Diplomacia entre Irã e G5+1 tem impacto direto na política global

Neste domingo (24), o anúncio de um acordo entre o Irã e o Grupo 5+1 foi, em geral, bem recebido. Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China (membros do Conselho do Segurança), em conjunto com a Alemanha, em negociações com o Irã, concordaram com o alívio das sanções impostas há décadas à economia persa, enquanto o governo do presidente Hassan Rohani compromete-se com dois passos fundamentais relativos ao seu programa nuclear.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho

G5+1 e Irã - AP Photo

Após décadas de construção midiática de um Irã ameaçador e radical, chegou o momento de noticiar sobre um governo persa diplomático e conciliador.

O acordo anunciado centra-se nos seguintes aspectos: a equipe persa, liderada pelo chanceler Mohamad Javad Zardari, concordou com a redução no enriquecimento de urânio e com a permissão de maior acesso a instalações nucleares pelos inspetores internacionais, enquanto o Ocidente compromete-se a aliviar as sanções contra o Irã, descongelando uma parte dos seus recursos no exterior e suspendendo um novo pacote de medidas deste gênero.

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Frente às reações histéricas de Israel, que há muito vem vociferando, através da mídia internacional, sobre as “ameaças” da aproximação e de um “mau acordo” com o Irã, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, tenta tranquilizar seu aliado número um com garantias de que ele poderá sentir-se mais seguro.

Além disso, até mesmo comentaristas proeminentes da política israelense mais moderada tentam argumentar que esta pode até ser uma boa ideia, mas o governo do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e setores mais agressivos continuam tratando da questão como um agouro de catástrofe, da qual Israel será a principal vítima.

Principais pontos do acordo

O Irã comprometeu-se a suspender o enriquecimento de urânio para além de 5% e a neutralizar o estoque que já enriqueceu a níveis mais altos.

Os persas também darão mais acesso aos inspetores internacionais da AIEA, inclusive com entradas diárias em duas das suas principais instalações nucleares, Natanz e Fordo. Além disso, não haverá maiores desenvolvimentos da planta nuclear de Arak, que as potências ocidentais dizem acreditar servir para a produção de plutônio.

Em troca, não serão lançadas novas sanções relativas ao programa nuclear contra o Irã, enquanto o país se ativer aos termos do acordo, e um alívio das sanções já impostas permitirá aos persas o acesso a sete bilhões de dólares (15,5 bilhões de reais) em setores que incluem o de metais preciosos.

Além disso, Laurent Fabius, chanceler da França (que vinha pressionando por termos mais duros contra o Irã, mas acabou cedendo), disse à emissora britânica BBC que a União Europeia (UE) também poderá aliviar algumas das suas sanções no próximo mês.

Um concerto temporário, cuja duração deve ser de seis meses, que oferece um “início de bom caminho” a seguir, como disse o próprio líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei.

Histórico de medidas coercivas e impactos centrais

A República Islâmica do Irã tem se dedicado há décadas a negociações infindáveis e se submetido a inspeções regulares da AIEA, de que é membro desde 1959.

Entretanto, isso não eximiu o país das sanções devastadoras introduzidas pelos Estados Unidos em 1979, quando a Revolução Islâmica derrubou um regime monárquico autocrático, governado pelo xá Mohammed Reza Pahlavi, cuja família era historicamente apoiada pelos estadunidenses. Uma revolução popular e nacionalista, liderada pelos xiitas, passou a ser contada, pela mídia, como o agouro de uma era de extremos.

Depois dos Estados Unidos, que renova e expande as sanções impostas ao Irã regularmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a União Europeia (UE) também entraram no jogo em 2006 e 2010, respectivamente. Medidas de coerção visavam à punição dos persas através da sua indústria petrolífera e do sistema financeiro, por exemplo, com o congelamento de capitais persas no exterior.

O motivo: um programa nuclear sobre o qual um temor paranoico foi assentado na ameaça de “terrorismo” e de “fundamentalismo” religioso, construído cuidadosa e paulatinamente pela mídia ocidental, sobretudo a estadunidense.

Entre 2006 e 2010, a ONU emitiu quatro rodadas de resoluções contra o Irã, centradas especialmente no congelamento de bens persas e na restrição de viagens a outros países para entidades e membros ligados a “atividades nucleares”, além de sanções comerciais e ao sistema bancário. A justificativa era a “recusa” em suspender o enriquecimento de urânio.

Já a UE, que tomou medidas do gênero entre 2010 e 2012, afetou também a cooperação técnica com o Irã no setor da tecnologia de produção petrolífera, depois no congelamento de bens do banco central persa, de cerca de 240 entidades e dezenas de indivíduos. A última rodada, em 2012, incluiu o banimento da importação de petróleo persa.

Os EUA, que impõem restrições comerciais fundamentais contra o país desde 1979, também aprofunda sanções regularmente. Nos últimos anos, os setores e atividades persas afetadas pelas medidas incluíram transações financeiras de bancos iranianos, o comércio de petróleo, a indústria automotiva, e a própria moeda persa, além da extensão das sanções contra entidades e companhias terceiras (não estadunidenses) que comercializassem petróleo com os alvos persas.

Para diversos analistas da política internacional, o histórico de sanções teve consequências profundas na economia persa, fundamentalmente ligada ao setor petrolífero, e afetou diretamente o comércio energético internacional, uma vez que os preços do petróleo sofrem consequências significativas da crise política e do clima de tensão especulado.

Exemplo disso foi a redução dos preços já verificada nesta segunda-feira (25), após o anúncio de um acordo que pode ser interpretado como uma melhoria das condições no comércio internacional. Mesmo sob sanções, o Irã é o quarto produtor mundial de petróleo, representando quase 5% do total global (com 4,23 milhões de barris por dia), atrás apenas da Rússia, da Arábia Saudita e dos Estados Unidos.