Homicídios de jovens crescem 326%; negros são as maiores vítimas

A violência contra os jovens brasileiros aumentou nas últimas três décadas de acordo com o Mapa da Violência 2013: Homicídio e Juventude no Brasil, publicado nesta quinta (18) pelo Centro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), com dados do Subsistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

Entre 1980 e 2011, as mortes não naturais e violentas de jovens – como acidentes, homicídio ou suicídio – cresceram 207,9%. Se forem considerados só os homicídios, o aumento chega a 326,1%. Do total de 46.920 mortes na faixa etária de 14 a 25 anos, em 2011, 63,4% tiveram causas violentas (acidentes de trânsito, homicídio ou suicídio). Na década de 1980, o percentual era 30,2%.

“Hoje, com grande pesar, vemos que os motivos ainda existem e subsistem, apesar de reconhecer os avanços realizados em diversas áreas. Contudo, são avanços ainda insuficientes diante da magnitude do problema”, conclui o estudo.

O homicídio é a principal causa de mortes não naturais e violentas entre os jovens. A cada 100 mil jovens, 53,4 assassinados, em 2011. Os crimes foram praticados contra pessoas entre 14 e 25 anos. Os acidentes com algum tipo de meio de transporte, como carros ou motos, foram responsáveis por 27,7 mortes no mesmo ano.

Segundo o mapa, o aumento da violência entre pessoas dessa faixa etária demonstra a omissão da sociedade e do Poder Público em relação aos jovens, especialmente os que moram nos chamados polos de concentração de mortes, no interior de estados mais desenvolvidos; em zonas periféricas, de fronteira e de turismo predatório; em áreas com domínio territorial de quadrilhas, milícias ou de tráfico de drogas; e no arco do desmatamento na Amazônia que envolve os estados do Acre, Amazonas, de Rondônia, Mato Grosso, do Pará, Tocantins e Maranhão.

De acordo com o estudo, a partir “do esquecimento e da omissão passa-se, de forma fácil, à condenação” o que representa “só um pequeno passo para a repressão e punição”. O autor do mapa, Julio Jacobo Waiselfisz, explicou à Agência Brasil que a transição da década de 1980 para a de 1990 causou mudanças no modelo de crescimento nacional, com uma descentralização econômica que não foi acompanhada pelo aparato estatal, especialmente o de segurança pública. O deslocamento dos interesses econômicos das grandes cidades para outros centros gerou a interiorização e a periferização da violência, áreas não preparadas para lidar com os problemas.

“O malandro não é otário, não vai atacar um banco bem protegido, no centro da cidade. Ele vai onde a segurança está atrasada e deficiente, gerando um novo desenho da violência. Não foi uma migração meramente física, mas de estruturas”, destacou Waiselfisz.

Nos estados e capitais em que eram registrados os índices mais altos de homicídios, como em São Paulo e no Rio de Janeiro, houve redução significativa de casos, devido aos investimentos na área. São Paulo, atualmente, é o estado com a maior queda nos índices de homicídios de jovens nos últimos 15 anos (-86,3%). A Região Sudeste é a que tem o menor percentual de morte de jovens por causas não naturais e violentas (57%).

Em contraponto, Natal (RN), considerado um novo polo de violência, é a capital que registrou o maior crescimento de homicídios de pessoas entre 15 e 24 anos – 267,3%. A região com os piores índices é a Centro-Oeste, com 69,8% das pessoas nessa faixa etária mortas por homicídio.

Brasil

O Brasil é o sétimo colocado no mundo em casos de homicídios. A cada 100 mil habitantes, 27,4 são vítimas de crimes. No caso de jovens entre 14 e 25 anos, o número aumenta para 54,8.

El Salvador lidera o ranking de índices de homicídios seguido de Ilhas Virgens, de Trinidad e Tobago, da Venezuela, da Colômbia, da Guatemala, do Brasil, do Panamá, de Porto Rico e das Bahamas.

Segundo o estudo, esses índices são explicados pela incidência de problemas estruturais de origem política, econômica e social, como desigualdade e falta de acesso a serviços básicos combinados ou não a conflitos armados, como os que acontecem na Guatemala, em El Salvador e na Venezuela. No caso dos homicídios de jovens, o Brasil tem taxa mais de 500 vezes maior do que a de Hong Kong, 273 vezes maior do que a da Inglaterra e do Japão e 137 vezes maior do que a da Alemanha e da Áustria.

Na década de 1990, o Brasil chegou a ocupar a segunda colocação nesse ranking da OMS, liderado então pela Venezuela. A queda brasileira na lista dos países com as maiores incidências desse tipo de crime não significa que a violência foi reduzida, mas que houve aumento em outros lugares no mundo.

