Igrejas latino-americanas aprovam carta sobre direitos sexuais

Na semana em que o movimento dos direitos humanos no Brasil, incluindo mulheres, LGBTT, etc, assistem incrédulos as decisões governamentais retrógradas e violadoras de direitos, o Conselho Latino-americano de Igrejas (Clai) divulga um documento resultante da sua 6ª Assembleia, realizada no final do mês de maio, que é decididamente favorável aos direitos sexuais e direitos reprodutivos.

O posicionamento vai na contramão da atuação de religiosos fundamentalistas que tentam impedir avanços nos direitos humanos no Brasil.

Um dos trechos do documento final, em que o CLAI afirma se sentir na obrigação de agir dentro desta perspectiva, está o seguinte ponto: Trabalhar na incidência de políticas públicas e programas encaminhados a promover os direitos humanos e a erradicação de toda forma de discriminação, em particular contra as mulheres, idosos, meio ambiente, populações indígenas e afro-descendentes, pessoas imigrantes, pessoas Lesbianas, Gays, Transexuais, Bissexuais e Inter-sexuais (LGBTT) e pessoas com deficiência.

Enquanto o governo brasileiro apresenta sinais de inabilidade e de incompreensão do exercício da política pelos direitos para todos e todas, enquanto grupos religiosos fundamentalistas tentam retrodecer e barrar avanços nos direitos humanos, é muito importante a manifestação deste Conselho e de outros grupos religiosos responsáveis e comprometidos de fato com a vida das pessoas.

Católicas apóia integralmente o posicionamento do CLAI.

Abaixo, o Documento do Conselho Latino-Americano de Igrejas pelos direitos sexuais e direitos reprodutivos, após consulta continental divulgou documento final em português e espanhol.

Consulta Continental: "As igrejas e os direitos sexuais e reprodutivos"

VI Assembleia geral do Conselho Latino-americano de igrejas

“Afirmando um ecumenismo de gestos concretos”

Consenso de Havana

Nós, representantes de Igrejas e organismos ecumênicos, membros, plenos, fraternos e associados que compõem o Conselho Latino-Americano de Igrejas e convidados especiais, instituições cooperantes, Centros de Educação Teológica, e outros organismos ecumênicos que participamos da Consulta Continental “As Igrejas e os Direitos Sexuais e Reprodutivos”, na cidade de Havana – Cuba nos dias 21 e 22 de maio do ano de 2013, por ocasião da VI Assembléia Geral da CLAI manifestamos que:

– Representamos a diversidade de nosso continente que inclui homens e mulheres, jovens, indígenas e afro-descendentes, diferentes setores e gerações da cidadania, e formamos parte da sociedade civil organizada nos países de nossa região;

– Temos, no marco de uma fé comprometida, um papel de agentes geradores de mudança no âmbito comunitário, nacional, regional e global, salvaguardando a dignidade e os direitos humanos de todas as pessoas; procuramos incidir política e teologicamente a partir de nossas ações na melhoria de sua qualidade de vida.

– Durante o ano de 2012 participamos de vinte consultas nacionais e quatro consultas sub-regionais, das quais fizeram parte líderes de diferentes instancias e organizações eclesiásticas e não eclesiásticas da sociedade civil dos respectivos Estados e das Nações Unidas. As consultas propiciaram um riquíssimo espaço de reflexão e análise de uma perspectiva bíblico-teológica, de saúde pública e antropológica, sobre os direitos sexuais e reprodutivos contidos nos temas da Agenda do Cairo; bem como temas de discriminação e racismo, pobreza, educação, movimentos sociais e proteção do meio ambiente.

– Este processo implicou intensas análises e debates que se plasmaram em una série de pronunciamentos, desafios e propostas concretas de ação no sentido de promover o exercício pleno dos direitos humanos e uma cultura de paz e justiça. Com isto, consideramos que estamos caminhando em plena consonância com a vontade divina que busca uma vida digna e abundante para todas as suas filhas e filhos. De fato, cada ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus (Gênesis; 1:26) e chamado a uma vida plena, digna e abundante, sobretudo para as populações em situação de vulnerabilidade e exclusão.

