Soberania latino-americana é destaque em conferência na Argentina

Na semana passada, a cidade de Santiago do Estero, na Argentina, sediou a 16ª Conferência Continental da Associação Americana de Juristas (AAJ), que discutiu temas de relevância para a integração regional latino-americana e seus desafios jurídicos. Socorro Gomes, presidenta do Conselho Mundial da Paz (CMP), em uma intervenção especial no evento, ressaltou a “luta pela soberania na América Latina e a criação do Conselho Sul-americano de Defesa (CDS)”.

Por Théa Rodrigues, da Redação do Vermelho

Soberania latino-americana é destaque em conferência na Argentina - Divulgação

Para Socorro, “associações como a AAJ são importantes no seu papel de construção de marcos de defesa comum, a favor dos princípios de integração, soberania e cooperação”. Ela disse, em entrevista ao Vermelho, que a conferência é mais um exemplo de que “o continente tem avançado em busca de um caminho de independência” e explicou que os debates são “produtos do aprofundamento da integração regional”.

A AAJ é uma ONG fundada em 1975, no Panamá, com um estatuto consultivo diante do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, que defende a autodeterminação dos povos e, a partir de sua plena independência econômica, que possam exercer a soberania do Estado sobre suas riquezas e recursos naturais.

A presidenta do CMP afirmou em seu discurso proferido na sexta-feira (27) que “a principal ameaça à paz e aos povos no mundo continua sendo o imperialismo” e, por isso, é necessário “fazer da América Latina um continente rebelde aos ditames deste imperialismo, que fortaleça sua autodeterminação e que contribua para a paz e a solidariedade com os povos do mundo”.

Na ocasião, Socorro ressaltou ainda a importância do Conselho de Defesa Sul Americano (CDS), destacando que este “é uma nova manifestação de uma longa tradição sul-americana de soluções pacíficas”. Contudo, lembrou que é “a primeira vez que nossos governos criam uma instituição especializada na área da defesa. Não é por acaso que tenha acontecido neste momento”.

O CDS é um mecanismo que busca fomentar o intercâmbio no campo da segurança entre os países que compõem a União de Nações Sul-americanas, tais como a elaboração de políticas de defesa conjunta, intercâmbio de pessoal entre as Forças Armadas de cada país, realização de exercícios militares conjuntos, participação em operações de paz das Nações Unidas, troca de análises sobre os cenários mundiais de defesa e integração de bases industriais de material bélico, medidas de fomento de confiança recíproca, ajuda coordenada em zonas de desastres naturais, entre outros.

Durante os três dias de intensa atividade, a 16ª Conferência Continental da Associação Americana de Juristas contou também com a presença de membros de tribunais de justiça, de colégios de advogados e representantes de instituições de direitos humanos, de Cuba, Venezuela, Porto Rico, Estados Unidos, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e Peru.

Leia abaixo a íntegra do discurso de Socorro Gomes:

 
Estimados amigos e companheiros, é com muita honra que em nome do Conselho Mundial da Paz, participo desta que já é a décima sexta Conferência Continental da Associação Americana de Juristas (AAJ).

A história e os objetivos da Associação de Juristas Americanos são conhecidos por todos os defensores de um mundo justo e de paz. Seu empenho na defesa da autodeterminação dos povos, na soberania, suas denúncias contra as ações do imperialismo, contra os resquícios do colonialismo em nosso continente, assim como seu compromisso com a defesa da paz, fazem da Associação Americana de Juristas uma organização coirmã do Conselho Mundial da Paz.

O tema escolhido para esta conferência é de grande importância e atualidade – A integração regional e seus desafios jurídicos – sem sombra de dúvidas é um dos temas de maior relevância no atual contexto que vive nosso continente.

Os amigos nos propuseram falar sobre o colonialismo, o militarismo e a criação do Conselho de Defesa Sul Americano. Buscaremos apresentar alguns elementos sobre a situação internacional atual e sua relação com os temas desta comissão de trabalho.

Estimados juristas americanos,

O momento em que se realiza esta conferência é marcado por intensos conflitos e graves ameaças de guerra. As potências imperialistas seguem manejando a opção de atacar militarmente um dos países mais antigos do mundo, a Síria. Mesmo que indiretamente, o tema que iremos analisar no dia de hoje guarda profundos vínculos com os acontecimentos que se desenvolvem no Oriente Médio.

