Esquerda da Itália deve fortalecer a mobilização, diz comunista

Em entrevista ao Portal Vermelho, concedida durante o 13º Congresso do PCdoB, realizado em São Paulo no mês de novembro, o representante do Partido dos Comunistas Italianos (PdCI) Francesco Maringiò abordou a crise na Europa, o atual contexto político italiano e os esforços pelo fortalecimento da esquerda na luta pela manutenção da soberania e pela proteção da Constituição, atualmente sob ameaça das forças de direita, cúmplices da pressão exterior.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho

Manifestação anti-arrocho na Itália - Giorgio Cosulich/Getty Images

Perguntado a respeito da perspectiva comunista italiana sobre a crise que assola a Europa e o seu país, Maringiò comparou a situação à crise da década de 1930. “Esta será mais profunda e durará mais tempo, e o problema para a Itália e outros países do sul da Europa é a destruição e o desmantelamento total das forças produtivas.”

Maringiò fez uma ressalva sobre a encomia da Alemanha e comparou-a com as dos países mais afetados pela crise no continente, tomando como referência também o período da chamada “reunificação da Alemanha”, há mais de 20 anos.

“Na realidade, não houve um processo de unificação, mas de anexação do leste pelo lado ocidental. Um camarada do nosso partido, que é chefe da secretaria de Economia do PdCI, acaba de publicar um livro sobre este tema, chamado ‘Anschluss’, a palavra alemã para ‘anexação’.”

O livro “Anschluss, Anexação: A Unificação da Alemanha e o Futuro da Europa”, do economista comunista Vladimiro Giacché, aborda a dissolução da economia do leste e a anexação ao oeste, fazendo a correlação com a análise atual da economia dos países do sul europeu, gradualmente anexados ao capitalismo alemão.

“Este processo avança através da dissolução e da destruição das economias nacionais, o que evidencia a importância da luta pela soberania dos países,” diz Maringiò.

Entretanto, ele ressalva: isso não significa a busca pelo encerramento dentro das fronteiras nacionais. “Na era da globalização, isso é impossível. É preciso manter e proteger as nossas forças produtivas, fazendo uma aliança com as chamadas economias emergentes, como o Brics, para mudar a balança de poder.”

Sem esse processo, diz Maringiò, “o que acontecerá na Itália e em outros países europeus será a real dissolução de qualquer tipo de conquista,” um desafio também posto pela articulação das forças de direita empenhadas no cumprimento da agenda conservadora e de arrocho.

Disputa política e ataque à Constituição

Poucos dias antes da entrevista, o partido do ex-premiê italiano Silvio Berlusconi, o Forza Italia – recentemente relançado por ele – ficou dividido: a direita mais radical, liderada por Berlusconi, e a centro-direita, representada pelo grupo do antigo Partido da Liberdade.

Este grupo acabou por organizar uma nova representação no Parlamento para manter o apoio ao governo na Grande Coalizão, da qual também faz parte o Partido Democrático, “socialdemocrata”.

A divisão, para Maringiò, é negativa. “Não significa que as forças de direita estão desestabilizadas ou enfraquecidas, mas que o poder econômico e político no país está conseguindo estabilizar a situação, colocando os partidos de direita fora do controle de Berlusconi, enquanto o Partido Democrático tenta manter uma coalizão que segue a agenda da troika”, ou seja, os programas de arrocho dos credores internacionais: Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia.

“Isso continua a significar a privatização e a dissolução do Estado de bem-estar social”, explica. O contexto, para os comunistas italianos, representa um grande risco para a democracia italiana, extremado ainda na proposta de mudança da Constituição.

“A Constituição italiana, escrita após a Segunda Guerra Mundial, é a mais avançada e progressista do mundo, seja nos princípios teóricos ou na sua organização, mas suas formulações nunca foram completamente implementadas”, afirma.

O documento pode ser mudado em diversos pontos, de acordo com a proposta de um dos infames relatórios do banco e “prestador de serviços financeiros” JP Morgan, que chegou a considerar as constituições da Europa Ocidental “demasiado antifascistas”, que mostram o poder da esquerda no pós-Segunda Guerra. Por isso, afirma o relatório, e porque “o equilíbrio de poder mudou, eles precisam mudar as suas constituições.”

