Zé Reinaldo: À gentil cidade de Lauro de Freitas

Ao te homenagear, em tua magna data, peço também desculpas, porque no tempo que meus pés tiveram a honra de pela primeira vez pisar teu solo sagrado, eu não te conhecia a independência. Para mim eras, princesa do litoral, o Norte de Salvador, meu berço e morada.Te considerava uma extensão da minha “Soterópolis”. Arembepe também era isto. Pensar em fronteira pra quê? Crianças, adolescentes e jovens só conhecem o infinito

Te conto em segredo: nem sabia que existias. Para mim, só havia Portão, Buraquinho, Vilas e Ipitanga, a eterna.

Posso compensar a heresia se um dia me deres a chance de contar os “causos” que vivi na clandestinidade no teu belo território. Algo tens a ver com a Guerrilha do Araguaia, a Revolução que ainda não fizemos e a construção de um Partido Comunista militante. Coisas dos anos 1970, quando eu estava na infância do comunismo, sem que disso tenha me arrependido jamais. Um dia, se “carimbarem meu passaporte”, ainda paro por aí e conto. Claro, se ainda houver audiência para “causos” como esse.

Naquele tempo, querida Lauro, Portão era reduto militante, Buraquinho o oásis, remanso da alma, Ipitanga, sonho, ainda hoje sonho, por isso tem o título de eterna.

Naquele tempo, o Joanes banhava generosamente as suas largas ancas e abastecia a sede dos soteropolitanos. Hoje, coitado, há um Joanes esquálido, deteriorado pela irracional (in) civilização urbana.

Vais me perdoar se até bem pouco tempo te achava uma extensão de Itapuã? Não leves a mal, tua quentura e umidade nunca me deixaram raciocinar.

Até hoje, quando desembarco no 2 de Julho, de nome usurpado por um ditadorzinho que já se foi, olho para ti, para tuas Vilas, vendo como és bela, apenas maltratrada por oportunistas que cavalgam de legenda em legenda atrás de poder, dinheiro e celebridade.

Creia, cidade, és uma das mais novas do Brasil, não és só morada de boçais. És abrigo de divindades. Não é à toa que te imaginei o Norte da minha adorada Salvador.

Inconscientemente, era uma forma de te sentir minha, como quero que me sintas também tua, embora – eu reconheço – não sou filho pródigo – de fruir tuas delícias e primícias. Ao imaginar-te parte do meu berço – já disse, Salvador é meu berço, onde está enterrado meu umbigo -, te imagino também um leito, uma mão cuidadosa, um peito que me abriga, uma cabeleira vasta, um sorriso sincero, uma voz maviosa, rumor do vento, marulho e farfalhar de coqueirais a convidar, a intimar, a chamar que me junte a tua sensual e brava gente.

Feliz cidade!
Feliz aniversário!
Feliz emancipação!
Salve 31 de Julho!
Salve Lauro!