Vivemos um início de século 21 marcado por uma profunda crise do capitalismo, surgida no coração do sistema e que vem se espalhando ao redor do mundo. Em conjunto com esta crise, vemos o surgimento cada vez com maior nitidez de novos polos de poder, notadamente países do sul do mundo, contribuindo para uma nascente ordem multipolar.
No entanto, srs. juristas, enganam-se os que acreditam que esta situação é sinônimo automático de paz entre as nações. As potências imperialistas buscam de todas as maneiras se manter no centro do sistema, e para isto não hesitam em fazer uso da força, em promover guerras contra os povos do mundo.

Seu intuito é conhecido. Garantir acesso a ativos estratégicos, tais como, fontes de energia, minérios, rotas e fluxos comerciais.

Falam em “comunidade internacional”, de “multilateralismo eficaz”, coalizões informais, que funcionam às margens do direito internacional, escamoteando suas verdadeiras e deletérias intenções, contra soberania nacional e a autodeterminação dos povos suas principais vítimas. A cada dia surge uma nova cantilena, uma nova falácia, com o intuito de buscar justificativas para impor a flexibilidade daquela que é a pedra angular do direito internacional, a autodeterminação

Hoje falam de “responsabilidade de proteger”, “luta contra as armas de destruição em massa” e “intervenções humanitárias”. Todos estes argumentos visam justificar as ações intervencionistas com uma aparência de legitimidade e legalidade.

Quando atuam no “âmbito legal” procuram instrumentalizar tratados e acordos internacionais, como o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), instrumentalizado pelos Estados Unidos para garantir o controle e monopólio das armas e chantagear e impor sanções a nações, como a República islâmica do Irã, buscando impedir o seu direito a uso civil desta tecnologia. Não nos esqueçamos que os EUA foram os responsáveis pela destruição de Hiroshima e Nagasaki pelas armas nucleares e até o momento não foram julgados por este inominável crime contra a humanidade. A mesma instrumentalização fazem no uso do Tratado sobre Comércio de Armas, que tem sido utilizado, para legalizar a transferência de armas para grupos não estatais, sem a necessária autorização do Estado, como fazem na Síria, repassando armas, dinheiro para os mercenários, grupos terroristas que tem disseminado o caos e o terror no país, com o objetivo de formatar um Oriente médio de acordo com os interesses das potencias imperialistas.

A sexagenária Organização das Nações Unidas tem sido incapaz de evitar políticas de agressão contra os povos ao redor do mundo. A reforma de seu Conselho de Segurança, o resgate e defesa de uma ordem que respeite o multilateralismo são bandeiras dos que defendem a luta pela paz e a soberania dos povos.

É essencial que tenhamos estes elementos presentes na hora de analisarmos a conjuntura em nosso continente.

Estimados companheiros,

A América Latina vive um momento de grandes mudanças e transformações. Completamos neste ano de 2013, uma década e meia de mudanças nos rumos políticos e econômicos de nossa região. Período de fortalecimento da nossa soberania, e avanços no processo de integração solidária da América Latina.

O conjunto dos governos democráticos e progressistas na região, fruto das lutas populares, dos movimentos independentistas dos nossos países, importante vitória na construção de caminhos alternativos e de oposição aos ditames do imperialismo estadunidense, tem na integração latino-americana a principal estratégia de fortalecimento da soberania de nossas nações.

Surge uma nova arquitetura regional, rompendo com os velhos instrumentos de dominação dos Estados Unidos. O que um dia foi denominado pelo presidente Fidel Castro, como o “ministério das colônias”, a Organização dos Estados Americanos (OEA), está destinada ao esquecimento e ao vazio político.

Dentro desta década e meia, podemos destacar um conjunto amplo e diversificado de iniciativas fortalecedoras do processo integracionista. Entre elas destacamos a reestruturação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), a criação da União de Nações Sul-americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba).

Desta nova arquitetura regional, surgem conselhos, comissões, iniciativas das mais variadas. Seu horizonte estratégico é a busca de um novo papel da região no mundo, exemplo deste novo papel são os posicionamentos da maioria dos presidentes da América Latina na ONU nos últimos dias, e a posição clara da Celac, presida por Cuba, na defesa da eliminação de armas químicas e nucleares, demonstrando que a região está comprometida com a construção da paz entre as nações.

É desta nova arquitetura regional que surge o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Seu intuito é reformular o pensamento estratégico de defesa da região.

Estimados companheiros,

Para uma compreensão adequada dos desafios do CDS, torna-se necessário recuarmos no tempo para analisarmos qual era a política de segurança hemisférica que estava em vigor na região.

