Polícia aterroriza manifestantes e gera medo em paulistano

A polícia está sendo encarada de forma diferente. Essa é a primeira sensação do paulistano que saiu de casa na manhã desta sexta-feira (14), um dia após o quarto protesto contra o aumento da tarifa em São Paulo, que deixou um saldo de 235 detidos, mais de uma centena de feridos, muitos com gravidade. Além do medo, disseminado pela Tropa de Choque da Polícia Militar, comandada pelo governo tucano Geraldo Alckmin, a indignação está estampada nos rostos.

Por Deborah Moreira, do Portal Vermelho*


Foto: Ninja

Quem esteve nas imediações da Avenida Paulista na noite desta quinta (13), viveu momentos de pânico e terror. Além de disparar contra manifestantes, os policiais também miravam jornalistas presentes e transeuntes que se deslocavam pela região.

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Enquanto integrantes do protesto gritavam “sem violência”, bombas de efeito moral, balas de borracha e muito gás pimenta e lacrimogêneo eram lançados a todo instante contra os diversos grupos de manifestantes formados depois do ataque inicial da tropa de choque, na Rua da Consolação, na altura de uma rua que serviu de cenário a outro grande confronto envolvendo estudantes, em 1968: a Batalha da Maria Antônia.

Estudantes do ensino público e privado, secundaristas, universitários e pós-graduandos; professores e trabalhadores de diversas categorias formam a base social do movimento que reivindica redução da tarifa e uma política de transporte que priorize o coletivo. “Tem gente aqui da Zona Norte, Leste e Sul. Viemos pacificamente a partir da mobilização na internet e agora estamos nos escondendo da polícia. O que é que está acontecendo aqui?”, questionou uma jovem pós-graduanda em Cinema, que seguia com um grupo de seis pessoas pela Rua Frei Caneca, fugindo da ação policial.

Ao som de “não à violência”, entoado por uma multidão, a manifestação foi brutalmente reprimida pela polícia. Pessoas assustadas, correndo sem saber o porquê e nem para onde. Ao som de bombas, na rua Frei Caneca, travessa da Avenida Paulista, as lojas eram obrigadas a fechar suas portas rapidamente. Uma das cenas que presenciamos foi o desespero de um grupo que tentou se refugiar dos disparos e estilhaços em uma padaria. Enquanto tentava fechar rapidamente sua porta de aço, pessoas tentavam entrar se jogando no vão, entre o chão e a porta, que ia sendo abaixada para dar segurança aos que lá dentro conseguiram se abrigar.

Em nota, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) condenaram a agressão policial tida pelos estudantes como “injustificável”. “Essas movimentações em todo o Brasil são reflexos da precariedade e dos altos preços. Problemas que precisam ser tratados de forma democrática, com diálogo e não com repressão. Seguiremos na luta pela paz, contra o aumento da tarifa, pela qualidade no transporte público e um Estado de São Paulo verdadeiramente democrático”, diz um trecho do comunicado, também assinado pela União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP) e União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes).

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Depois de permanecerem concentrados por cerca de uma hora em frente ao Teatro Municipal, no Centro, desde as 17h, o grupo, que naquela altura já era uma multidão – cerca de 12 mil segundo o Movimento Passe Livre (MPL), que lidera os protestos –, seguiu em marcha até a Praça da República. Por volta das 18h30, a manifestação chegou à Rua da Consolação, na altura da igreja. Neste momento, havia alguns ônibus vazios nas redondezas. Naquela altura, ou as pessoas se somavam ao protesto, ou iam embora sabe-se lá como. Os metrôs da região estavam fechados.

Os manifestantes empunhavam cartazes contra o aumento, em favor do transporte público e de qualidade. Ao contrário do que alardeou alguns veículos de comunicação, o comércio local estava aberto e havia grandes filas para comprar água.

"Vem, vem, vem pra rua vem. Contra o aumento!" Era o grito mais entoado pelos manifestantes. A estudante Thaís foi para o protesto com dois amigos. "É a primeira manifestação dessas que eu participo. A mídia mostra uma coisa, mostra violência e eu vim ver como realmente é". Na visão da estudante, que afirmou não fazer parte de nenhum grupo partidário, "a questão é sistêmica”. “Não estou aqui contra o prefeito ou o governador. E também não estou aqui só pela passagem [do transporte coletivo]. Quero a melhoria do transporte como um todo", concluiu.

Chamou atenção um grupo de pessoas mais velhas. Com seus cabelos brancos, cantavam e protestavam. Indagada sobre o porquê estava ali, um mulher de cerca de 50 anos afirmou ser "contra o aumento e a favor da melhoria do transporte". Demonstrando consciência política, disse estar na marcha "em defesa dos trabalhadores” e ressaltou que seria importante que mais jovens se unissem à manifestação. “A mídia, em sua visão, faz de tudo para criminalizar o protesto. "Mas esta é uma questão que mobiliza tanto a juventude, estudantes, como os trabalhadores", declarou. Não foi possível nem ao menos perguntar seu nome, a entrevista foi interrompida coma bomba de efeito moral que ecoou atrás de nós. Tivemos que correr. Começava naquele instante a agressão policial que se seguiu durante cerca de seis horas.

Questionada, a polícia só repetia que não tinha nada a declarar. Já os manifestantes, bradavam: "sem violência". Em meio a multidão, bandeiras brancas tremulavam em vão. Mais e mais tiros foram ouvidos no centro do movimento, que começou a dispersar. Alguns jovens tentavam conter a correria gritando "calma, calma, não corram!".

A repórter Vanessa Silva, do Portal Vermelho, que acompanhou os primeiros momentos do conflito descreveu: “Mas, quando um grupo vem em sua direção correndo, a única coisa que me restou foi correr também para não ser pisoteada. De um lugar mais afastado, era possível ouvir as primeiras bombas de efeito moral e mais correria”.

