A juventude tem força e vontade de lutar, diz presidenta da UNE

Quinta mulher a presidir a maior entidade da juventude brasileira, a pernambucana Vic Barros termina esse movimentado ano de 2013 enxergando uma geração de jovens com mais vontade de debater e participar dos rumos do país. Eleita para dirigir a UNE logo antes da onda de manifestações que reverberou em todo o Brasil, ela acredita que “a luta pela construção desse novo mundo parte da juventude”. 

Segundo Vic, o crescimento das pautas feministas dentro da entidade tem acompanhado o acirramento de suas lutas mais importantes nos últimos anos, entre elas a ampliação do financiamento da educação pública no Brasil. Um avanço apontado pela presidenta da UNE é a aprovação da legislação que garante royalties do petróleo e recursos do fundo social do Pré-sal para esse setor. Também destaca, nesse início de gestão, as campanhas pela regulamentação do ensino privado, contra os abusos nos reajustes das mensalidades e contra o processo de desnacionalização da educação superior.

Ela acredita que, no ano de 2014, a juventude organizada estará mobilizada em torno de temas como a democratização dos meios de comunicação e a construção de um plebiscito dos movimentos sociais para a reforma política. “Sabemos que as lutas da juventude brasileira não param de crescer e amadurecer nos últimos anos. Isso terá uma grande dimensão em 2014”, prevê.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

A UNE completou 76 anos em 2013, como está a vitalidade do movimento estudantil?

A energia e os ideais que a UNE carrega, ao longo de todo esse tempo estão melhores e mais jovens do que nunca. Se há uma coisa que nos orgulha no movimento estudantil brasileiro é a sua capacidade de estar sempre à frente. Isso ficou muito claro neste ano de 2013. As manifestações populares e juvenis que varreram o país a partir do mês de junho tiveram, entre suas principais pautas, temas que já estão sendo amplamente discutidos pela UNE e o movimento estudantil nos últimos quatro, cinco anos, dez anos, como a questão do transporte e do passe livre, do aumento das verbas para a Educação no país, da reforma política. O tamanho e o alcance da UNE também foram medidos, neste ano, pela enorme participação no nosso Congresso, em Goiânia, que na sua etapa preparatória envolveu quase dois milhões estudante em universidades de todos os estados do país.

O Congresso da UNE aconteceu exatamente antes das manifestações de Junho de 2013. Qual a sua avaliação desse movimentos de protestos que marcou 2013?

Acho que as manifestações mostraram a grande expectativa da população brasileira pela ampliação da cidadania, dos direitos sociais e escancararam os imensos problemas nas grandes cidades, como é o caso do acesso ao transporte e à saúde pública de qualidade. Outro saldo importante das manifestações foi o fortalecimento do movimento pela reforma política no Brasil, a partir da união de amplos setores da sociedade civil. Desde o período das Diretas Já nunca houve tanta movimentação popular e de entidades representativas para aperfeiçoar o sistema democrático do país. Isso não pode parar.

Uma das vitórias da UNE, em 2013, foi a conquista do royalties do petróleo e dos recursos do fundo social do Pré-Sal para a Educação. Qual será o próximo passo?
 A mobilização nacional pelos investimentos na educação pública continuará sendo a maior prioridade da UNE e do movimento estudantil. Celebramos a conquista dos royalties e do Fundo Social do Pré-Sal para esse setor, uma das nossas grandes lutas nos anos anteriores, porque ela representa a transferência de valor de uma riqueza material para o desenvolvimento social e humano de muitas gerações. Porém, sabemos que essa é somente uma etapa da nossa jornada pela aprovação dos 10% do PIB para a Educação, um horizonte que não perdemos de vista. Lamentamos que o Congresso Nacional não tenha ainda aprovado o Plano Nacional de Educação, com essa garantia de investimento e outras metas importantes, que foram democraticamente construídas com forte participação do movimento social e educacional. Ampliaremos a pressão para a aprovação dos 10% e voltaremos às ruas quantas vezes forem necessárias.

