"Bolsa estupro é retorno à Era Medieval", afirma UBM

Às vésperas da visita do papa Francisco ao Brasil, em julho, durante a 26ª Jornada Mundial da Juventude, o país dá sinais de que a onda conservadora que atinge o mundo chegou por aqui. É o que alertam feministas ouvidas pelo Portal Vermelho, que reagiram à aprovação do Estatuto do Nascituro na Comissão de Finanças da Câmara. Para impedir seu avanço, elas se rearticulam e preparam atos em todo país. Abaixo-assinado recebe milhares de adesões nesta quinta-feira (6).

Na quarta-feira (5), a Comissão deu seu aval para a proposta, conhecida pelo movimento de mulheres também como bolsa estupro. De acordo com o texto, fica estabelecida a proteção jurídica à pessoa desde a concepção, antes mesmo de seu nascimento e garantida, inclusive, uma pensão alimentícia do pai, se identificado, ou do Estado. O projeto agora será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser votado em Plenário.

“Nos posicionamos contrárias a esse projeto. O texto atenta contra a autonomia da mulher sobre o seu próprio corpo e, com isso, mantém a instituição do patriarcado, que domina a partir dos seus mecanismos e conexões com as classes dominantes. É preciso que haja o enfrentamento ao patriarcado e às sociedades de classes que dominam a opinião pública. Temos uma histórico de luta e, agora, o movimento de mulheres precisa resgatar esses direitos”, declarou Lúcia Rincon, que integra o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), ligado à Secretaria Nacional de Política para Mulheres.

Na manhã desta quinta-feira (6), o CNDM divulgou uma nota se posicionando contra o PL 489/07, de autoria do ex-deputado Luiz Bassuma e Miguel Martins. “O Estatuto do Nascituro viola os direitos das mulheres e descumpre preceitos constitucionais de previsão e indicação de fonte orçamentária, objeto de discussão naquela Comissão”, diz um trecho do comunicado.

Para impedir o avanço no Congresso Nacional, a conselheira destacou a importância do papel do Conselho e das parlamentares na atuação dentro do Congresso Nacional. “Vamos nos rearticular para impedir esse PL que além de ser um retrocesso na conquista de direitos, é inconstitucional”, avisou Lucia Rincon, lembrando que garantir direito à vida do embrião em detrimento da vida da mulher fere direitos constitucionais à saúde, à liberdade, à igualdade e à não discriminação.

“Está ocorrendo uma verdadeira caça às bruxas no Congresso. É um retorno à Era Medieval, onde centenas foram queimadas e crucificadas. E, para pressionar lá dentro [Congresso Nacional], é preciso mobilizar aqui fora. O movimento, que sempre lutou pelo empoderamento da mulher e igualdade de gênero, deve ir às ruas, escolas, universidades para debater com a sociedade e denunciar os retrocessos que podem ocorrer”, completou Elza Campos, coordenadora nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM).

Tanto Elza, quanto Lúcia lembram que desde quando o PL surgiu, em 2007, as mulheres vem travando o debate, como o caso dos anencéfalos. No entanto, elas lembram que a pauta de gênero é pouco abordada pela mídia e, quando é, não são ouvidas as organizações feministas. “O movimento vem cumprindo seu papel de denunciar. Mas, falta visibilidade. As notícias da imprensa burguesa defendem a manutenção do patriarcado e dão espaço a grupos religiosos que defendem projetos como esse”, completou Lúcia Rincon.

O Estado é laico

As organizações de mulheres também denunciam que o PL fere o Estado Laico instituído no país. Para elas, está claro que o texto defende o que é pregado por doutrinas religiosas.

“Essa pauta conservadora é uma realidade do Congresso Nacional hoje. A aprovação é uma tentativa de setores religiosos de impedir o direito de cidadania das mulheres e até contraria pesquisas que mostram que a sociedade é majoritariamente favorável ao aborto legal, no caso de estupro principalmente”, afirmou Yury Puello Orozco, da equipe de coordenação da organização Católicas pelo Direito de Existir.

Ela lembrou, ainda, a condição da mulher vítima de estupro: “Para receber pensão essa mulher terá que dizer que sofreu um estupro, se submeter a um processo. Ou seja, ela será duplamente violentada: na vida e no papel. Além disso, de uma certa forma, você está remunerando o estuprador”.

Yury lembrou que existe uma onda conservadora no mundo, citando casos atuais como na Europa onde alguns direitos também vêm sendo questionados. Mas a militante ressalta que há focos de resistência, como em El Salvador, na América Central, onde ocorreu o recente caso da jovem Beatriz, de 22 anos, que estava grávida de um bebê anencéfalo e corria risco de morte por ser portadora de lúpus e de uma insuficiência renal grave. Lá, o aborto é proibido em todos os casos. Mas, após forte pressão do movimento feminista internacional, ela foi submetida a uma cesariana na segunda-feira (3) para a retirada do feto.

No entanto, Yury Puello lembrou que as religiões possuem diferentes correntes e que não são todas que possuem traços conservadores. “Dentro do catolicismo existem diferentes correntes. Tanto as organizações que são mais progressistas, quanto às que vão na linha do atual papa Francisco”, explicou. “Ora se ele se diz um papa que defende os pobres, gostaríamos de entender de quais pobres ele está falando, porque ao defender a vida desde sua concepção como tem feito, deixa de lado o direito das mulheres, que são, em sua maioria, pobres que não têm acesso à atenção básica de saúde e de prevenção”, posicionou-se a integrante das Católicas pelo Direito de Existir, referindo-se à feminização da pobreza.

Mobilização

O movimento de mulheres organiza para o sábado (15) atos em todo país contra o Estatuto do Nascituro. Entre as organizações que já confirmaram estão a Marcha Mundial de Mulheres e a Marcha das Vadias. “Precisamos de uma nova estratégia e uma presença forte para contrapor esse cenário conservador. Uma nova forma de linguagem vem somar às reivindicações históricas das mulheres”, opinou Yury sobre os movimentos mais contemporâneos como a Marcha das Vadias.

“Temos mais um espaço de denúncia contra o modelo cultural baseado no patriarcado e consequentemente no machismo", defendeu Elza Campos.

E a mobilização para impedir o avanço do PL parece já ter seus primeiros resultados. Uma petição na página Avaaz.org foi lançada no final de abril deste ano para mobilizar a sociedade contra a proposta do Estatuto do Nascituro. No dia 9 de maio, 4 mil pessoas haviam assinado. Na manhã desta quinta (6), depois da aprovação na Comissão da Câmara, haviam 27 mil adesões. Até o final desta matéria, o número chegou a 55.466.

Acesse a petição aqui .

Deborah Moreira
Da redação do Vermelho