Alguns cenários possíveis para as manifestações da juventude

As manifestações de jovens ocupando espontaneamente as ruas das principais capitais do país talvez seja o mais relevante e inexplicado fenômeno social dos últimos anos. Muitos ainda estão perplexos sem saber como explicar suas origens. Outros começam a apontar algumas pistas sobre suas raízes. Poucos parecem ser os que estão preocupados com o local do deságue. Incluo-me entre os poucos…

Por Theófilo Rodrigues*

Saber a priori onde um movimento espontaneísta pode parar é habilidade apenas para os manipuladores das forças ocultas. Infelizmente, as ciências sociais ainda não incluíram tais disciplinas em suas grades curriculares. Contudo, podemos tentar seguir um outro caminho menos prognóstico e mais perspético para intuitivamente imaginarmos mundos possíveis. Assim, num primeiro momento poderíamos vislumbrar 4 cenários possíveis:

1 – O prefeito voltar atrás no aumento das passagens nos ônibus e as manifestações esmorecerem, perderem força após a vitória conquistada;

2 – O prefeito voltar atrás no aumento das passagens nos ônibus e as manifestações empolgadas com a vitória ganharem força para se manter nas ruas em busca de novos direitos;

3 – O prefeito não voltar atrás no aumento e as manifestações se enfraquecerem, se desgastarem com o tempo;

4 – O prefeito não voltar atrás no aumento e as manifestações ganharem cada vez mais corpo nas ruas, com maior radicalização.

Por óbvio, a simpatia maior de quem possui um olhar jovial por sobre as manifestações é pelo segundo cenário. Ignoro aqui os cenários 1 e 3, pois caso realizem-se, transformarão o fenômeno dos últimos dias em objeto de laboratório a ser estudado sem maiores urgências. No entanto, a maior preocupação do momento não é com um objeto do passado que precisa ser melhor compreendido, mas sim em saber quais os riscos das possíveis aventuras que estão sendo preparadas agora, no calor do fogo.

Imaginando a possibilidade dos cenários 2 ou 4, surgem novas perguntas, abrem-se portas para novos caminhos. Como a principal característica do movimento que hoje ocupa as ruas das principais capitais do país é o seu espontaneísmo, torna-se impossível dizer com absoluta convicção quais serão suas novas reivindicações. No Rio de Janeiro, por exemplo, pode-se ouvir palavras de ordem como “Fora Cabral”, “Fora Paes”, “Fora Partidos” e “Fora Dilma”. Todavia, bandeiras propositivas também surgem, como “queremos saúde, educação e passe livre”.

Assim, com o crescimento dos movimentos nas ruas três caminhos parecem ser possíveis de serem vislumbrados:

1 – O movimento caminhar apenas para uma politização de cunho eleitoral, apresentando revés para prefeitos, governadores e mesmo para a presidenta da república;

2 – O movimento caminhar para uma politização em torno dos direitos sociais e humanos, buscando vitórias concretas para a qualidade de vida;

3 – O movimento caminhar para uma politização (ou despolitização?) em torno do próprio conteúdo da democracia representativa, apresentando seu descrédito com os partidos políticos.

Ressalte-se aqui que os caminhos não são necessariamente puros e isolados, podendo se mesclarem. Também se faz necessário afirmar que todos os três caminhos são legítimos dentro de uma democracia, embora alguns possam apresentar mais problemas que outros.

O caminho 1, por exemplo, é o que há de mais tradicional na disputa política. Passeatas pedindo a saída de governantes são habituais instrumentos de conflito legal. Entretanto, tal caminho corre o risco de enfraquecer o movimento, na medida em que seu caráter estritamente partidário não permita uma aglutinação de forças. Em outras palavras, se o movimento pede “Fora Dilma”, grande parte dos manifestantes deixarão de ir para as ruas. O mesmo vale para prefeitos e governadores. Ou seja, o caráter negativo do caminho 1 está na sua impossibilidade intrínseca de agregar amplas forças em sua volta. A consequência do caminho 1 é o seu enfraquecimento.

O caminho 2 é o que trata da politização temática. Tal politização não ataca governantes diretamente, mas sim suas ideias. A redução da passagem é uma vitória a ser conquistada, mas outras podem surgir no portfólio das demandas, como mais investimentos em saúde, educação ou mesmo reformas institucionais como as apresentadas pelos abaixo-assinados da reforma política ou da democratização da comunicação. Encontrar e sustentar bandeiras que sejam universais talvez seja o caminho mais plausível para a manutenção e crescimento do movimento nas ruas, além de possibilitar efetivamente vitórias que empolguem os jovens.

A mais perigosa das aventuras é a apresentada pelo caminho 3. Diz um velho professor que a mediocridade – entendida como média das opiniões – é a melhor característica de um parlamento. Afinal de contas, se de um lado tivermos alguém achando que o parlamento é plenamente satisfatório para suas demandas, teremos de outro alguém que está completamente insatisfeito. Assim, a média seria um bom local para a democracia. Claro, exagero no exemplo para realçar o argumento. Não discordo que a democracia representativa possua problemas de assimetria, sendo o principal deles o financiamento privado das campanhas. Contudo, a solução jamais poderá passar pelo fim dos partidos políticos, sob o risco de voltarmos atrás em tempos que ainda estão marcados tristemente na memória do país. O movimento será o mais rico possível na exata medida em que mantiver sua pluralidade aceitando todos, dos partidários aos apartidários.

Enfim, o argumento que sustento é o de que a força do movimento é inversamente proporcional à sua especificidade. Enquanto as bandeiras possuírem um caráter universal, em busca de direitos sociais, políticos e econômicos – em outras palavras, direitos humanos – o movimento terá a capacidade de aglutinar amplos setores. Por outro lado, sua partidarização ou especificidade temática terá como fim seu enfraquecimento. De qualquer modo, o maior risco no momento será sua apropriação indevida por parte daqueles que visam deslegitimar os principais instrumentos de uma democracia, quais sejam, os partidos políticos.

*Theófilo Rodrigues, Mestre em Ciência Política (UFF), Doutorando em Ciências Sociais (PUC-Rio) e membro da ANPG no Rio.