Isso significa o enfraquecimento da Assembleia Parlamentar e o aumento do poder, especificamente, do primeiro-ministro e do presidente, explica Maringiò. Além disso, a proposta também inclui a redução dos direitos trabalhistas, já que “a situação econômica mudou” e seria preciso maior “flexibilidade”.

“O projeto, na realidade, é o desmantelamento da Constituição e a redução dos direitos dos trabalhadores para o barateamento da força de trabalho e a redução das liberdades,” explica, dando como exemplo a organização de greves. Para ele, trata-se da redução da democracia, ou a institucionalização de uma “verdadeira democracia burguesa”.

Acumulação de forças de esquerda

O PdCI busca, neste sentido, uma estratégia de unidade, de acumulação de forças de esquerda, principalmente porque a gestão da crise, pelas classes dominantes, é extremamente dura. Para Maringiò, a perda de dignidade para os italianos é evidente, num contexto de crise persistente.

A diferença, com relação a outros países, é que na Itália falta uma reação massiva e firme, diz. “Na nossa análise, os sindicatos estão demasiado ligados e dependentes do atual governo e, para não criar problemas, não organizam o povo. Ao contrário da Itália, na Grécia, em Portugal, na Espanha e na França, apesar da crise, há um aumento da consciência através da luta e da participação de massa.”

Por esta razão, explica, “a crise da esquerda, e especialmente do comunismo, é muito profunda na Itália. Não há condições favoráveis para aumentar a nossa perspectiva, para falar com a maioria das pessoas, já que muitos não participam das mobilizações.”

Na Itália há dois partidos comunistas, o PdCI e o Rifondazione Comunista, além de vários outros grupos menores. “Nós, juntos, estamos trabalhando para rejeitar o plano de ataque à Constituição, não só como comunistas, mas em cooperação com outras forças de esquerda,” conta Maringiò.

Em setembro, uma grande manifestação em Roma reuniu os partidos de esquerda, as associações, movimentos sociais e os sindicatos em defesa da Constituição, considerada por Maringiò como a principal tarefa da atualidade, assim como a busca pelo fim da crise, com uma proposta concreta para esta saída.

“A presença da esquerda é bastante insuficiente na Itália, do ponto de vista eleitoral, na luta pela solução e na influência sobre a sociedade, desde uma perspectiva cultural,” explica.

“O nosso projeto para o fortalecimento dessas condições é o processo de unificação dos partidos comunistas – o que traz desafios políticos e ideológicos – para afirmar a nossa organização, e também a promoção da unidade de esquerda.”

A organização da manifestação de setembro, diz Maringiò, deveria ser considerada um exemplo da unidade de esquerda “por propostas concertas, para alcançarmos desafios importantes e para nos unirmos e construir uma frente.”

“Temos que construir este processo passo a passo, para consolidá-lo. Precisamos mudar, fortalecer a esquerda e avançar na mentalidade do povo, que ainda não se empenha na luta social. Se continuarmos como pequenas organizações, enfraquecidos, nos faltará credibilidade, ainda que tenhamos propostas firmes.”

Solidariedade internacionalista

O PdCI também esteve no 15º Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários, realizado em novembro último, em Lisboa, em que participou dos debates sobre a reconstrução de um movimento comunista internacional. Os desafios são históricos, “sobretudo após a grande derrota soviética da década de 1990.”

A proposta do encontro, explica, não é a construção de uma nova Internacional, mas a aproximação dos partidos comunistas de todo o mundo para debater e compartilhar opiniões sobre a construção da solidariedade e da ação internacional.

“Acreditamos que precisamos reconstruir um movimento comunista e revolucionário, que inclua outros partidos progressistas, com análises marxistas e abordagens anti-imperialistas. Mas nesta construção, a reunião é um espaço importante para a aproximação desses partidos, para avançar nas propostas.”

Não se trata de um processo simples, ressalva. “A proposta de gestão dessas reuniões reconhece que não temos condições de construir uma nova Internacional, mas nossas análises devem ser focadas nos tópicos que compartilhamos, nas agendas e atividades comuns entre nós, e não nas nossas diferenças.”

Por isso, explica Maringiò, a convergência evidencia-se justamente no empenho pelo fortalecimento do processo de aproximação entre os partidos. O Partido Comunista Português, anfitrião do encontro, “fez um excelente trabalho, organizando um encontro bastante representativo e com a participação de partidos de várias partes do mundo,” diz ele.