efe

Todd Howland está há pouco mais um ano à frente do escritório e, nesse tempo, empreendeu uma reorganização, ganhando respeito entre as comunidades, defensores de direitos humanos e até mesmo no governo de Juan Manuel Santos. A história do ACNUDH data de 1977, quando, pela primeira vez no mundo, se instalava um escritório para monitorar permanentemente a questão dos direitos humanos em um país. Isso foi o resultado direto de um acordo entre o governo e as Nações Unidas.

O mesmo escritório protagonizou questionamentos ao ex-presidente Álvaro Uribe sobre o tema da violação dos direitos humanos e do acordo de paz com os paramilitares da AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), que este mesmo governo antecipava em 2003. Hoje, com a chegada de Howland, o escritório parece ter recuperado a autoridade e seriedade daquele momento.

Falando sobre o informe de 2012, Howland comenta: “A situação na Colômbia é muito complexa e é difícil dizer se, nos temas de direitos humanos, as coisas vão melhorando ou piorando. De certo, há alguns avanços, mas também há umas situações críticas que necessitam da atenção urgente do governo.”

Entre os temas ressaltados como mais positivos e que geram esperanças, o primeiro é o processo de paz: “Não existe outra ação” – confessa Howland – “do governo que possa gerar uma melhoria tão importante. Cada dia a mais de conflito armado, há novas violações”.

Outras razões para se ter esperança são a aprovação da lei de vítimas e a lei de Terras, destinadas a reparar as numerosas pessoas afetadas pelo conflito colombiano, o que indica uma importante tomada de consciência por parte do governo e um entendimento de suas obrigações antes as vítimas.

Falando sobre o tema, Howland foi enfático ao ressaltar que existem milhões de vítimas no país, altos níveis de desigualdade e ocupação ilegal de terras rurais. “Aproximadamente 10% da população do país foi deslocada por causa da violência relacionada ao conflito”, sublinha. Por essas razões, as duas iniciativas são muito importantes, mas os delegados do escritório revelaram uma série de graves dificuldades na implementação dessas leis, que vão desde aspectos burocráticos e estruturais até ameaças e assassinato de ativistas que lutam por seus direitos como vítimas.

No informe, também há uma seção de alerta, na qual se evidenciam áreas que requerem atenção urgente. “O informe aponta graves problemas de violações dos direitos humanos que continuam sendo negados ou ainda não foram enfrentados”, continua Howland.

Falsos positivos

O primeiro é o tema dos falsos positivos que, segundo Howland, se aproxima dos cinco mil casos registrados. “Considerando a magnitude dessa crise, são muito poucos os responsáveis que foram retirados do serviço ou processados. Altos funcionários vinculados a esses crimes contra os direitos humanos continuam ativos no serviço e continuam sendo promovidos”, alerta.

Além disso, a ONU fala abertamente sobre a impunidade sistêmica e sobre novos casos de civis assassinados e tratados como guerrilheiros abatidos em combates. Exemplo é o caso do último dia 21 de junho, quando dois indígenas da etnia Emberas, que estavam pescando, foram atacados por engano pelo exército. A mulher, que estava grávida, foi morta e, para encobrir o erro, os militares tentaram considerá-los como guerrilheiros.

Outras críticas foram feitas à pré-anunciada reforma do foro militar, onde juízes militares julgarão inclusive os casos de violações dos direitos humanos cometidos pelas forças armadas. “É muito preocupante que a reforma constitucional possa também fazer com que os tribunais militares se encarreguem de causas que atualmente estão sendo investigadas pela Procuradoria-Geral, particularmente as relacionas aos supostos falsos positivos. Essa situação supõe uma grave violação do princípio do juiz natural e, com maior razão, uma violação do princípio do devido processo legal e do direito de acesso à justiça”, opina o funcionário da ONU.

Guerrilha e neoparamilitarismo

Sobre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o ELN (Exército de Libertação Nacional), Howland afirmou que ainda são registrados de maneira sistemática assassinatos seletivos e violações sexuais.

Além disso, outro problema são os grupos armados que surgiram depois da desmobilização dos paramilitares, os denominados Bacrim. Para o chefe do ACNUDH, eles são “uma das maiores ameaças para a ordem pública e responsáveis pelo maior número de assassinatos, violações, atos de exploração sexual, violência física e psicológica, deslocamentos forçados, extorsões, perseguições e ameaças”.

O informe termina, como é de costume, com 13 recomendações ao governo. No entanto, elas podem ser as últimas, pois em 2013 vence o acordo entre o Estado da Colômbia e a ONU para a existência do escritório colombiano do Alto Comissariado para os Direitos Humanos.