Até há pouco tempo, as forças armadas dos países latino-americanos operavam sob a influência da política do pan-americanismo hegemonista que os Estados Unidos implementavam na região, fundada nos princípios do “corolário Roosevelt” à Doutrina Monroe, que produziu o que ficou conhecido como “Doutrina de Segurança Nacional”.

A suposta “harmonia interna” da região estava identificada com economias de mercado e com os valores da ideologia liberal. A principal ameaça era um inimigo ideológico, o “comunismo internacional” e os governos ditos “populistas”, nacionalistas.

Dentro desta lógica qualquer divergência tinha como resposta a pronta intervenção das forças armadas, em ações repressivas e golpes de Estado que devastaram nosso continente deixando dezenas de milhares de mortos em consequência do terrorismo de estado.

Inúmeros instrumentos foram concebidos pelos EUA, no planejamento do pós-guerra e dentro da lógica da Doutrina de Segurança Nacional, para manter a América Latina sob seu domínio.

Entre estes instrumentos, destacam-se a Junta Interamericana de Defesa (JID) de 1942; a Escola das Américas (1946), o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), de 1947, e como guarda- chuva desta arquitetura, a Organização dos Estados Americanos (OEA) de 1948, com o único objetivo de manter o domínio da região nas mãos dos Estados Unidos.

A JID, criada em 1942, é uma das mais antigas estruturas de defesa do mundo. Seu objetivo formal era “planejar a defesa do hemisfério de agressões extra-hemisféricas”, ou seja, o “perigo comunista” e a subversão interna. Cuidaria, para tanto, da formação de nossas forças para a defesa do continente mediante a realização de estudos. É de responsabilidade da JID o Colégio Interamericano de Defesa (CID), sediado em Washington, local de formação e doutrinamento das altas patentes da região por mais de quatro décadas.

Outro aparato deste nefasto sistema hemisférico de defesa é a Escola das Américas, criada em 1946 e que funcionou até 1984 no Panamá. Seu objetivo era treinar soldados latino-americanos em técnicas de guerra e contra insurgência. Na atualidade funciona na Geórgia (EUA), desde 1984, rebatizada de Instituto de Cooperação e Segurança do Hemisfério Ocidental (WHINSEC, na sigla em inglês). Em sua longa história treinou mais de 64 mil soldados, muitos dos quais responsáveis por verdadeiros genocídios em nosso continente.
Talvez o mais importante instrumento jurídico do arcabouço legal de dominação militar dos EUA na região tenha sido o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) – formalizado na Ata de Chapultepec, acordo adotado pela Conferência Interamericana sobre Problemas de Guerra e Paz, realizada na cidade do México em 1945. O Tiar tinha a tarefa de fazer garantir a paz americana através de mecanismos de segurança mútua, a partir do compromisso de que um ataque à soberania de um membro seria visto como um ataque aos demais. A resposta seria baseada no princípio explícito da defesa coletiva, em que se aplicam os tratados referentes à matéria.

Como é de conhecimento de todos, o Tiar representou na verdade o principal instrumento jurídico para as ações de ingerência dos EUA em nossa região. Foi a partir de uma reunião do Tiar, em Punta Del Leste, em 1962, convocada para analisar “as ameaças à paz e à independência política dos Estados Americanos”, que a indômita Cuba foi expulsa da OEA.

Ao longo do período de sua vigência, o mesmo foi invocado 19 vezes, sendo o arcabouço legal para inúmeras das ações dos EUA. Estas ações se materializavam em golpes militares para a mudança de regime.

É, no entanto, estimados amigos juristas, o caso das Malvinas, que desmascara por fim as intenções do Tiar.

Logo após o início do conflito com o Reino Unido, a Argentina procura respaldo nos instrumentos legais do pan-americanismo. Desta forma, o tema é debatido por solicitação da Argentina, na 20ª Reunião de Consulta do Tiar. Neste encontro a Argentina fundamenta sua reivindicação a partir do artigo seis, que trata do propósito de manter a paz e a segurança hemisférica; e do artigo 12 que se refere à soberania e à integridade do país, O imperialismo estadunidense não só nega-se a cumprir o Tiar, como dá seu apoio ao colonialismo Britânico.

Na atualidade, o Tiar é, em conjunto com a OEA, um resquício de um passado não muito distante, que em vários momentos, o imperialismo busca retomar. Dentro deste contexto são muitos os países que renunciaram ao tratado, entre eles destacam-se México, Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela.

