Codas: Eleições no Paraguai foram um remendo, não uma solução

As eleições que deram a vitória ao Partido Colorado no Paraguai mostram que a democracia do país tem limites muito estreitos e que as forças conservadoras têm mecanismos para bloquear a vontade popular de mudança. A avaliação é de Gustavo Codas, jornalista, economista paraguaio e analista internacional, que conversou com o Blog do Zé diretamente de Assunção.

Gustavo Codas

Ele associa a vitória dos colorados ao golpe que derrubou o presidente Fernando Lugo no ano passado. O golpe enfraqueceu os liberais, que apoiaram a queda de Lugo. E agora eles pagam o preço. “É possível que o PLRA [partido dos liberais] enfrente uma crise profunda. Sua representação no Senado caiu de 14 para 12 cadeiras. Perdeu alguns bastiões regionais. Se desmoralizou com o golpe, com seu governo ilegítimo e corrupto e com o resultado eleitoral”.

Leia a seguir a conversa com Gustavo Codas, que também trata do avanço da esquerda no Senado nestas eleições:

Blog do Zé: Em que medida o golpe que tirou Lugo do poder contribuiu para esse retorno dos colorados ao poder?
A decisão do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) de dar o golpe de Estado parlamentar junto com o Partido Colorado (também conhecido como Associação Nacional Republicana, ANR) e outras forças conservadoras menores provocou uma ruptura profunda dos setores de esquerda e setores independentes com os liberais. Além disso, os liberais, depois do golpe, perseguiram a esquerda com um discurso anticomunista e demissões em massa de funcionários públicos. O golpe também provocou descontentamento em alas liberais que estavam fechados com a aliança com Lugo. Tudo isso enfraqueceu inevitavelmente o PLRA para disputar com condições de ganhar dos colorados. Para piorar, o governo liberal surgido depois do golpe, com o ex-vice-presidente Federico Franco como novo titular, em pouco tempo mostrou uma faceta de corrupção e sinecurismo [algo próximo do nepotismo; quando se emprega alguém no poder público para ganhar apoio] que desgastou sua política eleitoral. Paralelamente, a ANR fez dois movimentos combinados. Lançou como candidato presidencial um empresário “bem-sucedido” que permitiu angariar votos independentes. E com uma ordenada disputa interna de candidaturas proporcionais e regionais, organizou sua unidade. O PRLA trocou a chance de governar junto com a esquerda e independentes legitimamente por um governo ilegítimo “puro sangue” de pouco mais de um ano. Os colorados sabiam o que faziam. Os liberais acreditavam que dessa maneira impediriam o crescimento da esquerda e a subordinar a seu projeto.

Os liberais pagaram o preço pelo apoio à queda de Lugo?
É possível que o PLRA enfrente uma crise profunda. Sua representação no Senado caiu de 14 para 12 cadeiras. Perdeu alguns bastiões regionais. Se desmoralizou com o golpe, com seu governo ilegítimo e corrupto e com o resultado eleitoral. Não descarto que o bipartidarismo se rompa pela decadência do PLRA. Ao mesmo tempo temos um avanço da esquerda, chegando à terceira força política do país, pelos dados que temos até agora. Foi surpresa? Já dá para traçar alguma perspectiva para a esquerda, já pensando em 2018?

As esquerdas chegam em condições de ocupar um terceiro espaço que dispute o bipartidarismo conservador de mais de cem anos. Não é a primeira vez. No fim da ditadura Stroessner (1954-1989), no começo dos anos 90, houve um forte avanço progressista (chegou a ter 23% dos votos para presidente em 1993). Não prosperou. O lugar foi ocupado por dois projetos conservadores, o partido do recentemente falecido general Lino Oviedo e o partido Patria Querida, de empresários católicos conservadores que trataram de construir uma nova direita. Esses dois partidos estão em via de extinção de acordo com os resultados desta eleição.

Mas o progressismo destas eleições apareceu dividido em duas ofertas. A Frenta Guasú, cujo principal referência é Fernando Lugo. Teve 10% dos votos para senadores. E Avança País, cujo principal referência é seu candidato presidencial, Mario Ferreiro. Pelo sistema de distribuição de vagas, Frente Guasú elegeu cinco senadores, e o Avança País, dois. Por outro lado, para presidente, o desempenho da AP foi maior que o da FG, com Anibal Carrillo. Somadas “matematicamente”, as esquerdas tiveram algo como 15% dos votos. Se tivessem se juntado, provavelmente teriam tido mais, já que parte do eleitorado progressista rechaçou a divisão ocorrida e se absteve. Agora há duas vertentes do progressismo, FG e AP, com representação parlamentar. Também há uma terceira que não conseguiu votos suficientes, mas que tem presença em organizações sociais e civis, o movimento socialista feminista Kuña Pryenda (Plataforma de Mulheres). Termos que esperar para ver se haverá vontade e condições de trabalharem juntos na luta social e na luta institucional, o que não se conseguiu na disputa eleitoral.

Agora o Paraguai deve voltar ao Mercosul. Mas fica a pergunta: as eleições foram suficientes para apagar essa “mancha” da queda de Lugo?
Estas eleições foram um “remendo”, mas não uma solução. O golpe mostrou que a democracia paraguaia tem limites muito estreitos. Que as forças conservadoras têm mecanismos para bloquear a vontade popular de mudança. Aceita, que haja alternância de “cores” no governo, mas não alternância de “projetos” de governo. Isso somente um fortalecimento dos setores progressistas e uma Constituinte poderiam mudar. Agora, Cartes foi o primeiro candidato conservador que já no fim do ano passado dizia que tinha de voltar para o Mercosul sem impor condições. Creio que buscam saídas pragmáticas de um lado e de outro.

Fonte: Blog do Zé