Paris Yeros: As eleições no Zimbábue e a grande mídia

A grande mídia estrangeira e seus parceiros brasileiros espalham a opinião de que o pleito eleitoral de fim de julho no Zimbábue, foi fraudulento, após a vitória de Robert Mugabe. Desconsideram, nessa análise, a maior reforma agrária do pós-Guerra Fria que fora lá realizada.

Por Paris Yeros, na Carta Maior

Mais uma vez, estamos assistindo à máquina midiática oligopolista propagar desinformação e preconceito sobre eventos de grande significado histórico na África. O caso em questão aqui é o do Zimbábue.

A grande mídia estrangeira e seus parceiros brasileiros espalham a opinião de que o pleito eleitoral de fim de julho no Zimbábue, o quinto desde o início da reforma agrária em 2000, foi fraudulento, embora o incumbente à presidência, Robert Mugabe, tenha conquistado o voto de 61% da população, e seu partido, acima de dois terços da Assembleia Nacional, em uma disputa pacífica e livre.

Implica-se que a eleição não foi justa, pelo fato de o incumbente estar no poder desde 1980 e de a “comunidade internacional”, os governos britânico e estadunidense, ao lado da oposição doméstica, terem rejeitado o resultado, ao contrário da União Africana e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, que julgaram o resultado pacífico, livre e justo.

A vitória do partido nacionalista é de grandes consequências para a região e o continente, e tem explicação concreta. A partir de 2000, foi realizada uma profunda reforma agrária, sendo essa a maior do pós-Guerra Fria e certamente merecedora de comparações com as grandes reformas agrárias do século 20.

Acima de 80% do grande capital agrário foi expropriado, sem compensação, e a terra foi distribuída amplamente – algo que todas as pesquisas de campo vêm verificando. A escalada contra o grande capital estrangeiro continua, ora para incluir a indústria manufatureira, mineradoras e bancos estabelecidos, obrigados todos a repassar 51% de seus ativos a empresas estatais, empreendedores zimbabuanos, associações de trabalhadores e comunidades rurais – exigência que se aplica também aos novos investidores, chineses e outros.

Por fim, o governo vem enfrentando a militarização da África pela Otan, inclusive por uma valente intervenção militar na República Democrática do Congo em 1998, junto às forças armadas de Angola e Namíbia. Não é por acaso que a África Austral hoje é a única região do continente livre da Otan.

Tudo isso explica não apenas porque os zimbabuanos se apaixonaram novamente pelo partido nacionalista. Explica também a reação da suposta “comunidade internacional” que continua a impor sanções financeiras unilaterais e persiste com a estratégia de desestabilização por financiar sistematicamente a oposição e diversas organizações não governamentais. Em alguns países, governos mudam regularmente, sem mudança substantiva nenhuma. Em outros não muda o governo, mas muda o país, pela raiz.

*Professor da Universidade Federal do ABC