Audifax Rios: Operário, temeroso verbete

Ao vocábulo "operário", então, era feito tabu, evitava-se pronunciá-lo, a prática gerava um pavor da Igreja pelos comunistas que dele e de outros haviam se apoderado.

Quando menino a palavra trabalhador não tinha, para nós, o menor significado porquanto, morando numa comunidade relativamente pequena, esta atividade era mais frequente na zona rural, nos matos como dizíamos, mesmo assim com o rótulo de plantadores, vaqueiros, pescadores, caçadores, etc. Na cidade, sem fábricas e de comércio precário, poucos eram os caixeiros, ajudantes de caminhão e serventes de pedreiros. A maioria era autônoma (sapateiros, parteiras), os patrões temporários, oficialmente sem compromisso nenhum.

Ao vocábulo “operário”, então, era feito tabu, evitava-se pronunciá-lo, a prática gerava um pavor da Igreja pelos comunistas que dele e de outros haviam se apoderado para uso profícuo em seu famigerado catecismo. Classe, luta, latifúndio, salário, proletariado, burguesia, sindicato e operariado, entre outras, eram bordões que soavam como pecado. E comunista ou socialista, sinônimos de anticristo, entes capazes de grandes malvadezas, inclusive comer criancinhas inocentes.

A palavra “operário” só foi aceita quando a Santa Madre (que tinha sacristões e sineiros sob a batina), apavorada com outro concorrente, a Maçonaria, resolveu organizar as Conferências Vicentinas e os Círculos Operários Católicos. Se não podes vencê-los, junte-se a eles. Isto porque os maçons já haviam tido o estalo e fundado o Partido Operário e o Centro Artístico em Fortaleza.Tais entidades, é bom registrar, foram mais outros feitos pioneiros cearenses, copiados pelo resto do país.

Não sabemos se já comemoravam o Dia do Trabalhador no primeiro de maio por aqueles cafundós perdidos. Talvez até desconhecessem o movimento de Chicago onde, em 1886, trabalhadores em greve foram mortos pela polícia ou condenados à morte. O fato causou certo pavor e a data passou a ser símbolo de luta e resistência quando os governantes, antes que tarde, trataram de despolitizá-la e transformá-la num mero feriado que no Brasil quer dizer dia de lazer. A Igreja foi mais além, ampliou o nome do santo carpinteiro para São José Operário, e destinou-lhe mais este dia além do 19 de março, o tal das esperadas chuvas. Mesmo assim, em 1920, era fundada na capital cearense, neste dia festivo de maio, a União Geral dos Trabalhadores, por parte de anarquistas, professores, gráficos, poetas (operários da palavra) universitários; todos simpatizantes do socialismo que havia emplacado na Rússia.

Em verdade, de trabalhador ou operário só conhecíamos mesmo as empregadas domésticas e os serviçais que ajudavam no jardim; os tiradores de goteiras e espanadores de teias de aranha no alto das cumeeiras. Nem mesmo os escreventes do cartório do pai achava-os incluídos nessa nação de gente. Mofinos, sentados ante um birô, não traduziam o operário alimentado em nossa mente que era a figura do trabalhador braçal.

Só na seca do cinquenta e oito é que fomos ter ideia da dimensão do drama. Cassacos passavam o dia inteiro no cabo da enxada sobre os aterros de uma estrada que os empreiteiros e os políticos sabiam que não ia dar em lugar nenhum. A reta final, na verdade, apontava para os cofres e as urnas eleitorais. Os ricos enriqueceram cada vez mais e os pobres obreiros mal mataram a fome com o mísero salário.

Ao mudarmos para a cidade grande ficamos cientes da gravidade do problema e percebemos a coisa nua e crua. Ficamos a par de todos os movimentos proletários ao longo da história e a primeira assinatura de nossa carteira profissional foi taxada com o salário mínimo. No segundo ano da redentora, muito depois da Era Vargas e das vermelhas tentativas janguistas. Quando ainda ressoavam os santos impropérios de um bispo miudinho e atrevido chamado Helder Câmara.

Audifax Rios é um artista cearense de muitos talentos

Fonte: O POVO