Adilson Araújo: Uma herança perversa do neoliberalismo tucano

As centrais sindicais brasileiras estão unidas na luta pelo fim do fator previdenciário, que para todos nós significa a indispensável reparação de uma grande injustiça praticada contra a classe trabalhadora brasileira pelo governo FHC.

Por Adilson Araújo, presidente da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)*  


Instituído através da Lei 9.875/99, em 1999, quando o neoliberalismo por aqui andava a todo vapor, o fator é uma fórmula, atualizada anualmente, que foi criada com o descarado propósito de arrochar e desestimular as aposentadorias.

Trata-se de um mecanismo de espoliação dos aposentados, que hoje reduz em mais de 50% o valor dos benefícios previdenciários. Não custa lembrar, a este respeito, que o líder tucano chegou a classificar aposentados de “vagabundos” e nunca ocultou sua hostilidade e desprezo pela classe trabalhadora. Iniciou seu governo tentando quebrar a espinha dorsal do sindicalismo nacional, a exemplo do que fez Margareth Thatcher, a dama de ferro, na Inglaterra.

Começou mobilizando as Forças Armadas para reprimir a greve dos petroleiros, em 1995. Flexibilizou a legislação trabalhista. Promoveu inúmeras maldades contra o povo trabalhador e a nação. Entre elas, o fator previdenciário. Desde o primeiro momento, o movimento sindical brasileiro e seus aliados condenaram o mecanismo e mobilizaram suas forças para resgatar as normas originais que orientavam a aquisição do sagrado direito à aposentadoria.

O senador Paulo Paim, que considera o fator previdenciário “o maior crime cometido contra a classe trabalhadora em todos os tempos”, elaborou um projeto (PL 3299/08) que põe fim ao odioso redutor e restabelece as regras vigentes antes de sua instituição. A proposta foi aprovada em 2009 nas duas casas do Congresso Nacional, porém acabou vetada pelo ex-presidente Lula, o que provocou grande frustração entre os trabalhadores e as trabalhadoras.

As centrais sindicais, que apoiaram massivamente a eleição de Lula e também de Dilma, alimentavam a esperança de que os governos liderados pelo PT, partido que em passado recente se opôs radicalmente ao fator previdenciário, caminhariam naturalmente para a remoção deste e de outros entulhos legados pelo neoliberalismo tucano.

Mas infelizmente não foi isto que ocorreu. O governo de centro-esquerda acabou capitulando à pressão da oligarquia financeira e manteve o mecanismo de espoliação das aposentadorias. A persistência do fator e a intolerância do Executivo encontram explicação na política econômica conservadora (especialmente na área fiscal), subordinada aos interesses do capital financeiro desde a famosa Carta aos Brasileiros, de junho de 2002.

O Estado nacional dedica mais de 5% do PIB ao pagamento dos juros extorsivos da dívida pública, valorizando o capital que se alimenta de juros e da especulação. Nada menos que 47% do Orçamento da União em 2013 desperdiçada nesta finalidade improdutiva. A situação tende a piorar após as recentes elevações da taxa básica de juros (Selic). Não sobra dinheiro para atender as demandas do povo.

Apesar da carga tributária elevada e regressiva, faltam verbas para saúde, educação, habitação, transportes e infraestrutura em geral. Aposentados e pensionistas que recebem acima do mínimo, embora já não sejam chamados de vagabundos, continuam acumulando perdas e com o valor dos benefícios defasados, uma vez que não são reajustados pelo mesmo índice do salário mínimo.
As centrais também lutam pela recomposição do valor desses benefícios. Nada obstante, apesar de Lula e Dilma terem sido eleito com massivo apoio dos movimentos sindical e sociais, infelizmente as demandas populares sociais não encontram eco no governo, já que esbarram nas restrições e limites impostos pela política econômica, fundada na austeridade fiscal e realização de superávits primários, juros altos e câmbio flutuante.

As desonerações da folha de pagamento para vários ramos da indústria, contemplando demanda do empresariado contra os interesses dos assalariados e a posição do sindicalismo, contribuíram para enrijecer um pouco mais a posição do governo. Uma vez que a receita do INSS está caindo em função da renúncia fiscal, promovida em nome do desenvolvimento, o Palácio do Planalto tornou-se ainda mais arredio ao fim do redutor das aposentadorias.

