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Jeosafá Fernandez: Vicissitudes: é preciso pesquisar mais fundo

O primeiro tema das Teses do PCdoB para seu 13º Congresso aborda, do parágrafo 117 ao 119, as virtudes e vicissitudes do crescimento do Partido. Uma vez que as virtudes do crescimento saltam aos olhos, opto por tratar neste artigo do segundo termo dessa conta, que em certas circunstâncias apresenta resultado negativo.
Por Jeosafá Fernandez Gonçalves*

O parágrafo 117 elenca alguns “ismos” potencialmente prejudiciais a nossa atuação revolucionária: liberalismo, corporativismo, dogmatismo, espontaneísmo, carreirismo, personalismo “e outras tendências malsãs que precisam ser enfrentadas”. O parágrafo 118 estende a outras dimensões, além da político-eleitoral, essas vicissitudes, que repercutem também nos movimentos sociais e na luta de ideias. O parágrafo 119 apresenta o modo como essas vicissitudes vêm sendo enfrentadas pelo Partido: “As maiores respostas dadas às vicissitudes foram as de tratar de maneira combinada três formas de luta entrelaçadas […]: a luta social de massas, a luta política-eleitoral e a luta de ideias”. No mesmo parágrafo, destaca ainda nesse combate a disputa pelas bases sociais, principalmente trabalhadores, jovens e mulheres, e o aprimoramento do centralismo democrático.

O fato de as Teses porem em foco essas vicissitudes é já um ganho significativo, tanto quanto a terapia principal adotada (o tratamento combinado das três formas de luta entrelaçadas). No entanto, considero necessário uma dose maior de um dos remédios dessa terapia, a luta ideológica, a partir de um diagnóstico mais preciso, o que não é feito sem pesquisa, debate e reflexão – o que invade a seara da teoria.

Os sintomas destacados no parágrafo 117 estão relacionados diretamente ao individualismo, característica típica da burguesia, que é alvo da crítica marxista desde o século de 19. O individualismo é um célebre causador de danos à luta revolucionária, e não é por acaso (e aqui falo da minha perspectiva de escritor) que o realismo e depois o neorrealismo voltaram suas críticas mais agudas a essa vicissitude, mãe de vasta prole. Em sua família residem os “ismos” constantes do parágrafo 117, aos quais acrescento ainda o estrelismo, o vedetismo, o grupismo, representados na expressão “tendências malsãs”, que pressupõe outros não mencionados, porém implícitos.

Diante dessa profusão de “ismos” malsãos, que tanto mal nos causam, a ponto de serem destacados em três parágrafos de nossas Teses, considero urgente que saiamos do lugar comum em que nos encontramos, qual seja o de apenas acusar esses “ismos”, empregados como jargões ou clichês, muitas vezes com objetivo de taxar adversários políticos em discussões mais acaloradas.

É necessário, se quisermos desenvolver terapias adequadas, estudar ao microscópio essas práticas políticas e sociais, que sabidamente fizeram a desgraça de organizações revolucionárias respeitáveis – o exemplo historicamente mais trágico é o próprio Partido Comunista da União Soviética.

Qual a natureza dessas tendências? Quais suas fontes sociais e históricas? Que impactos causam às organizações revolucionárias? Quando surgiram? Como se transformam? Como se manifestam concretamente nos organismo de base, intermediários e superiores dessas organizações? Como desenvolver esta ou aquela estratégia de combate? Em que momento adotar esta ou aquela estratégia de combate?

Embora a analogia pareça forte, essas tendências agem no corpo das organizações revolucionárias como parasitas. Como tal, não liquidam o hospedeiro instantaneamente: drenam-lhe as energias pouco a pouco, ao logo de anos a fio – e quase nunca se morre deles, mas de doenças secundárias, oportunistas, que se pagavam em face do organismo debilitado.

Quando essas tendências se manifestam na base ou em instâncias intermediárias dessas organizações, estas passam a padecer de sérias dificuldades de desenvolvimento numérico, político, teórico e ideológico. Não combatidas, como no mundo biológico, saltam à instância superior e mesmo à máxima. Sabe-se bastante bem o que causa no mundo biológico a infestação do sistema nervoso central por qualquer tipo de parasita.

O estrelismo e o vedetismo, por exemplo, substituem a organização de base ou intermediária pelo fã clube, e a luta de ideias pela histeria típica do show business – e aqui não se está fazendo caricatura, absolutamente; o personalismo destrói as normas e práticas solidárias e revolucionárias em favor do grupismo, antípoda do centralismo democrático; o dogmatismo converte a organização em que predomina em seita fanática (não por acaso os adjetivos “fã” e “fanático” comungam da mesma raiz etimológica).

A prática do “eu te ajudei, agora seja leal a mim” tem um nome: clientelismo. Nesse caso, o acúmulo de energias é desviado do Partido para o indivíduo, que de liderança converte-se em chefe de bando. Porém, isso não se faz sem que todas as estruturas partidárias tenham sido aniquiladas.

À medida que o PCdoB cresce e abre as portas para o ingresso de contingentes sempre maiores de filiados, o que está plenamente correto, a ocorrência desses riscos salta do terreno das hipóteses para o da contaminação líquida e certa. Candidatos profissionais há no mercado eleitoral à farta. Em regiões de São Paulo são conhecidas “lideranças” que em períodos pré-eleitorais mudam de legenda barganhando apoios que dizem carregar – e às vezes carrega mesmo! Numa eleição, estão no PTB, noutra, no PPS, noutra, no PV, noutra, no PCdoB. Se desconhecemos essas “lideranças”, na verdade parasitas políticos disfarçados, estamos algo inocentados em caso de sermos vítimas delas. Porém, quando são de nosso conhecimento e as recebemos voluntariamente em nosso meio, estamos assumindo um risco indevido e flertando com o azar – e legitimando essa prática abominável. Por isso proponho que se elenque de A a Z essas tendências e se passe a produzir pesquisas sobre cada uma, que parecem as mesmas, porém não são.

*Jeosafá Fernandez Gonçalves é militante da Célula Comunista de Cultura Paulistana.