Articulação da esquerda aumenta expectativas de vitória no Chile

De acordo com uma pesquisa desta semana, a ex-presidenta chilena Michelle Bachelet ganharia as eleições presidenciais de novembro com 51% dos votos. Michelle concorrerá pela coalizão Nueva Mayoría (antiga Concertación) e venceu as primárias com mais de 70% dos votos. Segundo analistas, a maior capacidade de coesão da esquerda tem garantido expectativas tanto de vitória quanto de cumprimento do programa, e a recente renúncia do candidato Pablo Longueira trouxe desestruturação à direita.

Bachelet - Scott Eells/ Bloomberg

A ex-presidenta do Chile, além do respaldo de seus correligionários do Partido Socialista, recebeu o apoio dos partidos pela Democracia, Comunista, Esquerda Cristã e do Movimento Amplo Social. (O pacto Nueva Mayoria é integrado pelos partidos Socialista, pela Democracia, Comunista, Esquerda Cidadã, Democrata Cristão e Radical Social Democrata).

Na aliança governamental direitista, durante as primárias, o ex-ministro de Economia Pablo Longueira, da União Democrata Independente (UDI), derrotou o candidato da Renovação Nacional, o ex-titular de Defesa Andrés Allamand, por 51,3% frente a 48,65% dos votos. Entretanto, anunciou a sua renúncia na semana passada, o que provoca redefinição da estratégia direitista.

À divulgação dos resultados das primárias, Claudio Orrego, da Democracia Cristã, que perdeu em votos para Michelle, reconheceu que a conclusão era a de que o país demanda profundas mudanças sociais, e ofereceu o seu apoio e o do seu partido à candidatura da ex-presidenta. Na opinião do político democrata-cristão, os votos ganhos pela oposição em geral demonstraram o desejo maioritário de que a direita saia do poder.

Entre as propostas mais atrativas de Michelle está a reforma tributária, que inclui o aumento dos impostos para as grandes empresas. Em junho, quando apresentou o plano, a candidata ressaltou os objetivos de aumentar a carga tributária para financiar os gastos permanentes da reforma na educação, beneficiar outras políticas em matéria de proteção social e de impulso às pequenas e médias empresas e financiar o déficit estrutural nas contas fiscais que herdaria do atual governo.

“É difícil imaginar oposição a esta reforma tributária, cujo objetivo é financiar a grande reforma educacional de que o Chile precisa”, realçou a candidata, que também defende o fim do lucro no setor, bandeira pela qual os movimentos estudantis do país têm protestado mais intensamente há meses, por uma educação gratuita, universal e de qualidade.

“Não podemos continuar fazendo ajustes ou reformas pequenas como fizeram antes; se queremos um Chile de verdade inclusivo, agora é o momento de mudanças estruturais”, expressou Michelle nos primeiros momentos do lançamento da sua candidatura.

Reversão da investida neoliberal

O atual governo do presidente Sebastián Piñera tem sido classificado como um dos maiores defensores do sistema neoliberal (principalmente do livre-comércio e das privatizações) na América Latina atual, já marcada pelas consequências de uma onda disseminada no mesmo sentido no fim da década de 1980 e na de 1990.

Piñera teve um papel destacado no impulso à Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México, Peru e agora Costa Rica), que reúne governos próximos aos Estados Unidos e tenta suprir a falência do plano de implementação da Área de Livre Comércio para as Américas (Alca), fruto das políticas neoliberais expansionistas dos estadunidenses, mas rechaçada por nascentes governos progressistas.

Além disso, a manipulação de estatísticas sobre o crescimento do Chile, do número de pessoas saídas da pobreza e do desempenho geral da economia chilena foi contestada pela oposição, e taxas consideradas bastante positivas pelos próprios Estados Unidos revelaram-se nem tão fidedignas assim, num país em que proliferaram as greves estudantis e mineiras, assim como greves como a promovida pela Central Única dos Trabalhadores do Chile (CUT).

A última greve da CUT foi realizada na semana passada, com a demanda por uma nova institucionalidade trabalhista, para os trabalhadores do setor público e privado, com direito a negociação coletiva real, direito a greve e outras medidas que reduzam a grande desigualdade existente no país, através de grandes reformas em matéria social, que melhorem a educação, a saúde e em geral fomentem uma vida de trabalho digna.

De acordo com o jornalista Hedelberto Blanch, “as gestões de Piñera para impulsionar acordos neoliberais não ficaram apenas no salão Oval da Casa Branca, mas se expandiram com visitas à diretora do Fundo Monetário Internacional Christine Lagarde, ao presidente do Banco Mundial Jim Yong Kim e ao chefe do Departamento de Estado estadunidense, John Kerry”.

Propostas irreversíveis

Neste sentido, a candidata socialista assumiu discursos incisivos com a inclusão de demandas sociais crescentes nos últimos anos, como a educação gratuita e pública e uma assembleia constituinte, que substitua a atual Constituição, imposta em 1980 pela ditadura de Augusto Pinochet.

Bachelet afirma que “o Chile precisa de uma nova Constituição, nascida em tempos de democracia, porque é impossível realizar as grandes transformações de que o país precisa sob as regras impostas pelos que governaram com as armas e impuseram, através dessas leis, as barreiras para impedir esses avanços”.

Entretanto, o atual ministro da Fazenda, Felipe Larraín, mostrou-se mais preocupado com os “efeitos internacionais” das promessas anunciadas, temendo o “afugentamento” dos investidores “que começam a olhar o Chile como um país instável". Por isso, o comando de campanha da ex-presidente divulgou nota oficial acusando Larraín de falta de seriedade.

Já o presidente do Partido Comunista, Guillermo Tellier, ao afirmar o apoio à candidata socialista, disse que Michelle “manifestou um interesse em gerar uma mudança na Constituição” e que, além disso, dentro das mudanças constitucionais, manifestou suas intenções de mudar o sistema de eleição de representantes (chamado binominal) e promover a reforma na educação.

A ex-dirigente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile, Camila Vallejo, que ficou conhecida internacionalmente por sua liderança nas manifestações crescentes pela educação, é candidata a deputada pelo Partido Comunista, e assegurou que as ideias mais fortes de Michelle, as mesmas que sustentaram o voto popular nas recentes eleições primárias, não têm volta atrás.

Com agências,
Moara Crivelente, da redação do Vermelho