Desaposentação, necessidade e direito

No dia 9 de outubro, a Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados rejeitou o projeto de lei do deputado Cleber Verde (PRB-MA) que estabelecia e normatizava o direito à desaposentadoria ou desaposentação. A matéria foi arquivada, pois tramitava em caráter terminativo na comissão. Foi mais um revés da classe trabalhadora no Parlamento.

A desaposentação é a possibilidade ou o direito de renúncia ou cancelamento de uma aposentadoria para obter outra mais vantajosa por parte de quem deseja continuar trabalhando depois de obter o benefício previdenciário. Neste caso, como também continua contribuindo para o INSS, o assalariado entra com um pedido de novo cálculo do valor da aposentadoria.

Estima-se que um em cada três aposentados continua na ativa e que mais de 100 mil ações tramitam na Justiça reivindicando tal direito, aguardando um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal (STF). A posição da Justiça tem sido dúbia em relação a esta demanda trabalhista, com alguns juízes favoráveis à classe e outros nem tanto. Daí a necessidade de uma legislação clara, que não deixe margens a dúvidas.

Os trabalhadores e trabalhadoras retornam à ativa depois de adquirir o benefício previdenciário por duas razões principais: a capacidade produtiva, ampliada pelo aumento da expectativa de vida e o baixo valor das aposentadorias. O fator previdenciário, ao reduzir o valor das aposentadorias, é apontado por muitos analistas como a principal razão para a desaposentação. Esta se transformou numa necessidade para muitos e merece adquirir, na opinião da CTB e do movimento sindical, o estatuto de direito.

Também neste tema é o governo quem mais se opõe ao direito reivindicado pelos assalariados. Na CFT quem liderou a oposição ao projeto, a mando do governo, foi o deputado Zeca Dirceu, do PT-PR. E a razão de Estado, no caso, é a mesma arguida em relação ao fator previdenciário: a restrição fiscal imposta pela política macroeconômica, ou mais precisamente pela necessidade sacralizada de honrar os compromissos com os credores da dívida pública.

Ao lado das demais centrais sindicais, a CTB não abrirá mão da luta pela reparação da injustiça histórica contra aposentados e trabalhadores legada pelo neoliberalismo tucano. Temos consciência de que o orçamento da União não é alheio nem indiferente à luta de classes e de que ampliando a mobilização das bases e intensificando a pressão popular podemos alcançar nossos objetivos. Não vamos poupar esforços para conquistar o fim do fator previdenciário e também o direito à desaposentação.

Temos consciência de que o principal obstáculo às nossas demandas neste e noutros terrenos (como os 10% do PIB para a educação e 10% do Orçamento da União para o SUS) é a atual política macroeconômica e estamos dispostos a batalhar pela redução dos juros, fim do superávit primário, controle do câmbio e do fluxo de capitais, bem como a forte taxação das remessas de lucros e criação de um fundo público de investimentos em saúde, educação e infraestrutura.

Ao lado das demais centrais, a CTB luta pela concretização da agenda da 2ª Conclat por um novo projeto nacional de desenvolvimento orientado por três valores básicos: a valorização do trabalho, a soberania e a democracia. O que tem sustentando o emprego e impedido a economia brasileira de resvalar para a recessão é o aumento da renda e do consumo do povo, ou seja, da classe trabalhadora, propiciado pela política de valorização do salário mínimo, transferência de renda aos mais pobres e elevação do nível de emprego, assim como pela luta das categorias por aumento real e ampliação dos benefícios sociais.

Lutamos com a convicção de que a valorização do trabalho é uma fonte e, em muitos casos, também uma condição para o desenvolvimento nacional, ao passo que a valorização do capital que rende juros compromete o crescimento da economia, exacerba a concentração da renda e impede o atendimento das demandas levantadas nas jornadas de junho.

O fim do fator previdenciário, bandeira unitária e já histórica do movimento sindical, estimulará o mercado interno, ampliando a capacidade de consumo dos trabalhadores e motivando a expansão do PIB, mas antes de tudo é a reparação de uma cruel injustiça contra nossa classe trabalhadora, a remoção de um odioso entulho neoliberal. Por tudo isto, não vamos abrir mão da mobilização e da luta.

*Artigo originalmente publicado pela revista jurídica Consulex número 403

Assista aqui a entrevista do presidente da CTB ao programa Câmera Aberta Sindical: