Bertolino: O PCdoB e a escolinha errática de um professor do PCB

Um texto de Antonio Carlos Mazzeo, professor de ciências políticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), anda circulando pela internet dizendo que o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) pratica “estelionato político” e é adepto da “mentira e da manipulação desavergonhada”. Lavrado em tom elevado, Mazzeo abre o artigo citando que “a pior coisa do mundo é o enganador… ou melhor o estelionatário”.

Por Osvaldo Bertolino*

Tomado pela insensatez, o professor abandona a argumentação – e até os elementares cuidados técnicos com a redação – para se dedicar aos ataques já no início da exposição. Segundo ele, “quem teve o desprazer de ver as inserções do PCdoB no horário nobre da TV, pode assistir um estelionato político ao vivo, a cores e sem cortes despudorado”. Adepto da ênfase nas palavras no lugar da ênfase nas ideias, ele escreveu que “a falta de vergonha foi tal, que cheguei a ficar ruborizado diante de tanta mentira e manipulação”.

Para Mazzeo, “é mais do que sabido que o PCdoB, surgiu em 1962, como dissidência de uma absoluta minoria do Comitê Central do PCB, formada por João Amazonas e Maurício Grabois, que discordavam dos debates sobre o 10º Congresso do PCUS – Partido Comunista da União Soviética – e a necessidade de desestalinizar o Partido e o próprio Movimento Comunista Internacional”. Apressado e superficial, o professor afirmou que o PCdoB aderiu ao maoismo e passou a nominar o PCB como "bando de Prestes" e a União Soviética de "social imperialismo".

Falsificação

Mazzeo inclui Cuba no pacote das causas para os ataques, segundo ele um país considerado pelo PCdoB como "satélite do social imperialismo", sendo Fidel Castro uma "marionete dos soviéticos". Mais tarde, o PCdoB romperia com a China e passaria “a considerar a Albânia do stalinista ortodoxo Henver Hoxha como ‘farol do socialismo’”, conforme a análise enviesada do professor. “Com a crise e a divisão do PCB, em 1992, que deixa o Partido muito debilitado, aproveita o momento de fragilidade do PCB e monta uma agressiva e deliberada política de apropriação da história do PCB, distorcendo e manipulando os fatos históricos”, comentou.

Em cada parágrafo há um ataque, seguido de uma falsificação. No seguinte, ele garante que “se para os setores mais esclarecidos e mais informados do movimento social e da intelectualidade de esquerda, essa agremiação não é levada à sério, é de preocupar que essa mentira dita muitas vezes possa ganhar alguma dimensão entre os segmentos mais atrasados do movimento social”. No subsequente, mais chumbo grosso: “Não bastasse dizer que tem 90 anos – grosseria sem algum respaldo histórico e temporal, pois se o PCdoB foi fundado em 1962, ele tem 51 anos de vida política errática e oportunista – mentiu descarada e escandalosamente, ao dizer que Prestes, Olga, Niemeyer, Jorge Amado, entre outros, foram daquela agremiação (esse é o termo possível).”

Em sua linha torta para analisar a história, Mazzeo defende que Olga Benário, Luiz Carlos Prestes, Jorge Amado e Oscar Niemeyer nunca foram do PCdoB. Segundo o errático professor, “essa mentira despudorada tem um objetivo: o de esconder sua adesão ao projeto de modernização conservadora do capitalismo liderada pelo PT, as alianças com os monopólios internacionais e nacionais, a amizade com o agronegócio e a conciliação de classes”. Depois de lavrar mais alguns rompantes estridentes e ocos, Mazzeo encerra dizendo: “Mas fica aqui registrado meu repúdio, minha náusea e minha indignação.”

Conexão

O professor erra datas, faz uma confusão com os fatos e vai emitindo seus juízos erráticos sem o menor pudor. Sobre Cuba, por exemplo, ignora todo um processo de aproximação do PCdoB com a Revolução na ilha, que se rompeu quando o governo de Fidel Castro se aproximou dos traidores soviéticos. A aproximação com a Albânia e a China se deu no mesmo processo; ao contrário do que diz Mazzeo, não houve rompimento com um para se aproximar do outro. São fatos conhecidos, o que não justifica essa falha bisonha.

De todo modo, a forma grosseira não merece consideração; o conteúdo, sim, deve ser analisado. Como dizia aquele personagem, vamos por partes. É mais do que sabido que o PCdoB surgiu em 1962, como dissidência de uma absoluta minoria do Comitê Central do PCB, por quem, professor? Quem conhece os fatos sabe que a decisão de mudar o nome, os princípios e o Programa do Partido contrariava o artigo 32 dos Estatutos. "As decisões do Congresso são obrigatórias para todo o Partido e não podem ser revogadas, no todo ou em parte, senão por outro Congresso", dizia o documento.

