EUA e Reino Unido intensificam ameaça de guerra contra a Síria

Em papel alternado, o Reino Unido tem alimentado a iminência da intervenção militar na Síria, não sem garantir o envolvimento direto dos Estados Unidos, contudo. Nesta terça-feira (27), a emissora estatal britânica BBC reflete como predominante a disposição para a guerra. Em outro sentido, a Rússia e a China advertem contra a intervenção, e Socorro Gomes, presidenta do Conselho Mundial da Paz, deu declarações ao Vermelho sobre o “cerco imperialista”.

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

Walid Mualllem - BBC

Em 2009, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, recebeu o prêmio Nobel da Paz, seguido de críticas contundentes. Além de recém-eleito (e sem autoria de qualquer ação digna do prêmio), Obama passara a ser o presidente da maior máquina de guerra do mundo.

O seu secretário de Defesa, Chuck Hagel, declarou à BBC, nesta terça, que o país está “pronto” para lançar a intervenção contra a Síria, investida pela qual o Reino Unido esteve fazendo lobby, tanto com os próprios EUA quanto entre seus vizinhos europeus. Hagel referia-se, por exemplo, aos navios de guerra do seu país já reposicionados, no Mediterrâneo, para a margem síria.

O chanceler britânico William Hague chegou a dizer que não é necessário um consenso entre os cinco membros do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para que a intervenção seja conduzida. Dentre os cinco, três mostram-se favoráveis (Estados Unidos, França e Reino Unido) e dois firmemente contrários (Rússia e China).

Segundo a Carta das Nações Unidas, entretanto, e como já se mostra evidente por ocasiões passadas, a ação seria, sim, uma grave violação do Direito Internacional, já que pressupõe (mesmo sob o permissivo “Capítulo 7”, sobre o uso da força) o consentimento do Conselho de Segurança (CS), seja através da abstenção ou do voto favorável dos membros permanentes.

A base da argumentação superficial e politicamente motivada dos países que agem apenas em termos geoestratégicos, sobre seus próprios interesses (que são tudo, menos “nacionais”), é a acusação ainda infundada de uso de armas químicas pelo Exército sírio, feita pela chamada Coalizão Nacional das Forças da Revolução e da Oposição Síria (CNFROS), apoiada por diversos países do Ocidente e da vizinhança síria, declaradamente favoráveis à derrubada do presidente Assad.

A equipe de peritos enviada pela ONU à Síria está investigando (em acordo com e a convite do próprio governo) diferentes locais em que tanto o governo quanto a oposição alegam terem sido usadas armas químicas. Entretanto, o ataque da semana passada (em que, segundo fontes da oposição, 1.300 pessoas morreram com sintomas do uso deste recurso) levou a equipe a Ghoutta, próxima a Damasco, nesta segunda-feira (26).

O ataque denunciado na semana passada foi percebido pelo governo como uma tentativa da oposição armada de desviar a atenção da equipe da ONU e causar mais tensões. O ataque a tiros de que o comboio internacional foi alvo, ainda na segunda, apenas corroborou esta conclusão.

A subida no tom agressor dos vizinhos da Síria, entretanto, tem confundido os intervencionistas, que estão sob a impressão de que o país não teria apoio o suficiente, interna ou externamente, contra a invasão. Arábia Saudita, Catar, Turquia e Israel, cada um com suas próprias e graves controvérsias internas e seu interesse pela queda de Assad (a presença forte na região), além de apoiarem os grupos armados de diversas formas, estão advogando ativamente pela intervenção militar.

Vozes pela não intervenção

A Rússia e a China aumentaram suas advertências contra uma intervenção militar. Ambos reafirmaram reiteradamente a sua opção pela solução política, através do diálogo nacional no país, e de uma conferência internacional, aceita pelo governo do presidente Bashar al-Assad (que também propôs negociações internas diversas vezes).

Assim como na suposta caçada às fantasiosas armas de destruição em massa do Iraque, e no combate ao programa nuclear iraniano (que o Ocidente acusa de ter fins bélicos, embora o governo persa negue a intenção frequentemente, com discursos e ações), a intervenção na Síria seria a “resposta” ocidental ao fato de o governo ter “ultrapassado a linha vermelha” (no alegado uso de armas químicas), como dito pelo presidente Obama, em discurso que ficou ridicularizado, tamanha a hipocrisia.

Socorro Gomes, presidenta do CMP e do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos em Luta pela Paz (Cebrapaz), afirmou que a intervenção seria um “crime”, continuação de mais de dois anos de “agressões sistemáticas contra a Síria, com o envio de mercenários, terroristas, armas e financiamento, tudo para causar o caos na nação síria, para derrubar o governo e instalar outro de sua confiança”, em referência aos EUA e a membros da União Europeia.

“A Síria é um baluarte de resistência na unidade anti-imperialista dos povos árabes, de apoio ao povo palestino e de resistência ao sionismo; o governo de Assad conta com uma população consciente sobre a defesa da soberania, e por isso ainda não foi derrubado, apesar da tragédia causada com tantas mortes entre o povo”, disse Socorro.

A presidenta do CMP afirmou ser urgente uma denúncia vigorosa da manipulação de pretextos como o suposto uso de armas químicas para a invasão dos países e a violação das suas soberanias. "Quem não se lembra do Collin Powell [ex-secretário de Estado norte-americano, no governo de George W. Bush], com o vidrinho em que dizia ter amostras de antraz, direto do Iraque? Estão procurando justificativa para um crime contra o direito internacional”, reiterou.

“Os Estados Unidos e seus aliados europeus estão se preparando para a agressão. São Estados bandidos, fora da lei, Estados terroristas, e cabe aos povos, aos movimentos sociais fazer uma denúncia vigorosa e afirmar solidariedade ao povo sírio”, concluiu.

No âmbito das violações do Direito Internacional, a BBC sugere uma lista de “modelos” entre os quais as potências belicosas podem “escolher” para a intervenção: Iraque (1991), em que os EUA lideraram uma coalizão (a BBC cita que a medida estava assentada no Direito Internacional, já que permitida pelo Conselho de Segurança); nos Bálcãs (década de 1990), com o envio de armas dos EUA para a “resistência antissérvia” e, em 1999, com os bombardeios da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) a Kosovo, reconhecidos como “controversos” pela emissora; na Somália (1992 e 1993), outra vez liderada pelos EUA, com base em resolução do Conselho de Segurança; e na Líbia (2011), impulsionada pelo Reino Unido e pela França, com ataques aéreos classificados pela BBC como uma “operação humanitária”.