Estimados amigos,

Como afirma o presidente equatoriano Rafael Correia, não vivemos, simplesmente, uma época de mudanças, vivemos, sim, uma mudança de época. A última década foi significativa em avanços no processo de integração regional sob novos paradigmas. Onde ressaltam o respeito à soberania e a cooperação entre os povos.

Uma das áreas mais sensíveis e estratégicas é certamente a que se refere à defesa e à segurança regional. Por tudo o que foi dito anteriormente, não se trata de uma tarefa simples, realizável em um curto espaço de tempo. Estamos falando da renovação de um pensamento estratégico. Refere-se ao esforço de buscar nossas identidades comuns, e não explorar nossas diferenças, estas, muitas vezes, exploradas por países que não desejam ver-nos unidos.

O fato é, estimados companheiros, que estamos acompanhando um longo processo de superação desta visão maniqueísta, subordinada, de nossa defesa regional. Trata-se de uma renovação no pensamento estratégico e de defesa dos países da América Latina. É em certa medida, um reencontro das forças armadas com os povos de suas nações. Não se trata de algo acabado e definido. Isto somente se daria a partir de um processo de transformação mais profundo, da construção de uma nova sociedade. No entanto, não deixam de ser medidas que fortalecem a soberania de nossos países. Devemos acompanhar com atenção, participar dos debates, contribuir com opiniões e estudos. Os temas de defesa e segurança nacional não são temas exclusivos das casernas, são temas de interesse de toda a sociedade, pois em essência fazem parte do debate sobre os meios pelos quais os povos exercem o direito à autodeterminação e à sua soberania.

É dentro deste amplo contexto que vemos o surgimento do Conselho de Defesa Sul-Americano.

Estimados amigos juristas,

O destino de nossos povos é comum. Vivemos em uma região onde nossos dilemas são profundamente semelhantes, tal como nossa identidade. Nossos desafios devem ser vistos a partir de uma ótica latino-americana.

Não podemos permitir que as opiniões difundidas massivamente pelos meios de comunicação, que propõem a todo o momento políticas discrepantes com nossa realidade e interesses prevaleçam.

O atual processo de integração regional, deve dar contribuições inovadoras. Não queremos copiar modelos. Como dizia o mestre de Simon Bolívar, o pensador venezuelano Simon Rodrigues, “a América não deve imitar servilmente (…). De onde iremos copiar modelos? (…) Ou inventamos, ou erramos!”. É com este espírito que devemos pensar em contribuições originais na elaboração de uma doutrina sul-americana de defesa. Devemos buscar de forma inovadora os meios para estabelecer um marco de cooperação entre os povos. Ela não está escrita em livros, teorias ou manuais importados de outras latitudes, ela deve ser produto de uma reflexão nossa, feita a partir de nossa realidade.

O Conselho de Defesa Sul Americano (CDS), é uma nova manifestação de uma longa tradição sul-americana de soluções pacíficas nas controvérsias. No entanto, é a primeira vez que nossos governos criam uma instituição especializada na área da defesa. Não é por acaso que tenha acontecido neste momento.

Ele é produto do aprofundamento da integração regional, iniciada com o Mercosul. Depois foram dados novos passos, com a criação Unasul (2008), e da Celac.

A incorporação dos assuntos relativos à segurança e defesa no processo de integração regional, coloca as iniciativas em curso em outro nível. O relevante desta iniciativa é fortalecer uma visão de que a partir do processo de integração, a soberania dos países da região é fortalecida, assim como se fortalece a cooperação e a confiança mútua entre os países.

Criado em 2008 na cúpula da Unasul, realizada em Salvador, na Bahia, o CDS é composto pelos ministros de Defesa da Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Guiana, Suriname e Venezuela. Não se trata de um conselho responsável por uma política única de defesa da região. O CDS busca fomentar o intercâmbio no campo da segurança entre os países que compõem a Unasul, tais como a elaboração de políticas de defesa conjunta, realização de exercícios militares conjuntos, mediar crises entre os membros da Unasul, troca de análises sobre os cenários mundiais de defesa, integração da base industrial de material de defesa, medidas de fomento de confiança recíproca, ação coordenada em casos de desastres naturais entre outras ações.

O CDS não é uma aliança militar convencional. Trata-se de um fórum permanente para discutir assuntos relacionados à segurança e à defesa regional, a adoção de medidas visando o aumento da confiança, a troca de informações militares e a realização de intercâmbio.