Não é possível compreender o significado daqueles acontecimentos que levaram à reorganização do Partido Comunista do do Brasil, que adotou a sigla PCdoB para se diferenciar do novo PCB (o Partido Comunista Brasileiro), sem estabelecer conexão com os acontecimentos anteriores, sobretudo os dos anos 1950, conforme explicou Pedro Pomar no jornal “A Classe Operária”. Fora um período difícil para país, constatou ele, que exigiu dos comunistas esforços para vencer os obstáculos “que o Partido teve de transpor para cumprir sua missão revolucionária”. Fora também uma fase rica de ensinamentos, na qual muitos militantes manifestaram grande abnegação, “mas a direção do Partido não teve a capacidade de encontrar o melhor caminho da revolução e deixou que se perdessem magníficas oportunidades para elevar o nível da ação combativa das massas”.

Frustração

Naquela época já se podia observar certo desalento nas fileiras comunistas e perceber que a linha política claudicava diante dos acontecimentos que se precipitavam, como os de 24 de agosto de 1954 (suicídio de Vargas) e os de 11 de novembro de 1955 (posse de Juscelino Kubitschek), analisou Pedro Pomar. O Programa do Partido, aprovado no 4º Congresso, na sua opinião passou a ter uma interpretação “sui generis”, que não afinava com as diretrizes essenciais nele contidas. “Nessas condições é que nos surpreendeu a ofensiva da reação imperialista e o surto revisonista”, afirmou.

Pedro Pomar constatou que nas fileiras comunistas propagou-se rapidamente uma sensação de frustração, sobretudo nos setores da intelectualidade ligada aos comunistas ou sob a influência do Partido. “Cresceu a confusão ideológica em face das enormes vacilações da direção partidária e da sua impotência para enfrentar os ataques dos revisionistas”, comentou ele. Pedro Pomar fez uma minuciosa análise dos acontecimentos que levaram à reorganização do Partido Comunista do Brasil, revelando nuances que permitem visualizar as entranhas da batalha desenvolvida no processo do V Congresso.

Segundo ele, o debate no “movimento comunista” começou por iniciativa dos revisionistas e, “embora contivesse aspectos positivos e revelasse o sentimento internacionalista e revolucionário de diversos camaradas, não contribuiu para esclarecer devidamente os problemas controvertidos”. Ao contrário, gerou mais desorientação, disse ele. “Tudo isso contribuiu para que fosse declinando a influência dos comunistas no movimento operário e democrático. As forças populares, sem liderança efetiva, se tornaram objeto da traficância dos demagogos burgueses e pequeno-burgueses. O movimento de massas ia sendo empolgado, cada vez mais, pelo nacionalismo. As publicações comunistas de massa despareceram e o próprio nome do Partido Comunista do Brasil passou a ser omitido, sendo substituído pela expressão ‘movimento comunista’ ou pela assinatura de um único dirigente”, escreveu.

Corifeus

Toda a atividade pretérita dos comunistas se transformou em alvo de zombaria, disse Pedro Pomar. Era acusada, em todos os aspectos, de ser sectária e dogmática. “O Programa do Partido foi considerado superado em sua totalidade pelos corifeus do revisionismo, sob a acusação de que não refletia as novas condições do mundo e do Brasil. No que se refere à situação internacional, os revisionistas afirmavam que, na base de uma falsa apreciação, havíamos exagerado o perigo de guerra, que o poderio do socialismo era de tal magnitude que todas as reformas sob o capitalismo favoreciam o socialismo e que, portanto, a ditadura do proletariado e a revolução proletária deixaram de ser indispensáveis.”

O culto à personalidade de Prestes, que segundo Pedro Pomar os comunistas estimularam durante muitos anos, tornou-se um fator primordial para que as ideias revisionistas acabassem se impondo. “Por ironia, um dos aspectos negativos da atividade do Partido e que os revisionistas diziam combater é que lhes propiciou a arma mais poderosa para empolgar a direção e depois o conjunto do Partido. Justamente graças à adesão de Prestes ao grupo revisionista, em 1957, é que este passou a predominar no Partido.”

