Jandira Feghali: Subsídios sim, mas ao SUS 

Uma intensa e necessária movimentação surgiu nos veículos de imprensa dando conta de que o governo federal estuda um pacote de medidas com origem em propostas de operadores de planos de saúde representados na reunião com a presidenta pelos bancos Bradesco, Qualicorp e Amil.

Por Jandira Feghali*

A polêmica se estabeleceu, principalmente porque a proposta envolve desoneração fiscal para o setor privado, reacendendo a luz amarela no Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo sob os argumentos de facilitar o acesso de pessoas a estes serviços, redução de preços, ampliação da rede credenciada e elevação do padrão de atendimento, é preciso um olhar mais atento e crítico.

A nossa Constituição Federal traça no artigo 199, parágrafo segundo, que “é vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos”. A lei 9656/1998, que regulamenta o setor, também prevê o não ressarcimento das operadoras privadas. Fundamentos claros de que, o que precisa de investimento realmente é o SUS, que continua subfinanciado e sem muitas perspectivas.

A Reforma Sanitária Brasileira assentou sua construção em intensos debates conceituais e de análise da realidade social. A expressão constitucional baseia-se no próprio SUS, que compõe um sistema de proteção social – a Seguridade Social. Sob a ótica dos direitos sociais e humanos o que se via antes era um sistema de saúde excludente, pautado na concepção de seguro, estabelecido na relação direta entre contribuição, vínculo trabalhista e direito à assistência, deixando à indigência parcelas expressivas da população. O SUS veio para universalizar este atendimento, mas, para tanto, precisa ser adequadamente financiado.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, sistemas de cobertura universal demandam 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB), mas, no Brasil, somando-se os gastos das três esferas, chega-se a 3,7% – um valor pouco superior à metade do necessário. O Ministério da Saúde já foi responsável por 75% do financiamento da saúde na década de oitenta. No ano de 2010 teve reduzida esta participação a 45% (62 bi), os estados entraram com 27% (37 bi) e os Municípios com 28% (39 bi). O percentual público do PIB foi de 3,8% sendo 1,7% atingido pelos recursos federais e 2,1% pelos recursos somados de estados e municípios.

Nesta comparação o público foi responsável por 47% do financiamento da saúde no Brasil e o privado 53%. No gasto privado são 48% do gasto de planos e seguros de saúde.

Os planos de saúde figuram entre os maiores alvos de reclamações do povo brasileiro nos Procons, que cobram somas aviltantes e não conseguem fazer a cobertura adequada – essas empresas têm 48,7 milhões de clientes e faturaram, em 2012, mais de R$ 80 bilhões.

O sistema público de saúde é a única possibilidade de atendimento para milhões de brasileiros. A totalidade da população a ele recorre no caso de políticas fundamentais, como vacinação e tratamento à Aids. É no SUS onde são feitas as cirurgias de alta complexidade, os transplantes e a maior parte dos tratamentos de câncer. É este sistema que deve receber recursos compatíveis com esta tarefa e não o contrário: utilizar recursos públicos para subsidiar o setor privado.

Após tantos anos de esforço e construção, devemos reconhecer as dificuldades que ainda são enfrentadas pela saúde pública, mas asfixiá-la em nome do lucro de mercado nunca foi a solução para a grande maioria da população. Por isso, não posso crer que essas medidas possam ser adotadas pelo governo da presidenta Dilma.

*Deputada federal pelo PCdoB do Rio de Janeiro e integrante da comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados