Sudão do Sul à beira de uma guerra civil

Depois de uma semana de truculentos combates entre facções militares rivais, mais de 500 mortos e 34 mil refugiados, a mais jovem nação do planeta, o Sudão do Sul, parece estar a beira de uma guerra civil.

O ex-vice-presidente do país subsaariano, Riek Machar, pediu ao Exército que derrocasse seu rival, o chefe de Estado Salva Kiir, que por sua vez acusa o líder de incendiário da violência nacional e de organizar um golpe militar contra ele.

Isto ocorre em meio a um crescente alarme internacional no sentido de que o Estado independente fundado em 2011 se afundará em um novo conflito interno ou, pior ainda, em um terrível episódio de limpeza étnica.

O Sudão, que antes da separação ocorrida há dois anos era o país de maior território da África , já sofreu com uma guerra civil que durou duas décadas – a mais longa na história do continente – e deixou mais de um milhão de mortos.

Os atuais distúrbios começaram no domingo, 15, com confrontos casuais entre esquadrões da etnia Nuer, leais a Machar, e pelotões da tribo Dinka, o grupo racial majoritário, ao qual pertence o presidente Kiir.

No entanto, testemunhas locais asseguram que os primeiros disparos foram escutados no dia 14 de dezembro após membros Nuer da guarda presidencial escutarem relatórios falsos que diziam que Machar, seu companheiro de tribo, tinha sido detido.

Não foi uma tentativa real de golpe de Estado, tendo provavelmente se tratado de uma confusão entre gendarmes de diferentes comunidades tribais, comentaram repórteres desde Yuba, capital do Sudão do Sul.

Em entrevista com emissoras internacionais, Machar afirmou que tinha feito "um apelo ao partido dirigente e ao exército para tirar Kiir do poder e mudar a direção do país. "Só falaremos com o presidente em caso de sua saída da casa de governo", disse.

"Kiir tem falhado em manter a unidade do povo. Deve abdicar porque não pode unir a população ao incitar à luta interétnica", acrescentou o ex-vice-presidente que se encontra em situação de clandestinidade.

Machar foi a figura central na política do Sudão durante três décadas, pertence ao segundo maior grupo étnico do país e até 1990 foi um alto comandante do Movimento de Libertação do Povo.

O porta-voz militar Philip Aguer reconheceu que as tropas do governo tinham perdido o controle de Bor, local que se encontra a 200 quilômetros ao norte da capital.

Bor é a mais importante cidade do estado oriental de Jonglei, uma das regiões mais socialmente instáveis no sul do Sudão e que tem sido testemunha de alguns dos piores episódios de violência desde 1991.

De acordo com organismos de direitos humanos, já se registraram os primeiros casos de soldados ou combatentes rebeldes que executam pessoas devido à sua origem étnica.

Também porta-vozes das Nações Unidas confirmaram a morte de dois de seus capacetes azuis nativos durante um ataque de forças partidárias a Machar na localidade de Akobo, Jonglei.

Intensos confrontos entre soldados Nuer e militares Dinka foram reportados igualmente em Bentiu, capital do estado Unity, um território de grande importância para ambos os grupos devido à produção petrolífera.

Mediadores enviados ao Sudão do Sul pela União Africana, com sede na Etiópia, organizaram uma reunião de emergência com o presidente Kiir em uma tentativa de conseguir a paz e a estabilidade no país meridional.

À frente da delegação pacificadora viajou o ministro etíope das Relações Exteriores, Tedros Adhanom, que assegurou a jornalistas que as conversações foram "produtivas e que continuariam”.

O secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, advertiu que existe o risco de que este tipo de violência se estenda a outros estados ou países. "á temos visto alguns sinais desse perigo. Precisamos com urgência da instalação de um diálogo político", ressaltou Moon.

Várias nações, entre elas Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha, começaram a ajudar na retirada de seus cidadãos. Desde Washington, o presidente Barack Obama assinalou que o Sudão do Sul se encontra no início de uma guerra civil.

O Pentágono também enviou à região 50 elementos de brigadas especiais "armados para combate", destacou a Casa Branca, com o argumento de proteger a embaixada de Washington no país ao sul do Sahel.

Estados vizinhos do Sudão têm expressado sua preocupação pelo abasteciemto de petróleo e as reservas regionais de gás natural, já que os combates estão estendendo-se para zonas ricas em petróleo.

O Sudão do Sul, com um território do tamanho de Espanha e Portugal, é um país que produz 210 mil barris de petróleo por dia, com um potencial comercial no mercado energético equivalente ao de Alemanha, Trinidad e Tobago, ou Ucrânia. Nas conversações com o executivo sul-sudanês participaram importantes delegados estatais de países como Etiópia, Quênia, Sudão e Uganda.

Um fato é que depois de uma etapa de 22 anos de lutas que terminou em 2005, armas pesadas como metralhadoras de grosso calibre estão amplamente disponíveis nos 10 estados do Sudão do Sul.

O governo de Yuba faz questão de ressalta que os confrontos são causados por ambições de poder e divergências políticas, e nunca por razões étnicas.

Entretanto, autoridades internacionais avisaram que as atuais operações bélicas podem desencadear um plano de limpeza racial em um território onde coabitam mais de 200 segmentos tribais, cada um com língua e crenças ancestrais próprias.

A verdade é que o incipiente país tem tido sérios problemas para consolidar um governo estável desde que passou a ser independente em julho de 2011. Um repentino aparecimento de Salva Kiir na televisão nacional em 16 de dezembro foi o primeiro indício a respeito da aproximação de um conflito militar de consideráveis proporções.

O chefe de Estado sul-sudanês, que normalmente veste um traje negro e o chapéu de vaqueiro que George W. Bush lhe presenteou, apresentou-se nessa ocasião ante as câmeras com um uniforme militar de campanha.

A capital do jovem país tinha sido sacudida no dia anterior por um violento combate, onde se viram lançamentos de foguetes contra instalações estatais e tanques que dispararam em direção à residência metropolitana de Machar.

Este último tem declarado abertamente sua ambição de candidatar-se à Presidência nas eleições de 2015. Carece de um grande apoio nas Forças Armadas, mas tem de sua parte a metade do gabinete ministerial do partido dirigente.

Diplomatas em Yuba ainda estavam de plantão no dia 21 de dezembro na esperança de que uma guerra civil de grande escala ao longo dos territórios e linhas étnicas pudesse ser evitada.

As Nações Unidas ameaçaram utilizar a influência de seus milhões de dólares em doações para apressar um acordo de paz no Sudão do Sul, país onde as rebeliões e a reconciliação posterior têm sido comuns durante os últimos 30 anos.

Prensa Latina