– O tratamento das temáticas de Saúde Sexual e Reprodutiva devem ser assumidos no marco dos direitos humanos e estar garantidos pelos Estados, sejam confessionais ou laicos. A prevenção da violência de gênero e da violência sexual, a maternidade, a educação da sexualidade, a prevenção e a atenção às pessoas que vivem com HIV-Aids, o respeito do corpo e o planejamento familiar são necessários e pertinentes para uma verdadeira transformação de nossas sociedades.

– Depois de um intenso trabalho de pesquisa, hoje contamos com instrumentos que facilitam esse processo, resumidos no Guia de Capacitação “As Igrejas e os Direitos Sexuais e Reprodutivos”, para Comunidades de Fé, Organizações Ecumênicas e Redes de Organizações da Sociedade Civil.

Neste contexto denunciamos que:

– Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, esta é a região mais desigual do mundo, contando com mais de 167 milhões de pessoas vivendo na pobreza e em torno de 66 milhões vivendo em extrema pobreza, o que significa que aproximadamente um de cada três latino-americanos é pobre e um de cada oito se encontra em pobreza extrema. (Panorama Social 2012, CEPA). Isso é um pecado imperdoável.

– A América Latina e o Caribe com 148 milhões de jovens entre 15 e 29 anos de idade têm o maior número de jovens na história da região. Esse fato apresenta desafios imediatos e exige respostas urgentes já que, atualmente, um de cada doze jovens entre 15 e 24 anos de idade não concluiu o ensino primário e carece de capacidades para encontrar trabalho; e cerca de um terço dos e das jovens vivem na pobreza.

– A mortalidade materna continua sendo um tema de alta preocupação na região, apesar de ter experimentado uma redução (a taxa média é de 85 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos). A disparidade entre países é muito alarmante. O Uruguai reportou em 2012 uma taxa de mortalidade materna de 29 mortes por 100.000 nascidos vivos e a Guatemala uma taxa de 120 por 100.000 nascidos vivos. Em contraste, o Haiti apresenta as taxas mais elevadas de região com 350 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos. Em torno de 95% da mortalidade materna registrada na América Latina e no Caribe pode ser evitada. (Fontes: By Choice not by Chance, State of world Population 2012; Health Situation in the Americas , Basic Indictors 2012, PAHO and Trends in Maternal Mortality 1990 to 2010, WHO/ UNICEF/ UNFPA/WB).

– A violência sexual contra meninas e adolescentes é perpetrada em sua maioria por parentes: pais, tios ou amigos próximos, homens que deveriam dar a elas amor e proteção. A gravidez na adolescência na região tem a segunda taxa mais alta do mundo – depois da África – e se estima que 38% das mulheres grávidas tenham menos de 20 anos (Únete por la Niñez, UNICEF, 2011. A violência contra as mulheres na região é escandalosa e se manifesta também quando não há autonomia para decidir sobre sua sexualidade. As mulheres têm experimentado violência física e sexual por parte de seus maridos ou companheiros; os feminicídios crescem a um ritmo maior que os homicídios e a maioria ocorre no âmbito doméstico. (Fontes: Bott S, Guedes, A, Goodwin M, Mendoza JA (2012) Violence against Women in Latin America and Caribbean: A comparative analysis of population based data from 12 countries. Washington DC: Pan American Health Organization)

– Na América Latina existem entre 600 e 800 mil pessoas, entre população infantil, juvenil e mulheres dos países da região que são vítimas de tráfico com fins de exploração sexual e outros. (Relatório da Coalizão contra o tráfico de mulheres e meninas, 2008). A migração internacional e os deslocamentos internos se incrementaram, e seguem paralelamente a um clima desfavorável e xenófobo; por isso, um dos maiores desafios é a necessidade de proteger os direitos dos imigrantes, particularmente das mulheres, jovens e meninas.