O autor do Mapa explicou que a violência tem causas e consequências múltiplas. No caso brasileiro, três fatores determinantes. Em primeiro lugar, a cultura da violência. Segundo ele, no país – e também na América Latina -, existe o costume de se solucionar conflitos com morte, parte disso herança de raízes escravagistas no continente.

Pesquisa feita pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), com dados entre 2011 e 2012, para fundamentar a Campanha Conte até 10: a Raiva Passa, a Vida Fica, grande parte dos homicídios no Brasil é cometida por motivos banais e por impulso.

Em segundo lugar, Julio Jacobo apontou a circulação de armas de fogo. Estima-se que, no país, haja cerca de 15 milhões de armas das quais, a metade, portada de forma ilegal. “Uma pesquisa feita em escolas mostrou que muitos jovens sabem exatamente onde e como comprar uma arma. Juntar uma arma à cultura de violência é uma mistura explosiva, são incompatíveis entre si”.

Outro ponto frisado pelo autor do mapa é a impunidade. Para ele, isso funciona como um estímulo à resolução de conflitos por meio de vias violentas. De acordo com o Relatório Nacional da Execução da Meta 2 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério da Justiça, foram identificados quase 150 mil inquéritos por homicídios dolosos – com a intenção de matar – anteriores a 2007.

Depois de um mutirão de um ano, foram encaminhados à Justiça apenas 6,1% dos casos. A estimativa é que 4% dos homicidas cumpram pena em regime fechado. “É esse elevado nível de impunidade que reforça a cultura da violência e os enormes números de homicídios”, explicou o autor do estudo.

Jovens negros

A tendência de se culpar as vítimas de homicídio no Brasil é um dos grandes entraves ao combate à violência e à redução de casos que envolvem jovens braseileiros, informou ainda o autor do Mapa. Para ele, essa inversão de mentalidade entre quem é vítima e quem é culpado gera a escassez de recursos e de medidas com o objetivo de efetivamente solucionar casos relacionados a essas pessoas, na maior parte negras.

“Há um mecanismo perverso que incentiva a tolerância à violência contra os grupos mais vulneráveis, que deveriam ter proteção do Estado: tornar a vítima culpada. Isso ocorre com mulheres, crianças e jovens marginalizados qualificados como traficantes, drogados e arruaceiros. Mas isso vale de uma forma geral”, explicou o autor.

No Mapa da Violência 2013, observa-se a tendência de redução, em números absolutos, dos casos de homicídios de pessoas brancas, e o aumento de vítimas negras. Essa dinâmica se observa em relação à população em geral e entre os jovens.

Dos 467,7 mil homicídios contabilizados entre 2002 e 2010, 307, 6 mil (65,8%) foram de negros. Nesse período, houve decréscimo de 26,4% nos casos de homicídios de brancos e acréscimo de 30,6% dos de negros. Nesses mesmos oito anos, foram mais de 231 mil homicídios de jovens, dos quais 122,5 mil eram negros (53,1%). O decréscimo dos casos de pessoas brancas alcançou 39,8% no período, enquanto, entre negros, houve acréscimo de 18,4%.

As informações do estudo confirmam dados do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), de que a população branca tem, em média, rendimentos entre 60% e 70% superiores aos da população negra e sugerem que essa realidade tem relação direta com o atual perfil da violência no Brasil.

De acordo com Julio Jacobo, um processo de privatização da segurança teve inicio no Brasil nos últimos 20 anos, com a terceirização de serviços e o surgimento de empresas especializadas, assim como já ocorria com outros tipos de serviços públicos, dos quais se destacam a saúde, a educação e a cobertura previdenciária.

“O Estado fornece um nível de serviço para toda a população. Às vezes, esse patamar é tão mínimo que não se oferece praticamente nada. Aí a lógica que prevalece é a de que quem pode, paga a diferença”, disse, ao explicar o porquê de o nível de segurança ser mais elevado em áreas com população de renda mais alta e majoritariamente branca.

A partir daí ainda ocorre outro paradoxo. Em áreas em que há mais circulação de renda e, consequentemente, interesses econômicos, há a tendência de se chamar mais atenção quando ocorrem atos de violência – tanto em relação à mídia, quanto em relação à pressão exercida sobre o Poder Público. Daí, a segurança pública atua de forma mais incisiva nesses locais, pois, devido à própria renda das pessoas, elas podem arcar com os custos de uma segurança privada.

“Segurança pública também é política, o que reforça que haja mais atuação em bairros abastados e turísticos, por exemplo, do que em favelas. Assim, os abastados têm as duas – segurança pública e privada -, e as favelas, nenhuma”, explicou Waiselfisz.

A conclusão do estudo é a de que a violência na sociedade brasileira, especialmente entre os jovens, é o resultado de um modelo político, econômico e social. “Essas pessoas [jovens entre 15 e 24 anos] são os algozes, mas também as vítimas da violência estrutural da nossa sociedade”, finalizou o autor.

Fonte: Agência Brasil