Andrêi Iliachenko: Afeganistão à beira do caos
No dia 1º de janeiro de 2015, o Afeganistão voltará a ser um país soberano depois de dizer adeus às tropas de ocupação dos EUA e do Pacto Militar do Atlântico Norte (Otan). Mas os objetivos da guerra lançada em retaliação aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 não foram atingidos.
Por Andrêi Iliachenko*, cientista político
Publicado 01/11/2013 19:26
Em 13 anos de ocupação, os EUA e seus aliados não conseguiram criar no país um regime estável, nem uma economia que pudesse alimentar a população ou um governo que fosse capaz de fazer frente aos talibãs. Como resultado, a guerra civil no Afeganistão pode continuar e levar o país ao caos.
Em outubro, um dos líderes do Taleban, Kari Nasrallah, anunciou que, até 2015, os talibãs restaurarão no Afeganistão o Emirado Islâmico. "Assim que as forças ocidentais deixarem o Afeganistão, a ordem antiga será reimplantada no país", disse Nasrallah. As ameaças têm razão de ser.
"A necessidade de retirar as tropas internacionais foi explicada pelo fato de que, até o final do próximo ano, as forças de segurança afegãs e o Exército afegão poderão assumir o controle da situação e ordem no país. Mas o que se observa é o contrário. Quanto mais se aproxima a data da retirada das tropas, aparecem mais provas de que as forças de segurança afegãs não estarão prontas", disse o chanceler russo Serguêi Lavrov à TV russa.
Os EUA não negam o fato. Caso contrário, não teriam imposto ao governo de Cabul um acordo de cooperação militar e estratégica segundo o qual EUA e Otan manterão no Afeganistão nove bases, com 10 mil homens.
Aparentemente, sua função será dar continuidade ao treinamento do exército e das forças de segurança afegãos, lançar ataques contra bases terroristas e, se necessário, apoiar o regime de Cabul, disse o especialista em assuntos afegãos, tenente-coronel Piotr Goncharov.
É óbvio que os EUA continuarão apoiando o governo de Cabul. No entanto, ainda não está claro quem chefiará o Afeganistão.
Por um lado, os contatos latentes e evidentes dos EUA com os talibãs não deram resultado. Os talibãs não foram sequer convidados para a Conferência de Bonn e de Tóquio sobre o Afeganistão.
Por outro, em 5 de abril de 2014, os afegãos irão às urnas para eleger o presidente do país. A única coisa que une mais de uma dezena de candidatos inscritos é a oposição ao Taleban.
Hamid Karzai abandona o cargo de presidente após ter cumprido integralmente seu mandato presidencial. No entanto, ele está interessado em ver à frente do país pessoas de sua equipe, ou mais exatamente seu irmão mais velho Qayum Karzai.
O primogênito está sendo apoiado pela máquina administrativa e tem chances de se eleger no Afeganistão, mas o problema é que os Karzai e seu clã têm fama de fantoches do Ocidente entre os afegãos.
Seu principal concorrente na disputa eleitoral é o ex-ministro das Relações Exteriores, Abdullah Abdullah, o segundo colocado nas eleições de 2009.
Abdullah não está comprometido com escândalos de corrupção e se apoia na elite tadjique, próxima das estruturas militares da Aliança do Norte. Entre seus aliados está Muhammad Khan, do Partido Islâmico do Afeganistão, que se opõe a qualquer presença militar estrangeira no país.
Outro favorito da corrida presidencial é Abdoul Rasoul Sayyaf. No entanto, para os EUA, teria sido Sayyaf a convidar, em 1996, Osama bin Laden a se refugiar no Afeganistão. Por outro lado, o candidato é apoiado pelo ex-guerrilheiro e atual político influente no oeste do Afeganistão, Ismail Khan.
Os militares norte-americanos dizem estar se preparando para uma "campanha de inverno" contra o Taleban, embora todas as operações militares anteriores tenham sido efetuadas nos meses quentes.
Até fevereiro do ano que vem, 30 mil soldados norte-americanos serão retirados do Afeganistão. Cerca de 20 mil vão ficar.
É lógico que, nessas circunstâncias, as forças antigovernistas tentem tomar o controle das regiões meridionais do país ou pelo menos fazer malograr o processo eleitoral no sul do Afeganistão.
Nesse caso, a já fraca legitimidade do governo de Cabul será posta em dúvida. A quem então vai ajudar o contingente de tropas americanas no país?
O que vem a seguir está contido em um estudo da situação no Afeganistão redigido por especialistas russos destacados em assuntos internacionais e representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, da Defesa e outros.
Os autores do relatório acreditam que, após a retirada das tropas dos EUA e da Otan, três destinos serão possíveis: a tomada do poder pelo Taleban, uma guerra civil prolongada e a divisão das esferas de influência entre o Taleban e o regime atual.
No entanto, a maioria dos especialistas considera que a divisão das esferas de influência é o roteiro mais provável, não descartando, contudo, o reforço das posições do Taleban e uma guerra civil em caso de deterioração drástica da situação no país. De fato, enfrentamos a previsão de colapso do país. A mesma coisa aconteceu no Iraque.
*Andrêi Iliachenko é analista político na rádio Voz da Rússia