Entre os objetivos do CDS, devemos destacar:

• Consolidar a América do Sul como uma zona de paz, base para a estabilidade democrática e para o desenvolvimento integral dos nossos povos, contribuindo para a paz mundial;

• Construir uma identidade sul-americana em matéria de defesa, que leve em consideração as características sub-regionais e nacionais e que contribua para o fortalecimento dos laços entre a América do Sul e o Caribe, gerando consensos para fortalecer a cooperação regional no âmbito da defesa;

Como desdobramento destes objetivos, o CDS tem adotado as seguintes iniciativas:

Atuar como uma organização que responda às crises no plano da defesa, não deixando que OEA e outras instâncias venham a atuar na região. Exemplo disto foi a rápida resposta à instalação de tropas dos EUA em bases colombianas.

Falar da criação do Conselho Sul Americano de Defesa e da necessidade de uma política comum em matéria de defesa somente é compreensível se analisarmos e identificarmos, quais são as ameaças que nossos povos sofrem neste início do século 21.

As grandes potências imperialistas, em sua sanha para garantir seu domínio e se manter no epicentro do sistema internacional, fazem verdadeiras guerras para controlar e saquear os recursos naturais e ativos estratégicos das nações e povos ao redor do mundo.
As ameaças de ações militares imperialistas não são poucas. Nosso continente vive cercado por um conjunto de enclaves coloniais que servem de bases militares e suportes logísticos para os EUA e as forças da Otan. Elas estão contornando as fronteiras marítimas da Venezuela, estão no coração da Amazônia colombiana e, também, nas águas do Atlântico Sul. Curaçao, Guiana Francesa, Ascensão, Malvinas, são alguns dos enclaves.

Importante registrar que com o término da denominada “guerra fria”, a presença militar dos EUA na América Latina ampliou-se profundamente. Isto se expressa com o fortalecimento do Comando Sul, com a reativação da Quarta Frota, e, mais recentemente as descobertas sobre o grande esquema de espionagem que afeta todas as lideranças políticas dos países da região.

Não podemos esquecer quando falamos do Atlântico Sul, do cinturão de bases militares estabelecidas em enclaves coloniais que cercam nossa região. Entre as principais destacam-se a de Ascensão, que está vinculada ao planejamento de logística dos EUA de conectar suas operações até a África, e a Quarta Frota que circula por águas de nossa região.

Outro fator que suscita séria preocupação é a utilização das Malvinas, território Argentino, ilegalmente ocupado pelo Reino Unido, como base para a Otan, esta máquina de destruição e morte, com uma larga folha corrida de crimes contra a humanidade, consolidou, na cimeira de Lisboa, uma nova estratégia tendo como leque de intervenção militar todos os continentes, e como motivo para suas guerras contra os povos uma larga lista que vai desde “ataques cibernéticos”, “negligências ambientais”, “riscos ao fornecimento de energia”, e numerosos outros falsos pretextos para seus ataques contra nações e povos.

Em grande medida, nos últimos anos acompanhamos uma série de conflitos em nossa região que foram instrumentalizados por potências de fora. Um exemplo disto foi a tensão ocasionada pela Colômbia com o Equador e a Venezuela respectivamente.

No entanto, companheiros juristas, além dos esforços para recuperar a influência política, os EUA e seus aliados imperialistas estão de olhos atentos sobre nossos recursos estratégicos. Esta é sem duvidas um dos principais motivos da constituição do CDS.

Em nossa região localiza-se a maior diversidade de fontes de recursos energéticos do mundo. Temos as maiores reservas de petróleo, gás, urânio, biomassa, entre outras. Somos ricos em recursos minerais. Possuímos os maiores reservatórios de água doce do mundo e ampla capacidade de produção de alimentos. Somos um dos maiores detentores de biodiversidade da terra.
De acordo com estudos internacionais, até 2030 a demanda por água, alimentos e energia, crescerá entre 40% a 50%, respectivamente com respeito aos níveis atuais. De onde serão extraídos estes recursos?

Tomaria uns minutos a mais da atenção das senhoras e dos senhores para comentar sobre uma região que conhecemos bem. Refiro-me à Amazônia.

Compartilhada por oito países (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela), a Amazônia guarda, em suas riquezas naturais, parte expressiva dos problemas que na atualidade afligem a humanidade, tais, como, fontes de energia renovável, alimentos, água doce, biodiversidade, terras raras entre tantos outros.

Sabemos muito pouco sobre a Amazônia, sobre seus conhecimentos e saberes tradicionais, sobre sua biodiversidade entre outras tantas razões.

Sobre todos estes campos a Amazônia revela um enorme potencial estratégico. Não é por outra coisa que a pressão internacional sobre ela é grande.

Outra área estratégica é o Atlântico Sul. Oceano rico em recursos estratégicos, alimentos e biodiversidade, possuidor de grandes reservas de petróleo, como o pré-sal brasileiro e as reservas encontradas nas proximidades das Ilhas Malvinas, o Atlântico Sul é também um importante ponto geoestratégico. O Atlântico Sul é uma das principais rotas comerciais do mundo (principalmente para transporte de petróleo), por ele passam 70% de todo o comércio internacional que os países da região fazem com outras regiões. Possui localização privilegiada de acesso a Antártida e de conexão com o continente africano.

Nós, latino-americanos, não podemos ignorar a possibilidade de uma corrida neocolonialista e imperialista sobre nossos recursos naturais. Isto pode ter consequências e implicações sérias para regiões como a amazônica, a tríplice fronteira, o Atlântico Sul, para nominar algumas.

Esta corrida por recursos naturais estratégicos terá relação direta com a integridade de nossos territórios, as águas sob a jurisdição de nossos países. Não é um esforço tão grande analisar o histórico das ações imperialistas e seu modos operandi para identificar de quais ameaças estamos falando.
Trabalhando em torno de uma defesa comum, estaremos mais seguros, diante dos intentos do imperialismo. A comunhão de interesses na América Latina e na América do Sul fortalecerá a identidade de uma região que busca a paz, fortalecendo nossa soberania.

Estimados companheiros, o Conselho de Defesa Sul-Americano está em fase de consolidação e de estruturação.

Em 2009 no Chile, foi realizado o primeiro encontro do CDS e elaborado o Plano de Ação 2009 dividido em quatro áreas: (1) políticas de defesa, (2) cooperação militar, ações humanitárias e operações de paz, (3) indústria e tecnologia militar, e (4) formação e capacitação de recursos humanos para a área de Defesa. Destaca-se a criação do Centro Sul-Americano de Estudos Estratégicos de Defesa (CSEED), que foi inaugurado em 2011 e tem funcionamento na Argentina.

O CSEED tem como atribuição a criação e a manutenção de um banco de dados relativos a gastos de defesa, elaborar estudos na definição e identificação do “interesse regional”, concebido este como a somatória dos fatores de interesse nacional comuns aos países da Unasul. É muito importante que organizações como a Associação de Juristas Americanos, a Mopassol, a Assembleia Argentina de Direitos Humanos, aqui representada pelo professor doutor Monserrat, e outras entidades de Direitos Humanos participem e acompanhem o trabalho que está sendo realizado pelo Centro de Estudos Estratégicos. Devemos contribuir com nossas formulações sobre o debate de defesa em nossa região.

O Plano de Ação 2010-2011 prevê o estabelecimento de um mecanismo de consulta, informação e avaliação imediata de situações de risco para a paz na América do Sul;

O Plano de Ação 2012, entre outros pontos, prevê a criação da Agência Espacial Sul-Americana, a formação e capacitação de civis para a defesa por meio do recém-instituído CEED;

As últimas iniciativas no âmbito do Conselho foram a criação da Escola de Defesa Sul-Americana, que coloca por fim uma pá de cal no Colégio Interamericano de Defesa. É essencial que as nossas forças armadas passem por um processo de reciclagem, que se formem dentro de uma nova concepção patriótica, estratégica e de defesa.

A principal ameaça à paz e aos povos no mundo continua sendo o imperialismo. Nossos destinos estão postos nesta que sem duvidas é a principal batalha da humanidade nos dias de hoje, a luta anti-imperialista. Dentro desta ampla luta, o desafio de nossos dias é fortalecer uma coalizão, envolvendo os mais distintos setores políticos e sociais.

É com este intuito que participamos desta décima sexta Conferência Americana de Juristas. Conclamamos todos a se somarem nesta luta por fazer da América Latina um continente rebelde aos ditames do imperialismo, um continente que fortaleça sua soberania e autodeterminação que contribua para a paz e a solidariedade com os povos do mundo. Um continente que levante a bandeira da paz e da luta anti-imperialista.

Estimados amigos juristas,

A humanidade vive momentos de grandes impasses. No entanto, estamos certos de que a união dos povos é capaz de derrubar os mais poderosos impérios. Nesta hora de definições, estamos certos de que o imperialismo é militarmente forte, é deletério e sem escrúpulos, porém não é invencível, os povos unidos vencerão.

Muito obrigada.

Socorro Gomes, presidenta do Conselho Mundial da Paz