Carlos Lopes Pereira: Guerras do petróleo no coração da África

Duas "novas" guerras com a presença de tropas estrangeiras e cheiro de petróleo incendeiam o coração de África, provocando milhares de vítimas e incalculáveis prejuízos econômicos.

Por Carlos Lopes Pereira*, no Avante!

Na República Centro-Africana (RCA), onde a França interveio militarmente no início de dezembro, multiplicam-se as ações violentas entre duas facções no terreno. De um lado estão os ex-rebeldes da Séléka (“Aliança”), alegadamente muçulmanos, que em março derrubaram o presidente eleito François Bozizé e colocaram o seu chefe, Michel Djotodia, no poder; e, do outro lado, milícias “anti-balaka” (“anti-catanas”), ditas cristãs, que exigem o afastamento dos golpistas e exercem represálias sobre a população islâmica.

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No plano da segurança, de pouco tem valido a presença dos 1.600 soldados franceses apoiados por blindados e helicópteros, no quadro da operação “Sangaris”, ou dos 4.000 homens da Misca, a força militar africana, uns e outros estacionados sobretudo em Bangui.

Para além da versão de um conflito entre cristãos e muçulmanos, divulgada pela mídia dominante, há outras interpretações para o que se passa na RCA. Olivier Ndenkop desvenda, na revista Afrique Asie, as razões ocultas da intervenção de Paris, cada vez mais o gendarme do imperialismo na África.

Rejeitando o “imperativo humanitário” invocado pelo “socialista” Hollande para justificar a agressão francesa, o artigo explica que a operação Sangaris pretendeu contrariar a crescente influência da China e garantir o controle das reservas de ouro, diamantes e urânio no subsolo centro-africano. E, claro, do petróleo.

Ndenkop recorda que o ex-presidente Bozizé estabeleceu laços econômicos com Pequim e entregou à empresa estatal China National Petroleum Corporation (CNPC) a exploração petrolífera de Boromata, no nordeste do país, antes sob concessão à companhia estadunidense Grynberg RSM – o que provocou a cólera de Paris e Washington.

O próprio Bozizé, outrora aliado dos franceses, revelou à rádio RFI as razões do seu afastamento: “Fui derrubado por causa do petróleo”. Pouco antes do golpe, já tinha declarado: “Dei o petróleo aos chineses e isso tornou-se um problema”.

Em suma: os Estados Unidos e a França não toleraram que um “protegido” seu tenha ousado estabelecer relações de cooperação com a China. Por isso, armaram um grupo de “rebeldes”, derrubaram o governo de Bangui e inventaram um conflito “religioso”…

Conflito fratricida no Sudão

Vizinho da RCA, o Sudão do Sul está, desde 15 de dezembro, mergulhado em uma guerra civil, que já causou milhares de mortos e de refugiados.

Travam-se combates entre tropas governamentais, leais ao presidente Salva Kiir, e forças ligadas ao antigo vice-presidente, Riek Machar, demitido em julho e, agora, acusado de tentativa de golpe de estado. A mídia teêm sobrevalorizado a dimensão “tribal” do conflito, já que Kiir é da etnia dinka e Machar pertence ao grupo dos nuer.

As Nações Unidas e os países da região, liderados pelo Quênia e pela Etiópia, estão tentando pôr termo à guerra, levando as partes beligerantes ao cessar-fogo e à mesa de conversações.

Há também tropas estrangeiras no país, independente desde 2011, quando se separou do Sudão, após um conflito armado de décadas. O Uganda já enviou 300 soldados para apoiar o presidente Kiir. A ONU reforçou a Minuss, elevando o contingente de “capacetes azuis” para mais de 12.500 militares. Também os Estados Unidos, principais padrinhos da independência do Sudão do Sul, enviaram para Juba, a capital, uma centena de fuzileiros para evacuar cidadãos norte-americanos.

E há, igualmente, o petróleo. O Sudão do Sul tem petróleo – a chinesa CNPC lidera a produção e pesquisa – e o exporta pelo Mar Vermelho, através de oleodutos que passam pelo Sudão, o que transforma o “ouro negro” na principal fonte de receitas dos dois Estados.

As tragédias que os povos centro-africano e sul-sudanês vivem nestes dias são exemplos das consequências de intervenções militares estrangeiras na África, visando a neocolonização do continente, a intensificação da exploração dos seus trabalhadores e do saque das suas riquezas.

No quadro do agravamento da crise do capitalismo mundial, potências imperialistas como os Estados Unidos e a França, com o apoio de setores corruptos das burguesias nacionais que elas alimentam, continuam hoje, também na África, a instigar divisionismos, acicatar conflitos étnicos ou religiosos, provocar golpes de Estado, fomentar guerras civis – enfim, a recorrer ao seu vasto arsenal de armas e meios para dominar e pilhar os povos.

*Carlos Lopes Pereira é jornalista do Avante!, jornal do Partido Comunista Português (PCP)
Fonte: Jornal Avante!