Moara Crivelente, também jornalista do Vermelho, contou o que viu: "Os policiais cercaram os manifestantes de forma estratégica, atirando bombas de gás lacrimogêneo freneticamente, e não havia para onde ir, a não ser uma descida de terra que levaria para baixo do Elevado Presidente Costa e Silva (o 'Minhocão'). Os manifestantes pediam que não houvesse violência, apesar de alguns terem apanhado pedras para jogar contra os policiais, e outros ainda se ajoelharam diante da tropa, que continuou atirando os dispositivos inclusive em direção horizontal, contra as pessoas, o que pode até ser fatal."

Naquele momento, ainda era possível ver tentativas de militantes pedindo que os policiais ficassem ao lado do protesto, de forma pacífica: "Muitos estavam pedindo que a polícia ficasse do lado dos manifestantes, pedindo um protesto pacífico, e inclusive atuando de forma a organizar as pessoas para isso, e para não se machucarem na correria, quando as bombas de gás eram lançadas."

“A Paulista não era nosso objetivo”

Antes do confronto, integrantes do movimento negociavam com a polícia o trajeto a ser feito. Os manifestantes queriam encontrar uma forma de chegar ao Parque do Ibirapuera, destino final da marcha. Cogitou-se subir até a Avenida Paulista, por onde apenas passariam pela via. Mas a polícia tinha ordem expressa de impedi-los a qualquer momento. É o que contou ao Vermelho o integrante do MPL, Lucas Monteiro.

“A ideia não era ir para a Paulista. Queríamos ir para o Ibirapuera. Tentamos negociar o trajeto. Só fomos parar lá depois de sermos perseguidos e encurralados pela Tropa de Choque. Quando eles começaram a tentar sufocar a manifestação, na Consolação, corremos para a Rua Augusta, em grupos. Depois, conseguimos nos reagrupar e voltamos para a Consolação, onde fomos cercados pela tropa de choque pelos dois lados da avenida. Aí a coisa tomou a forma que tomou”, narrou Lucas Monteiro.

Ele contou ainda que não tem ideia de quantos exatamente foram feridos. De acordo com ele, 149 pessoas ligadas ao movimento foram detidas. “É muito difícil esse dado sobre os feridos, já que nem todos fazem boletim de ocorrência. Só na Matilha Cultural, que estava prestando primeiros-socorros, foram 50 pessoas atendidas”, contou Lucas, que foi ferido no pé por uma bomba de efeito moral.

A esquerda deve construir o diálogo

O prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) afirmou na manhã desta sexta (14), que a tarifa de ônibus não será reduzida. "Você acha que se eu pudesse não ter aumentado, eu teria aumentado? A prefeitura não tem fonte de financiamento para mais subsídio", justificou Haddad na manhã desta sexta (14) em coletiva de imprensa. Em entrevista à Rádio Estadão, o prefeito destacou que o compromisso do seu governo era o de realizar um aumento abaixo da inflação. "Isso nós cumprimos". De acordo com Haddad, a inflação acumulada desde o último reajuste das tarifas era de 16% e o aumento foi de 6%.

Haddad, que acompanhou toda a manifestação de seu gabinete, fez críticas à atuação da polícia. “Na terça, eu penso que a imagem que ficou foi a da violência dos manifestantes. Infelizmente, hoje (quinta,13 ), não resta dúvida de que a imagem que ficou foi a da violência policial”, disse à Folha de São Paulo.

Para o editor do Portal Vermelho, José Reinaldo Carvalho, é preciso reconhecer a legitimidade dos protestos e abrir diálogo: “No exercício do poder, a esquerda tem a obrigação política de contornar situações complexas como os acontecimentos de ontem [quinta] em São Paulo. Negar-se ao diálogo, deixar correr solto e assistir impassível a repressão policial contra manifestantes é erro político crasso”, enfatizou José Reinaldo nas redes sociais.

O vereador Orlando Silva (PCdoB-SP) esteve na região do conflito, por volta das 22 horas, para intervir contra a prisão da estudante Camilla Lima, presidenta da União da Juventude Socialista (UJS) de São Paulo, detida por portar tinta guache. “É a primeira vez que vejo uma pessoa ser presa por ter um adesivo no peito e tinta guache na sua bolsa. Isso revela a truculência da polícia. Hoje foi um momento triste para a cidade porque a polícia agiu com muita truculência, se excedeu na ação”.

Ele também defendeu o diálogo como solução. “É necessário que seja construído um canal de diálogo, conversei com o prefeito Fernando Haddad sobre isso, conversei com o presidente da OAB. O movimento erra ao não querer dialogar. É preciso dialogar para buscar uma saída para atender no que for possível as reivindicações dos movimentos”.

Vale lembrar que o MPL protocolou pedido de audiência com a prefeitura de São Paulo na terça-feira (11).

Para o vereador comunista, o tema do transporte e da mobilidade vem sendo pouco discutido e São Paulo deve aproveitar o momento para colocá-lo em pauta. “A redução da tarifa é um tema, mas também a ampliação da circulação de ônibus, ampliar as contas para estudantes, enfim, são Paulo deve aproveitar esse momento de crise para repensar seu sistema de transporte e garantir melhores condições para seu povo”.

Novos protestos

Os manifestantes não vão parar. Um novo protesto já foi marcado na rede social para a segunda-feira (17), a partir das 17 horas, no Largo da Batata, em Pinheiros, zona Oeste da cidade. Há rumores de que um grupo de manifestantes estejam planejando algo ainda para esta sexta. O que não foi confirmado pelo movimento.

*Colaboraram Érika Ceconi, Moara Crivelente e Vanessa Silva da redação do Vermelho