– O panorama atual no que se refere à pandemia do HIV e da AIDS esconde profundas desigualdades e iniquidades no interior de cada país e entre os países.

– O protagonismo dos povos indígenas e das populações afro-descendentes revela as marcadas iniquidades em termos de acesso a oportunidades, exercício de direitos e reconhecimento político e cultural, bem como todo tipo de estigma e discriminação.

– Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, entre 10 e 15 por cento da população da América Latina e do Caribe tem algum grau de incapacidade, o que equivale a 85 milhões de pessoas. Frequentemente se escutam histórias de esterilização, aborto e outras privativas da liberdade de opção para essas populações.

Diante desses pecados estruturais que, como Igrejas e instituições presentes nesta Consulta Continental, nos doem, lastimam e nos interpelam a agir

– Em todos os âmbitos da educação e da formação de lideranças de nossas igrejas, levaremos uma proposta concreta de ação sobre os direitos e a Saúde Sexual e Reprodutiva em uma perspectiva de respeito, especialmente pelas pessoas mais excluídas, assegurando que: As crianças não morram com poucos dias e (…) as mulheres não dêem à luz para maldição… (Isaías, 65:20-23). Ao mesmo tempo, exortamos a outras expressões de fé a se unirem a estes processos de diálogo e formação sobre os direitos humanos e em particular os direitos sexuais e reprodutivos.

– Continuaremos trabalhando na promoção e defesa dos direitos humanos e particularmente dos direitos sexuais e reprodutivos em uma perspectiva teológica, pastoral e social, nas igrejas, organizações ecumênicas e Organizações da Sociedade Civil da América Latina e do Caribe.

– Seremos comunidades inclusivas que acompanhem pastoralmente as pessoas que sofrem e são feridas pela violência, pela intolerância e pela falta de justiça, recebendo-nos uns aos outros, como Cristo também nos recebeu (Romanos 15:7).

– Difundir e implementar em nossas igrejas e suas comunidades os temas dos direitos Sexuais e Reprodutivos contidos na Agenda do Cairo, encaminhados a educar e informar, bem como incidir, a partir de nossa voz profética, para que mediante políticas públicas se contribua ao acesso universal à Saúde Sexual e Reprodutiva.

– Garantir o protagonismo das e dos jovens como líderes em nossas comunidades de fé, estando à vanguarda do desenvolvimento, apoiando políticas públicas e promovendo seus direitos e necessidades em todas as esferas da vida, incluída a Saúde Sexual e Reprodutiva, a diversidade sexual, a afetividade e a educação da sexualidade e acesso a serviços apropriados de saúde.

– Fomentar nas igrejas, famílias e na sociedade em geral a construção de ambientes e espaços formativos sobre as novas masculinidades e de respeito para com as mulheres e jovens, para diminuir o impacto que tem sobre elas a violência generalizada, a violência baseada em gênero e a violência sexual.

– Trabalhar na incidência de políticas públicas e programas encaminhados a promover os direitos humanos e a erradicação de toda forma de discriminação, em particular contra as mulheres, idosos, meio ambiente, populações indígenas e afro-descendentes, pessoas imigrantes, pessoas Lesbianas, Gays, Transexuais, Bissexuais e Inter-sexuais (LGTBI) e pessoas com deficiência.

“Contribuir para um mundo onde cada gravidez seja desejada… cada parto seja sem riscos… e cada pessoa alcance seu pleno desenvolvimento”.

Submetido e pactuado na cidade de Havana no marco da Consulta Continental “As Igrejas e os Direitos Sexuais e Reprodutivos”, aos 22 dias do mês de maio de 2013.

Fonte: Católicas pelo Direito de Decidir