Missão brasileira visita Partido Comunista Libanês em Beirute
Cumprindo decisão do Comitê de Solidariedade ao Povo da Síria, a missão de solidariedade de brasileiros que empreendeu viagem à República Árabe da Síria fez escala de dois dias em Beirute, para reuniões e contatos previamente agendados, além de uma visita aos históricos acampamentos de refugiados palestinos de Sabra & Shatila, onde, em 18 de setembro de 1982, apoiados por Israel, 3,5 mil palestinos foram brutalmente assassinados.
Por Lejeune Mirhan*
Publicado 11/12/2013 15:52
Eis meu pequeno relato sobre a visita que fizemos ao PC libanês. A delegação brasileira de seis pessoas chegou à fronteira da Síria com o Líbano, pontualmente às 13h do dia 29 de novembro, por coincidência, Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino.
Preparamo-nos para uma longa viagem, onde almoçaríamos no caminho em um dos melhores restaurantes árabe do Líbano, chamado Baitna que fica na cidade de Baruk, nas montanhas do Chouf. O camarada Khaled Mahassen é profundo conhecedor daquela região.
Nosso objetivo era chegarmos na capital e irmos direto ao hotel, mas tivemos que mudar de planos. A reunião com o Comitê Central do Partido Comunista Libanês, agendada para as 18h, acabou tendo início às 19h, e nós fomos direto à sede do Partido, os quatro comunistas que integram a Missão. Faço breve relato da reunião bilateral, que contou com as presenças dos camarada Edson de Paula, Caio Botelho e do próprio Khaled Mahassen, que nos auxiliou na tradução.
O PC Libanês
O PC Libanês é o mais antigo partido comunista fundado no mundo árabe. Nasceu em 1924, quando ainda unificado com o PC da Síria. É também o mais respeitado e organiza o Fórum da Esquerda Árabe. Mantém com o nosso PCdoB uma relação de amizade fraterna, sendo que temos trocado representações em todos os nossos últimos congressos.
A reunião durou duas horas e foi bastante produtiva. Estivemos com o secretário-geral do Partido, Khaled Hadada, com a secretário de Relações Internacionais e secretária-geral adjunta, Marie Nassif Debs, com Hassan Ismail, professor catedrático de literatura francesa da Universidade de Beirute e presidente da Fise, órgão da FSM para professores; Castro Abdallah, presidente da FENASOL, uma das maiores federações sindicais do país e Rabiah Dayraki, editor da revista teórica do Partido.
Após os agradecimentos pela visita da delegação comunista do PCdoB, deixamos com eles cópias em árabe do Manifesto em Solidariedade ao Povo da Síria, na versão árabe, que entregamos em Damasco para as entidades e autoridades governamentais, além de cópia em árabe de artigo longo que escrevi com Khaled e José Farhat, publicada na última edição da revista Princípios.
A competente tradução foi feita pelo meu ex-professor de língua árabe e amigo, George Khoury, do consulado da Síria e tradutor juramentado, onde tratamos do conflito da Síria e o surgimento de um mundo multipolar.
Os camaradas registraram a importância que o Brasil tem desempenhado na conjuntura internacional, em especial quando o apoia a causa árabe, em particular a síria e libanesa. Após essa introdução, o SG Khaled passou a fazer uma análise de conjuntura libanesa.
País vive situação de vácuo de poder há sete meses
O 1º ministro renunciou, mas um novo governo não consegue ser formado. Além do que, ano que vem vence o mandato do presidente Michel Suleiman. Novas eleições precisam ocorrer. No entanto, foi duramente criticado o modelo eleitoral, que divide o país e as vagas no parlamento em cotas por religião.
São ao todo 18 religiões. Os comunistas, se quiserem um dia ser eleitos deputados federais, precisam se candidatar por uma dessas vagas religiosas. Essa divisão sectária beneficia e interessa à elite burguesa dominante no país.
Mesmo que ocorram eleições presidenciais em maio, muito depende do que vai ocorrer na Síria, que também tem eleições marcadas para essa data. As dificuldades econômicas no país são imensas. A inflação é elevada e retira poder de compra dos salários dos trabalhadores. O país vive há dez anos sem ter um orçamento formalmente aprovado pelo parlamento.
