Sorrentino: A guerra psicológica prejudica o interesse nacional 

Dilma Rousseff fez chamado na TV: guerra psicológica inibe investimentos e retarda iniciativas. A desconfiança – especialmente a injustificada – é muito ruim. Há que fazer muito, muito mais, mas se mantém a “luta vigorosa” em defesa do emprego e da valorização dos salários. Além disso, assegurou a manutenção do equilíbrio das contas públicas e da inflação.

Por Walter Sorrentino*, em seu blog 

É justa a pegada de Dilma. Tanto que a oposição reagiu a isso. O ano de 2013, na falta de alternativas viáveis da oposição em termos de nomes e projetos, foi de guerra à política econômica do governo, um quase-terrorismo – questão fiscal, inflação, câmbio, déficite externo, baixo crescimento… tudo estaria à beira do precipício. Os fatos não confirmaram os prognósticos, malgrado não ter sido um ano particularmente bom na área econômica. O debate democrático, mesmo polarizado, é necessário e positivo; quase terrorismo é falta de projeto.

Os cenários tratados para 2014, na grande mídia, tiveram que optar por um quadro mais matizado e equilbrado; um ajuste de convergência no fim de ano, frente às manchetes negativas pesadas que imperaram diariamente em 2013. O negativismo era insustentável.

O jornal Valor, em 19 de dezembro, em boa matéria editorial, foi expressão disso: perspectiva é de aproximar inflação do centro da meta, clima de indefinição adia projeções de empresários mas que se mostram mais otimistas, ambiente internacional deve se mostrar favorável, mercado espera avanço modesto de indicadores com melhora no desempenho, acerto no câmbio pode ajudar balança comercial embora custo Brasil segue como gargalo para exportações, para concluir que Mantega aposta em fim do ciclo recessivo no mundo. Como se vê, equilíbrio como pauta editorial.

O Estadão, em 22 de dezembro, optou por contrapor visões em torno das projeções para 2014. Foi bastante esclarecedor de onde vem a crítica fundamental ao governo. Entre os formuladores do programa da oposição, Gustavo Franco conclui que a guinada heterodoxa dos últimos anos não teve sucesso em melhorar a economia. Tratar-se-ia de adotar posturas mais convencionais de política econômica (portanto, ortodoxas). No artigo, acreditem: não há referência à crise mundial em curso e seus efeitos sobre o Brasil.

Por sua vez, outro epígono da ortodoxia, A. Lara Rezende teoriza sobre um Capitalismo de Estado patrimonialista em vigência entre nós, um Estado despreparado, patrimonialista, com objetivos próprios dissociados da sociedade. Quer dizer, o Estado brasileiro não estaria à altura do estágio de desenvolvimento do país (o que é uma ideia importante, talvez multiplicando por menos um a pretensão do articulista). Para ele, o velho patrimonialismo se esconde atrás do assistencialismo; redução da miséria e da pobreza é assistencialismo… Centra sua percepção na deterioração fiscal. O PT teria desmontado as reformas que viabilizaram a estabilidade monetária, e acelerado isso a partir da crise de 2008, com a desculpa de praticar políticas anticíclicas que expandiram o gasto corrente do governo mas sem investir em infraestrutura. Incrivelmente ele dá uma receita estrutural: “deveríamos experimentar a descentralização, voltar à federação, dar autonomia aos Estados e municípios em todas suas esferas, desde a fiscal, até segurança, saúde, educação… Pense-se exatamente no que isso significa em termos de projeto de nação… Talvez com voto distrital… Uma aldeia globalizada ao sabor do mercado globalizado: realmente, um grande projeto de nação.

De outra parte, com mais equilíbrio, partindo dos interesses concretos da indústria, J. Roberto Mendonça de Barros diz que neste governo a política industrial foi a mais ousada desde o governo Geisel, e o estímulo à inovação bastante intenso. O teste será, para ele, em 2014 (mais relevante no setor petrolífero e automotivo) porque teríamos entrado em claros sinais de um racha na indústria, onde a Confederação Nacional da Indústria, o IEDI e surpreendentemente a Associação Brasileira da Indústria Têxtil apontam para mais abertura e integração (Associação essa em que o papel de Paulo Skaf é determinante).

Harry Eichengrewn, professor de Economia em Berkeley, também reportado pelo jornal, insuspeitamente afirma que a tempestade num copo dágua foi amainada. Referia-se aos vaticínios pessimistas de que coincidiriam em 2014 o tapering do FED-EUA, a desaceleração chinesa e as turbulências financeiras que espocaram na bolsa em Shangai. Para ele, a vigilância deve ser constante, em particular nos emergentes com mercados financeiros líquidos abertos a investidores internacionais – como Brasil -, que estão sempre em risco de paradas e inversões súbitas na direção dos fluxos de capitais.

Luis Stuhlberger, do Credit Suisse Hedging-Griffo, portanto do mercado financeiro, se diz menos pessimista. Considera que só gerar consumo não deu certo. O governo teria que planejar o desenvolvimento. Para ele, a China andou bem, Europa médio mas melhorando, EUA andaram muito, tudo benéfico, mas o crescimento no mundo será moderado em 2014.

Se me alonguei nesse painel, foi para perguntar, então, como se justifica toda a guerra travada contra o governo em sua política econômica durante 2013 e a reação à fala de Dilma. A resposta está em que a oposição não apresenta um programa melhor e mais crível, portanto bate-bumbo contra o governo e desconsidera até mesmo o que seja o interesse nacional no desenvolvimento, que parte expressiva do empresariado devia partilhar. Essa não é apenas uma questão de concepções ou reetórica, mas infere interesses muito reais, concretos, imediatos e futuros.

