Sem categoria

Buonicore: Linha de massas e luta pela hegemonia socialista

Vivemos uma quadra histórica, que tem como um de seus componentes a forte pressão para o rebaixamento do papel estratégico do Partido Comunista. Ainda não nos recuperamos plenamente da derrota representada pelo fim da URSS e do bloco socialista no Leste Europeu. Naqueles anos, muitos partidos baixaram suas bandeiras, mudaram nomes e símbolos e aderiram à ideologia dos vencedores: o (neo)liberalismo.
Por Augusto Buonicore*

O fato de que alguns partidos tenham resistido e se mantido do lado certo da fronteira ideológica não quer dizer que eles também não tenham sido, ou possam ser, afetados de algum modo pela brutal ofensiva das classes dominantes no campo da luta de ideias. O liberalismo, o pragmatismo, o possibilismo e o corporativismo, que conduzem ao gradual abandono dos projetos coletivos (e socialistas), que reforçam as opções por saídas individuais (ou de pequenos grupos) e levam ao acomodamento à ordem burguesa, são fenômenos visíveis demais para serem subestimados.

Os congressos e conferências, realizados ao longo dos últimos 20 anos, já nos alertaram quanto a isso e buscaram elaborar antídotos para que os organismos partidários pudessem resistir aos vírus que circulam no nosso ambiente social e se manterem saudáveis política e ideologicamente. Entre esses antídotos destaco, em primeiro lugar, a necessidade de mantermos três linhas combinadas de acumulação de forças que, juntas, formam uma espécie de tripé.

Nossos documentos afirmam que os comunistas devem atuar nas lutas sociais, nas lutas de ideias e nas lutas político-institucionais – tendo como base o marxismo-leninismo e como norte o Programa Socialista. Sendo que os dois primeiros tipos de luta deveriam ser fundantes (por dar base ao terceiro) e permanentes – válidos para quaisquer condições históricas. Afinal, não existem partidos comunistas que não busquem sempre se inserir nas lutas de massas e no bom combate de ideias, visando a conquistar a hegemonia. Isto está no seu DNA.

Na atual conjuntura, tentar construir um partido comunista apenas – ou fundamentalmente – num desses “pés” seria um erro estratégico. Infelizmente, isso acontece e não podemos nos abster de tentar analisar esse fenômeno. Entre alguns quadros partidários, vai se consolidando uma visão de que a participação institucional, especialmente em governos, é a única frente de atuação importante. A justa valorização de luta institucional se transforma numa supervalorização da mesma, a qual tudo mais deve se subordinar.

Tal linha, se não combatida, pode comprometer o caráter de classe do nosso Partido, pois vai colocando a organização numa situação de perigosa incompatibilidade com as lutas populares, que persistem e tendem a se ampliar nesse período de crise capitalista. Em alguns lugares – temendo-se pela instabilidade das administrações de que participamos –, passa-se a adotar práticas de intervir no sentido de conter as demandas e as mobilizações populares. A consequência é o afastamento desses movimentos, deixando-os nas mãos de correntes inconsequentes. O possibilismo – manutenção do nosso projeto nos limites do que pensamos ser possível aqui e agora – passa a inibir nossas ações e nossos objetivos de transformação social.

A supervalorização da participação institucional (especialmente em governos), por outro lado, impede a salutar demarcação de posições em relação às ideias e práticas equivocadas de alguns aliados que dirigem administrações públicas, nas quais participamos, em geral, como força auxiliar. E sabemos que em várias delas existem fortes elementos conservadores, que obstaculizam o caminho das reformas e da efetiva participação popular. Essa atitude faz com que o Partido deixe de aparecer com fisionomia própria, especialmente diante dos setores mais combativos da sociedade.

Na melhor das alianças deve sempre existir uma relação de unidade e luta. Mesmo que nelas, corretamente, prevaleça o elemento unidade, a luta não pode desaparecer, sob pena de nos confundirmos com os aliados. Para esse perigo têm apontado os documentos partidários, desde a 9ª Conferência Nacional de 2003.

Outro antídoto elaborado pelo PCdoB está ligado à necessidade de manter prioritariamente as nossas atenções em três grandes segmentos sociais: trabalhadores, jovens e mulheres – e incluiria a intelectualidade progressista. É aqui que devem ser fincadas as raízes mais profundas do processo de construção partidária. E isso só é possível com um partido estreitamente vinculado às aspirações e às lutas desses segmentos. Para isso os principais instrumentos continuam sendo os sindicatos, as associações de moradores, as entidades estudantis e sociais. É somente participando dessas organizações, dirigindo-as e animando-as em suas lutas que temos condição de manter uma aproximação com esses elementos mais atuantes e combativos do nosso povo.

Aqui também a superestimação da participação institucional, em detrimento das demais linhas de acumulação, nos cria sérios obstáculos. Ela faz com que desapareçam gradualmente das nossas agendas os planejamentos visando à conquista ou mesmo à manutenção de sindicatos e entidades populares importantes. Essas questões passam a ser assunto exclusivo dos nossos sindicalistas ou do pessoal da União da Juventude Socialista (UJS), da União Brasileira de Mulheres (UBM), da Unegro. À direção partidária cabe prioritariamente discutir a próxima campanha eleitoral e controlar a participação dos comunistas nos governos. Os próprios órgãos dirigentes se esvaziam da função precípua de dirigir o conjunto do Partido. As reuniões dos organismos se tornam raras. Na prática, o Partido não dirige mais a ação institucional, é a ação institucional que passa a pautar o Partido.

Tais concepções são danosas ao processo de construção de um partido comunista. As grandes manifestações de junho devem nos servir de alerta e mostrar nossas deficiências. Quando milhões de pessoas saem às ruas, para dirigi-las, ou sobre elas ter alguma influência, é preciso ter inserção social; ou seja, é preciso ter bases organizadas e mobilizadas nas escolas, nos bairros, locais de trabalho e nos movimentos sociais. Sem isso, não se disputa a direção das ruas e fica-se refém do espontaneísmo das massas; ou pior, se é suplantado por outras correntes, mesmo que eleitoralmente pouco expressivas. É sempre bom lembrarmos que, em última instância, é nas ruas e nas praças que os destinos das revoluções, geralmente, são decididos.

*Augusto Buonicore é Membro do Comitê Central do PCdoB.