Repressão policial e a democracia que não queremos em São Paulo

As manifestações desta quinta-feira (13) em São Paulo revelaram para a sociedade brasileira a faceta da Polícia Militar que a periferia conhece bem: violência, truculência e repressão. Qualquer um dos 10 mil manifestantes que estiveram presentes no ato são testemunhas de partiram da polícia os atos que iniciaram a confusão. Os demais atos foram reação a uma ação orquestrada e treinada desde os tenebrosos tempos da ditadura militar.

Por Vanessa Silva

Parecia que estávamos revivendo aqueles tempos sombrios. A polícia agiu como em um Estado de Exceção. Éramos estudantes, trabalhadores, jovens, desempregados e indiscriminadamente, alvos de balas de borracha, gás lacrimogêneo e de pimenta, do medo. Bombas espalhavam o pânico pelas ruas do centro. A todo o momento, por qualquer rua em que se tentava andar, encontrávamos grupos correndo da polícia, que fecharam várias ruas de acesso à Paulista para evitar que os manifestantes chegassem até lá.

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Estava na Rua da Consolação quando a polícia iniciou a ofensiva. Até aquele momento o que se via era uma multidão pacífica, diversa, exercendo o pleno direito de sua liberdade de manifestação. Gritos de não à violência eram os mais comuns. Mas a resposta foi outra.

Hoje estamos todos indignados com a ação policial. Acontece que este comportamento não é novidade. É o padrão contra jovens, negros e pobres que vivem nas periferias bem longe do centro. Quantas e quantas vezes denunciam que a polícia atira primeiro e pergunta depois? Nossa indignação não pode ser só contra a ação no centro contra jovens de classe média, jornalistas… A PM é uma instituição falida. Criada no contexto da ditadura para reprimir e é isso que faz.

O grito eclodiu

São Paulo é uma cidade hostil: as pessoas demoram uma, duas, três horas por dia para ir e igual tempo para retornar para suas casas. Para chegar no centro, pego diariamente ônibus, trem e metrô e por isso engrosso o coro dos descontentes. A questão não é somente os R$ 0,20 do aumento. Olhando assim parece pouco. Mas não é.

Tropa de choque da policia militar dispara contra manifestantes mesmo sob gritos de não violência na Avenida Consolação. Foto: Ninja)

Todos os meios de transporte públicos na cidade são precários e de baixa qualidade. Os trabalhadores, que historicamente foram expulsos do centro, se deslocam por vários quilômetros, diariamente, enfrentando diversas violências cotidianas, pequenas, mas não por isso menos agressivas. São Paulo não é pensada para pessoas. O movimento Existe Amor em São Paulo reivindicava justamente isso no final do ano passado, durante a campanha eleitoral para a prefeitura. O movimento ampliou e segue na rua reivindicando legitimamente direitos, melhores condições. A maior cidade do país reage com bombas e tiros.

Este despertar, esta reivindicação pela redução do valor da tarifa, visto por muitos dentro da própria esquerda com desconfiança, é o estopim de demandas históricas do paulistano. O metrô tem poucas linhas em uma cidade que é gigantesca. Os vagões são superlotados, sem o mínimo de conforto. O trem, mantido pela CPTM, é lento, lotado e semanalmente tem panes deixando as pessoas que vivem na grande São Paulo muitas vezes sem alternativa para retornarem para suas casas. Os corredores de ônibus são insuficientes, os veículos superlotados e quem depende deste transporte passa horas e horas parado no trânsito caótico da maior cidade do país. Estas questões, somadas, resultam no que vemos hoje: inconformidade, revolta e desejo de mudar.

Policia Militar joga spray de pimenta em manifestantes e jornalistas afim de evitar a documentação da primeira prisão do dia. Esse é o quarto ato contra o aumento da tarifa do transporte em São Paulo. Foto: Ninja

Ao ver o movimento nas ruas, nós, que sofremos todo este tempo calados, tendo que engolir a revolta, sem ter por onde extravasar, que vimos, aumento após aumento o descaso das autoridades com a real situação da população: reagimos.

Não moro em São Paulo e na minha cidade, o valor do ônibus acompanha a capital. Em São Paulo, ainda tem o Bilhete Único que permite pegar vários veículos com uma só passagem. Em Franco da Rocha não. Pagamos R$ 3,20 para andar poucos quilômetros.

Com os protestos na capital, passamos a sentir a força e a possibilidade que temos de mudar. Assim se faz democracia. Assim se faz um país e um mundo melhor. Os governos devem ouvir a voz que vem das ruas. Quanto maior for a repressão, mais força teremos para lutar. Perguntaram-me se é o início de uma “Primavera Brasileira”. A verdade é que estamos no outono. Mas uma coisa é certa. Em meus 27 anos nunca vi nada semelhante em São Paulo. E não será fácil reprimir este povo. Não ficaremos mais passivos.