Vejamos. Para Aécio Neves, no mesmo VALOR, a crise é de responsabilidade. O governo gastaria mal e muito, sem austeridade, que levou ao recorde em gastos não financeiros (a crítica não é inteligente, porque o gasto financeiro caiu, malgrado a retomada do aumento da SELIC e não obstante ainda praticarmos o superávite primário). Para ele o fundamental é elevar o superávite primário para 2 ou 2,5% (não seria preciso ser draconiano e impactar negativamente as políticas sociais…). Ele lembra que em 2005 Pallocci propôs uma agenda fiscal para zerar o déficite nominal em dez anos, e Dilma ministra foi veementemente contra. Estranhamente, não refere o que ocorreu a seguir: Lula se reelegeu, adveio a maior crise mundial desde 1929 e o enorme sucesso do segundo governo Lula em termos de crescimento econômico com menor superávite primário. Enfim, Aécio quer compromisso social com governança responsável. É muito, muito pouco. Mostra a defensiva política em reconhecer que a agenda social não se esgotou, e a falta de alternativas para um crescimento maior e mais sustentável. A propósito: ele também não menciona a crise mundial e seus efeitos sobre o Brasil.

Quem sabe de Eduardo Campos, na dissidência, outras formulações mais críveis galvanizassem as expectativas. Duas marcas se destacam na sua intervenção. Ele sempre tem posto numa reta contínua o ciclo da conquista de redemocratização, a derrota da inflação com FHC e o Plano Real, com o famoso tripé macroeconômico, e o terceiro ciclo, liderado pelo PT há onze anos. O povo teria se unido de alguma maneira, mesmo em meio às diferenças e conflitos. Procuro onde foi posta a enorme luta contra o projeto neliberal, nos anos 90, que subordinou a nação aos interesses da globalização financeira capitaneada pelos EUA, com seu rastro de desemprego, desestatização, desregulação e desproteção social. As origens das dificuldades crônicas e agudizadas do Brasil partiram daí e persistem até hoje na subsunção da política econômica aos interesses do mercado financeiro. Onde foi parar a crise de 1994 e 1999, a superelevação das taxas de inflação ao final do período FHC, o estelionato da reeleição? Pragmatismo tem limite e não dá base a uma proposição com perspectiva, embora bem embaladas por Eduardo Campos: uma economia mais produtiva, um Estado mais eficiente e um novo modo de fazer política (Marina dixit). A outra marca, também recorrente no mesmo discurso, é exatamente essa da política renovada. O tópico é tratado sem referências à reforma política e resta a ser dito então, por ora.

A problemática, como se vê, não é onde se quer chegar, apenas, mas o caminho para isso. Fora disso fica-se na escatologia ou se revela, como em Aécio, um propósito monotemático, o do ajuste fiscal com Estado eficiente.

Não há dúvidas de que há encruzilhadas pela frente. Ou se vai para o sul, ou se vai para o norte nas eleições de 2014. Difíceis serão as soluções econômicas, porquanto há pactuações e repactuações sendo feitas, e os interesses financeiros que sequestraram a espiral econômica brasileira desde o Plano Real são resistentes.

Belluzzo, no mesmo debate, aponta para o fato de que a economia mundial está diante de capacidade de oferta excedente em quase todos os setores e isso vai tornar ainda mais acirrada a conquista de mercados. Em tais condições não há como descurar do câmbio real mediante política de estimular as exportações e proteger a indústria de importações predatórias. Para ele, a ampliação do espaço de criação de renda nas economias emergentes é fruto da articulação entre as políticas de desenvolvimento da indústria (incluídas a administração do comério exterior e do movimento de capitais) e o investimento público em infraestrutura. Essa a boa pista.

De outro parte, Amir Khair, pessimista com o fracasso da política econômica deste governo em retomar o crescimento, que piorou as contas internas e externas e está desacreditado sobre as metas que não consegue cumprir, dá um toque de otimismo porquanto o país felizmente tem bom espaço para acomodar mudanças. Para ele, a perna manca referida pelo ministro Mantega é a taxa de câmbio. Como as taxas de juros e câmbio estão distantes do que é preciso, há espaço para manobra. Ele tem razão quanto ao conceito superado (esse sim em descompasso com os interesses do crescimento econômico) de superávite primário, que exclui o pagamento dos juros da dívida pública do governo dos resultados fiscais. Trata-se de algo como 5% do PIB, contra o índice mundial entre 1 e 2% do PIB. Excluir os gastos financeiros e manter o atual conceito é o tributo que se paga ao vício de uma visão centrada nos interesses financeiros dominantes, que têm nos juros sua fonte de lucro.

Resumindo: Dilma tem razão, pregar a desconfiança é jogar contra o país, o que é sempre pior. O ciclo persistirá porque é o melhor possível na atualidade, embora constrangido pela realidade mundial e da correlação de forças nacional. No fundo, trata-se de superar o Pacto do Real, que firmou o caminho de remunerar regiamente o mercado financeiro com altas taxas de juros financiando a dívida pública, em regime de metas de inflação e câmbio flutuante. Persiste a hegemonia ideológica e de forças nesse sentido.

A luta continua. O projeto atual precisa ser relançado. Para novo pacto produtivo de interesse dos trabalhadores e da maioria do povo, só realizando reformas estruturais democratizantes para destravar o caminho para nova arrancada para o desenvolvimento. Não se deve perder de vista que é uma batalha eminentemente política, mas também de ideias para reunir clareza, convicções e forças de ampla unidade popular para um projeto de nação. E é sobretudo uma batalha social, nos governos e nas ruas, para reativar os segmentos sociais com os quais se alcançaram as vitórias dos últimos onze anos, para reafirmá-la em 2014 com novos impulsos.

*Walter Sorrentino é secretário Nacional de Organização do PCdoB.