XV de Novembro de Piracicaba relembra viagem à URSS

Ao completar seu centenário na última sexta-feira (15), o Esporte Clube XV de Novembro, da cidade paulista de Piracicaba, relembrou sua viagem à então União Soviética, em abril de 1964. O clube, de padrão modesto para o futebol brasileiro, fez uma excursão de 62 dias pela Europa, visitando países como Polônia, Suécia, Alemanha, Dinamarca e União Soviética.

Foi o primeiro clube brasileiro a jogar em gramados da Europa Socialista, em uma época em que se vivia um dos períodos mais tensos da Guerra Fria e o começo do regime militar no Brasil. A viagem teve início poucos dias depois do golpe militar de 1º de abril. Talvez por causa disso, o XV de Novembro não tenha sofrido nenhuma retaliação, já que a Ditadura estava em seu princípio.

No dia 21 de abril, o XV enfrentou a seleção soviética, no então estádio Lênin, situado na várzea do rio Moskva e construído para as festividades do 7º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, realizado 7 anos antes.

O encontro com os soviéticos – que dois anos depois terminariam o Mundial da Inglaterra na quarta colocação – deixou fortes recordações no goleiro Orlando, que lembra vividamente do goleiro da seleção soviética Lev Yashin, tido como o melhor goleiro de todos os tempos: "Ele era mais alto que eu, deveria ter 1,95m. Era uma pessoa maravilhosa, nós não nos entendíamos, por causa do idioma, mas ele era muito simpático", disse o goleiro ao site de notícias esportivas americano ESPN.

O frio da primavera na Rússia surpreendeu o time, que estava acostumado com o outuno tórrido do interior de São Paulo: "Saímos daqui com 30 graus e não estávamos preparados para lá, ficamos totalmente congelados. No começo, a gente só perdia. Até esquentar, já estava 2 a 0".

Orlando conta que o time foi visitado por vários brasileiros, inclusive membros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que moravam em Moscou naquela época. Dois anos após a reformulação, vários estudantes que estavam em Moscou há anos e que eram filiados ao partido foram retidos pelo governo revisionista de Khruchov, porque o PCdoB não se alinhava com a nova política reformista do Partido Comunista da União Soviética.

O presidente do clube, um anticomunista convicto e que anos depois iria implantar um regime de semi-escravidão no XV, pagando salários baixíssimos aos jogadores em troca de bonificações mais altas (o popular bicho) e fora da esfera de cobrança do imposto de renda, criticava as instalações e a "aparente" pobreza em que viviam os soviéticos, omitindo de dizer que o país havia sido dilacerado na Segunda Guerra Mundial, perdendo mais de 25 milhões de habitantes, além da destruição completa de mais de 1.200 cidades.

Na época, apesar da supremacia em vários campos, como no siderúrgico e no espacial, a União Soviética estava se recuperando ainda dos danos da Guerra, que fizeram sua economia – em 1945 – voltar a apresntar índices estatísticos dos anos 1920, por conta da invasão nazista.

O XV de Piracicaba acabou jogando em mais quatro repúblicas soviéticas, além da Rússia. Os jogadores conheceram a então Moldávia (atualmente Moldova), o Uzbequistão, o Casaquistão e a Ucrânia.

O goleiro Orlando conta um episódio interessante também, que aconteceu durante a passagem do time pela Polônia. Religioso, o jogador quis ir a uma igreja católica rezar. Ao contrário do que dizia a propaganda anticomunista, as religiões eram livres no país e não faltavam igrejas abertas e que atuavam como verdadeiros centros de difusão da ideologia capitalista, contra o sistema econômico vigente no país.

Orlando, negro que é, conta que entrou em uma igreja para rezar e que ela ficou lotada. "Eu saí, mas o pessoal foi atrás de mim. Precisou a polícia me retirar para dentro do hotel, porque virei atração", diz Orlando, surpreendido com os poloneses, que, segundo ele, não estavam acostumados a verem pessoas negras.

Com informações da ESPN