Carlos Lopes Pereira: Álvaro Cunhal e as lutas em África
No final dos anos 80 do século 20, há quase duas décadas e meia, Álvaro Cunhal expressou a opinião de que é possível uma via de desenvolvimento não capitalista para os países de África e a edificação de sociedades socialistas nesse continente.
Por Carlos Lopes Pereira, no jornal Avante!
Publicado 22/11/2013 14:45
“Penso que não só é possível como é a única opção a médio e longo prazo para que os povos africanos possam assegurar o desenvolvimento econômico e social correspondente aos seus interesses e aspirações. Além disso, em um mundo em que se acentua a divisão internacional do trabalho com peso dominante da alta finança e das grandes empresas capitalistas multinacionais, o desenvolvimento capitalista em países cujo estádio de desenvolvimento económico é extraordinariamente mais atrasado significa a criação ou reforço de laços neocolonialistas e fortes limitações à independência e soberania nacionais”, afirmou em agosto de 1989 o então secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP).
Numa entrevista ao quinzenário cabo-verdiano Tribuna, Álvaro Cunhal considerou que, também na África, “o caminho para o socialismo é sem dúvida extremamente complexo, tanto por fatores objetivos como subjetivos, tanto por fatores internos como externos, de natureza económica, social e política”. Avisou que “não será certamente adequado pretender copiar qualquer modelo de construção de socialismo em condições completamente diferentes”. E concluiu que “a grande tarefa que se coloca a forças que ponham como objetivo a construção do socialismo nos seus países é descobrir com criatividade revolucionária os caminhos e soluções para, ainda que num processo irregular, construir uma sociedade sem exploração do homem pelo homem, uma sociedade onde sejam progressivamente eliminadas a opressão e as injustiças sociais”.
O dirigente comunista abordou também as relações históricas entre o PCP e as organizações nacionalistas africanas: “A amizade, fraternidade, solidariedade e cooperação combativa com os movimentos de libertação nacional das antigas colónias portuguesas inscrevem-se como princípios de ouro do Partido Comunista Português e do próprio povo português. A íntima associação da luta contra o colonialismo e contra o fascismo tornou possível a confluência de históricas vitórias comuns coroando a heroica luta dos nossos povos: a libertação do povo português da ditadura fascista com a Revolução de Abril de 1974 e a conquista da independência pelos povos então submetidos ao jugo colonial português. As relações de amizade e cooperação do PCP com o PAIGC, o MPLA e a Frelimo foram constantes e fraternais desde a criação destes movimentos de libertação. Nessas relações se inscreveram os numerosos encontros, a ajuda recíproca e o estabelecimento de uma profunda confiança dos dirigentes do PCP com Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel e outros dirigentes dos movimentos de libertação. Pela minha parte conservo recordações inolvidáveis de muitos anos de cooperação, de combate, de camaradagem e de amizade fraternal”.
Confiança no futuro
Nessa longa e interessante entrevista ao jornal de Cabo Verde, Álvaro Cunhal elogiou Cabral, contou com pormenores o processo da saída de Neto de Portugal, em 1962, enalteceu as lutas dos povos da África Austral contra o apartheid apoiado pelo imperialismo norte-americano e – em vésperas da desintegração da União Soviética – manifestou a sua “inabalável convicção” no futuro do socialismo e na validade do marxismo-leninismo.
Sobre o relacionamento do PCP com os partidos no poder nos países africanos de expressão lusófona, e entre estados, deixou palavras que surpreendem pela sua atualidade: “Continuam a ser relações de amizade e solidariedade. Há sólidas razões para que assim seja. É uma verdade incontestável que os comunistas portugueses são em Portugal os melhores, mais sinceros e coerentes amigos dos povos dos novos países africanos. Estamos ao vosso lado, na construção da nova sociedade, na defesa das vossas opções e da vossa independência. A conjugação da luta dos nossos povos que culminou com a Revolução de Abril em Portugal e a conquista da independência dos povos das antigas colónias portuguesas, criou um momento histórico único que abriu extraordinárias possibilidades a uma era de cooperação entre os nossos países. Se isso não aconteceu deveu-se sobretudo ao facto de que os interesses do grande capital e o saudosismo colonialista têm determinado em larga medida a política africana dos governos em Portugal”.
Para Álvaro Cunhal, “nós, comunistas, lutamos para que as relações políticas, econômicas, sociais e culturais entre Portugal e os novos países se desenvolvam na base da igualdade, da reciprocidade, da não ingerência, do inteiro respeito pela soberania”.
*Carlos Lopes Pereira é jornalista do Avante!, jornal do Partido Comunista Português