Quando foi eleita, anunciou que uma das grandes preocupações da gestão seria a regulamentação do ensino privada e a desnacionalização do ensino superior. Por que?
Desde o período de abertura e privatização das universidades brasileiras, principalmente durante a década de 1990, nenhum governo criou mecanismos sérios e eficientes para garantir a qualidade do ensino particular e promover a sua função consitucional de garantir o direito básico à Educação. Isso ficou insustentável. O Brasil, vergonhosamente, faz vista grossa ao verdadeiro supermercado do ensino particular que, em grande parte das vezes, tem compromisso somente com o lucro de grupos econômicos já milionários, oferecendo diplomas como se fossem um produto qualquer. Essas gananciosas empresas, disfarçadas de universidades, não têm oferecido condições básicas aos alunos, desconsideram a necessidade da pesquisa e extensão universitária, intimidam o movimento estudantil e contam com um sistema de fiscalização ainda negligente. Tudo isso sem contar os já conhecidos abusos nos reajustes das mensalidades. Precisamos ampliar a nossa luta pelo chamado Projeto de Lei das Mensalidades (PL 6489/06), que obriga as universidades a terem mais transparência, evitando a exploração dos alunos. Esse cenário torna-se ainda mais grave com a entrada de grandes grupos internacionais no mercado da educação do país. Temos aí uma questão não somente de lucro abusivo de mercado, mas de ameaça à própria identidade e soberania nacional.

Você é a quinta mulher a presidir a UNE, como está o espaço voltado para as questões feministas e a luta contra o machismo?

Há atualmente um crescimento inevitável da participação feminina em todos os espaços, fruto de um acúmulo histórico das lutas feministas e da necessidade de se construir uma sociedade mais progressista, laica, igualitária, sem opressões e preconceitos. A luta pela construção desse novo mundo parte da juventude e, mesmo sabendo que ainda existe preconceito e machismo no próprio movimento estudantil, percebo que o conjunto das jovens e dos jovens brasileiros está mais perto da luta feminista. Uma juventude mais feminista é, automaticamente, uma juventude mais democrática, que reconhece a enorme injustiça histórica ligada à questão de gênero. Isso é visível no Brasil com o crescimento de movimentos importantes , as mobilizações feministas pelas redes sociais, a denúncia de práticas machistas dentro e fora da universidade e o maior número de estudantes mulheres ocupando espaços no movimento estudantil. Junto com a minha eleição para a UNE, diversas outras mulheres foram eleitas para Uniões Estaduais de Estudantes, para DCEs e DAs de todo o Brasil. Vale lembrar também, com muito orgulho, que pela primeira vez os movimentos secundarista, universitário e de pós-graduandos são dirigidos por presidentas. No entanto, a luta continua e precisamos aprovar uma reforma política que garanta a participação da mulher nos espaços de poder, já que ainda existem pouquíssimas mulheres em cargos legislativos e executivos, como senadoras e prefeitas. É preciso também repudiar e punir de forma exemplar, além de incentivar mais campanhas e criar instrumentos mais eficazes de combate à violência contra as mulheres.

Qual a sua previsão para as lutas e mobilizações do movimento estudantil para 2014?
 Sabemos que as lutas da juventude brasileira não param de crescer e amadurecer nos últimos anos. Isso terá uma grande dimensão em 2014, quando teremos algumas pautas centrais. Entre elas destaco a pressão pela aprovação do Plano Nacional de Educação, o fortalecimento da luta dos movimentos sociais sobre a reforma política e a mobilização pela democratização dos meios de comunicação. Precisamos de maturidade e unidade para conseguir intervir nessas questões. Além disso, é preciso consolidar a plataforma de reivindicações do movimento estudantil para todos os candidatos das eleições nacionais, mostrando qual é o Brasil que a UNE e os movimentos sociais esperam. É hora de avançar muito mais e, para isso, a juventude precisa manter seu fôlego, sua rebeldia e sua consciência transformadora nesse ano de 2014.