Bruno Peron: Relações de consumo no Brasil

Dois aspectos são essenciais no debate sobre o Plano Nacional de Consumo e Cidadania, que Dilma Rousseff criou em março de 2013 a fim de tratar a proteção do consumidor como política de Estado. O primeiro é sua premência devido aos abusos impunes que a esfera do lucro comete contra a esfera da coletividade. O segundo é a suspeita em torno de que Rousseff reforce a formação dos brasileiros como consumidores em vez de cidadãos.

Por Bruno Peron*, em seu blog


Foto: Juan Pratginestos-divulgação

Assim, o governo federal protege-nos prioritariamente nas relações de consumo em detrimento das relações cidadãs. Há que tomar cuidado para não confundir a esfera do consumismo com a da cidadania.

A proposta política do Plano Nacional de Consumo e Cidadania é melhorar a qualidade dos produtos que circulam e se consomem em território nacional e dos serviços; além disso, o
Plano tem o fim de encorajar o aperfeiçoamento e a transparência das relações de consumo através da criação de três Comitês Técnicos (Consumo e Regulação; Consumo e Turismo; Consumo e Pós-Venda). Seu primeiro passo é, dentro de um mês, compor uma lista de produtos sobre os quais os consumidores deverão ter resposta imediata do fabricante diante de suas demandas e queixas desde que estejam em garantia. De duas, uma: ou os brasileiros nos conscientizamos do nosso papel ativo na melhora destas relações, ou o Plano será um balcão de poucos grandes anúncios.

Finalmente o governo federal decidiu dar um incentivo ao trabalho dos mecanismos municipais de Proteção ao Consumidor (PROCON), que têm sido incapazes de conter os abusos cometidos pela falsidade daquilo que empresas prometem aos consumidores. Esta política vai de mãos dadas com a de fortalecimento das agências reguladoras, que se criaram com as "concessões" de empresas de gestão pública nos anos 1990. Notícia da Agência Brasil (Luciene Cruz. Governo federal lança Plano Nacional de Consumo e Cidadania, 15 de março de 2013) informa que as queixas principais referem-se a "telefonia celular (9,17%), os bancos comerciais (9,02%), os serviços de cartão de crédito (8,23%), a telefonia fixa (6,68%) e a área financeira (5,17%)".

Em realidade, o Plano merece mais elogios que críticas. É uma política que tardou enquanto capricho, mas veio para ficar como política de Estado. Aumenta a exigência dos consumidores quanto à qualidade do produto e do serviço que compram e contratam, clareza de informação, cumprimento de prazo, satisfação do cliente, e canais de atendimento. Enquanto o Brasil melhora suas relações de consumo a fim de evitar insatisfações e transtornos em seus consumidores, alguns criticam a deterioração destas relações na Inglaterra, onde se descobriu a venda em supermercados de carne de cavalo em lasanhas cuja etiqueta anunciava conter carne bovina.

É por esta e outras razões que pouco do Primeiro Mundo serve para o Terceiro Mundo. Esta
afirmação não poupa, portanto, uma boa dose de escárnio ideológico.

Enquanto as práticas de mercado aprofundam seus métodos de abordar e conquistar o consumidor (e.g. panfletagem nos portões das casas e tempo de propaganda maior que o do próprio programa na televisão), os gestores públicos legítimos dão o primeiro passo desde o Estado para regulamentar as relações de consumo no Brasil. Sua aposta, contudo, deve ser tão sofisticada a ponto de incluir neste Plano modernizador o comércio eletrônico, que mereceria uma outra seção devido à importância do tema. Isto se deve a que nossos correios eletrônicos se comercializam pela Internet antes de que suas caixas de entrada se encham de spams, e a publicidade que nos atinge de websites de nosso interesse se direciona de acordo com pesquisa de gosto encomendada pelos browsers (navegadores com os quais acessamos a Internet).

É indiscutível que a qualidade dos produtos e dos serviços precisa melhorar no Brasil, porém este avanço não poderá ocorrer se se deixar de lado a nossa formação como cidadãos e nossa participação ativa nas resoluções do país. É inadmissível que, na menor chuva, bairros inteiros fiquem temporariamente sem energia elétrica ou que, em horário de pico, a velocidade da banda larga de alguns serviços de Internet se reduza drasticamente. Exemplos como estes são
uma afronta à dignidade do brasileiro não só como consumidor senão também como cidadão.

A crítica que faço é de que o Brasil se prepare tão competitivamente no comércio mundial e tão satisfatoriamente nas relações internas de consumo sem formar bem seus jovens aprendizes, pequenos empreendedores e outros brasileiros em busca do sentido público de cidadania. Poderíamos passar de uma posição de "defesa" ou "proteção" do consumidor como vítima constante a outra em que o cidadão seja artífice resoluto de uma brasilidade nova e exemplar.

* Bruno Peron é mestre em Estudos Latino-americanos pela Faculdade de Filosofia e Letras (FFyL, sigla em Espanhol) pela Universidade Nacional Autônoma de México (Unam).