A situação libanesa é particularmente especial pelo fato que a conjuntura regional interfere na vida interna do país. Por dois motivos. Um pela fronteira com o estado sionista de Israel, no Sul do país e outra pela imensidão de refugiados que vivem de forma precária na Capital e outras grandes cidades.
Estima-se que só de palestinos sejam meio milhão e agora de três anos para cá, fala-se em um milhão e meio de sírios refugiados. Assim, em um país com quatro milhões de libaneses, temos dois milhões de refugiados. Grosso modo seria como se nosso brasil, com 200 milhões de habitantes, abrigasse cem milhões de refugiados! Fica difícil viver assim.
Quando Israel invadiu o sul do Líbano e chegou até Beirute, a capital – aliás a segunda capital que ocuparam, sendo a primeira Jerusalém, em 1967 – o Partido fundou a Frente Nacional Patriótica da Resistência Libanesa. Dois anos depois, em 1984, o Hezbollah foi fundado, e a partir de 1985 teve início da guerra de guerrilhas contra a ocupação do sul do país. Essa batalha durou 15 anos e se encerra em 25 de maio de 2000, quando o exército israelense, derrotado, teve que desocupar a região. Registramos que a expulsão da capital Beirute em 1984 foi feito pela FNPRL, sob a direção dos comunistas.
Mencionam três questões que constam sempre da agenda do Partido. A primeira é o constante enfrentamento com a intervenção estrangeira, apoiada pelo imperialismo. A segunda, é a posição dos países árabes membro da Liga Árabe, na sua maioria aliados dos EUA. E a última, a questão islâmica.
Os comunistas libaneses veem a chamada “primavera árabe” como resultado de um amadurecimento revolucionário na região. Essas revoluções foram sequestradas pela Irmandade Muçulmana, que teve apoio dos EUA. Registram que Obama fez uma aliança preferencial com o setor da religião islâmica chamada Irmandade Muçulmana, estimulada pela Turquia e Arábia Saudita. Por isso tudo fazem para derrotar a Síria, que é apoiada pelo Irã e Iraque, além do Hezbollah.
Mencionaram um sequestro explícito das revoluções que ocorreram na Tunísia e no Egito, que tomou um rumo completamente diferente, onde venceram partidos islâmicos radicais, apoiados pelos EUA e sauditas. A Fraternidade muçulmana, fundada em 1928, organização profundamente anticomunista, nunca teve condições de governar o Egito. Veem com apreensão as possibilidades de mudanças perigosas na região.
Ainda que apoiem o povo sírio em sua resistência contra os ataques terroristas, registram críticas ao governo do presidente Bashar que, desde início de 2010, poderia ter feito amplas reformas e evitado chegar a crise atual. aplicou durante muito tempo um modelo neoliberal, ainda que venha fazendo mudanças na sua orientação econômica. O povo vivia em extremas dificuldades e o imperialismo se aproveitou dessa situação. O governo central demorou para iniciar um diálogo nacional. O caminho para a vitória será ainda longo.
Por fim, comentaram o recente acordo nuclear provisório do Irã com o P5 + 1 (membros do CS da ONU mais a Alemanha). Os comunistas libaneses não veem motivos para grandes comemorações. Mencionam que a crise econômica que afetam ambos os países – Irã e EUA – acabou levando ao acordo.
O PC Libanês é praticamente o único partido de esquerda legalizado no Líbano. Há duas outras organizações que se apresentam como de esquerda, mas não são partidos. Mencionaram a existência de 17 partidos políticos. Os comunistas não participam da coligação “8 de Março”, que governa o Líbano, integrada pelo Hezbolláh, Amal e MPL (Movimento Patriótico Livre, cristão do general Michel Aoun) e apoiada pelo PSL, socialista de Walid Jumblat.
Os comunistas defendem três pontos: mudanças profundas no sistema eleitoral (proporcionalidade); resistência à Israel e desenvolvimento econômico e social do Líbano. Um programa mínimo que levam e apresentam às outras forças políticas do país.
Após importante reunião bilateral, onde mais ouvimos que falamos, fizemos as devidas fotos de praxe e depois os comunistas nos convidaram para um jantar – árabe, é claro – em Beirute. Par nós comunistas brasileiros, uma noite inesquecível.
*Lejeune Mirhan é sociólogo e colaborador do Portal Vermelho