Pedro Pomar revelou que os dirigentes do grupo revisionista, de acordo com Prestes na reunião do Comitê Central em agosto de 1957, acusaram quatro integrantes do antigo “Presidium” (Maurício Grabois, João Amazonas, Sérgio Holmos e Diógenes Arruda Câmara) de serem os principais responsáveis pelos erros do Partido. “Embora em conversas privadas confessassem outra coisa, consideraram Prestes como vítima de uma conspiração, como um homem não informado. Os ‘cabeça de turco’ (locução de uso popular que significa teimoso, obstinado, resistente) foram apontados no Partido e alijados de seus postos e aquele que era de fato o maior responsável, não só como decorrência do posto que ocupava, mas, sobretudo, pelo sistema de culto à personalidade, foi inocentado, ou considerado capaz de recuperação”, detalhou.

Resistência

Apelando para a esperteza e utilizando sofismas, disse Pedro Pomar, os revisionistas continuavam rendendo o mesmo culto à personalidade, acusando, entretanto, os que se mantinham fiéis às tradições revolucionárias do Partido como “saudosistas desejosos da volta do passado”. “Com esses estribilhos monótonos, aplicavam a torto e a direito o método mandonista por eles tão condenado. Velhos quadros e militantes foram vítimas de uma política discriminatória mais absurda e hipócrita. Empregando tais processos, os revisionistas conseguiram impor no 5º Congresso a linha reformista, apesar da vigilância dos elementos revolucionários e de sua crescente resistência diante do que ocorria no Partido. Tanto assim que os Estatutos então aprovados ainda conservaram, no fundamental, os princípios e as normas leninistas consagrados pelo movimento comunista internacional.”

Era preciso ressaltar a resistência aos revisionistas para se apreciar de modo correto o que aconteceu quando o Comitê Central eleito no V Congresso resolveu alterar o nome do Partido e criar um novo partido, que não se regeria mais pelos princípios do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário, ponderou Pedro Pomar. “Nessa ocasião, grande número de militantes se dirigiu ao Comitê Central para condenar essa tentativa de formar um novo partido, sob o pretexto de obter seu registro eleitoral. Simultaneamente, esses militantes solicitaram a convocação de um novo Congresso, única instância que podia decidir a questão caso a direção não quisesse voltar atrás de seus propósito liquidacionista.”

A resposta do Comitê Central a essa petição dos que divergiam de sua conduta foi de uma intolerância a toda prova. “Entrou pelo terreno das sanções disciplinares, da acusação de divisionismo, até o ponto de pretender expulsar do movimento comunista honrados lutadores da causa revolucionária do proletariado. Assim, os reformistas consumavam o divisionismo no movimento comunista. Não restava outro recurso aos que se mantinham firmemente nas posições revolucionárias do marxismo-leninismo senão o da convocação de uma Conferência extraordinária do Partido Comunista do Brasil que tratasse, fundamentalmente, da sua reorganização diante das graves consequências da política e dos métodos aplicados pelos revisionistas.”

Infiltrados

Em outro comentário, Pedro Pomar disse que, como ensinava Lênin, era impossível vencer o imperialismo sem desmascarar e derrotar ao mesmo tempo o oportunismo nas fileiras do movimento operário e comunista. “No Brasil, estamos vivendo nossa experiência de luta contra os revisionistas”, comentou. “Sabe-se como foi forte o surto revisionista no movimento comunista brasileiro a partir de 1956. Nós, que procuramos defender a bandeira revolucionária de Lênin, fomos então apanhados de surpresa. Não possuíamos tradição de luta ideológica e ainda por cima aceitávamos muitas concepções errôneas, dogmáticas”, escreveu.

Segundo ele, os revisionistas infiltrados na direção comunista agiram, “manhosamente e sem escrúpulos”, paulatinamente, para liquidar o caráter revolucionário do Partido. “A princípio sob o pretexto de corrigir alguns erros da linha política fizeram aprovar uma orientação nacional-reformista. Depois, sub-repticiamente, foram liquidando os jornais e as organizações onde os comunistas tinham influência, até culminarem seu trabalho com a renúncia dos princípios do marxismo-leninismo e do internacionalismo, e com a modificação do nome do Partido”, denunciou.

Na realidade, conforme a análise de Pedro Pomar, os revisionistas provocaram a divisão do Partido, “mas lançam contra os que defendem a causa do velho Partido marxista-leninista da classe operária a acusação de divisionistas e todo tipo de calúnias”. As mesmas calúnias agora repetidas pelo professor Mazzeo. Lamentável.

* Osvaldo Bertolino é jornalista, comunista e editor do Portal da Fundação Maurício Grabois