Queria ser vice de Andreazza ou de Maluf. Tancredo também serve

 A Serpente Encantada e o Sarney democrático

Por Egberto Magno

Sarney tinha um plano traçado para o ano de 1985: ser eleito vice-presidente da República no Colégio Eleitoral e, pelo PDS. No primeiro semestre de 1984, na condição de chefe maior do PDS, propõe ao presidente Figueiredo e aos caciques da legenda uma “consulta às bases partidárias” para que elas indicassem os nomes do partido a presidente e vice-presidente, os quais seriam aprovados em Convenção Nacional. Os que saíssem legitimados pela maioria dos 80 mil filiados disputariam o Colégio Eleitoral. Para encabeçar a chapa, a disputa interna se deu entre o ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf e o então ministro do Interior, Mário Andreazza.

O plano de Sarney era ser o vice de quem vencesse as prévias, mas tanto ele quanto Figueiredo preferiam Andreazza, embora o rumo das coisas apontasse para a vitória de Maluf. Sarney tinha, assim, duas grandes barreiras a serem transpostas: fazer Andreazza o candidato do PDS e suplantar os fortes nomes de Antônio Carlos Magalhães, da Bahia e Flávio Marcílio, do Piauí, que “corriam por fora” e representavam ameaça ao seu projeto de candidato a vice-presidente. Sarney imaginava que, no posto de presidente nacional da legenda, teria condições de mobilizar o partido em todo o país e manobrar para aprovar, na consulta, o seu nome na chapa.

No meio do caminho tinha uma pedra…

A proposta nada tendenciosa de consulta às bases causou estranheza e desconfiança no seio dos pedessistas mais próximos a Paulo Maluf, que receavam um golpe dentro do PDS. João Figueiredo deu uma de “João sem braço”. O deputado Adail Vettorazzano (PDS-SP), malufista até a medula óssea, assim se pronunciou no dia 6 de junho de 1984, na Câmara Federal: “(…) mais um balão de ensaio teria sido lançado aos ares de Brasília, desta vez pelo nosso amigo e grande Senador José Sarney”, que “defende as eleições indiretas, defende a legitimidade do Colégio Eleitoral. Isto é um fato público, notório”.

Ainda naquela sessão o deputado do PDS carioca Eduardo Galil reagiu de maneira enérgica às manobras de Sarney de consulta às bases: “Nenhuma lei, nenhum casuísmo (…) que venha à margem do processo legal, como esses golpezinhos de maquiavélicos acadêmicos, que talvez não tenham escrito a própria obra, e que começam a escrever sua história política pelo avesso, serão suficientes para derrotar Paulo Salim Maluf. Enfie, o Sr. José Sarney, no saco sua viola e procure outra freguesia, pois não vai encontrar a receptividade que Sua Exª imagina”.

O deputado do PDS carioca qualifica Sarney de “omisso”, “enganador” e de que se acovarda diante do presidente da República e de ministros, porque não defende o interesse maior do partido, mas sim o interesse pessoal dele mesmo.

Feitas as contas, Sarney percebeu que a sua proposta de consulta às bases e de indicação de seu nome a vice-presidente seria rechaçada entre os caciques partidários. Convocou reunião da Executiva Nacional para o dia 11 de junho. Ali, renunciou à presidência do PDS, pois a convenção a ser realizada em agosto sufragaria Paulo Maluf o candidato do partido. E o mais grave: ele não seria indicado vice na chapa. Naquele mesmo dia, o deputado Adail Vettorezzo (PDS-SP) sobe mais uma vez à tribuna da Câmara: “Pretendo falar hoje sobre o caso tragicômico da prévia do Senador Sarney, que, como é do conhecimento geral, sempre sonhou com a Vice-presidência da República, quer ao lado de Andreazza ou de Paulo Maluf”.

Assim, em 11 agosto daquele ano a Convenção Nacional do PDS homologou a chapa Maluf-Flávio Marcílio, derrotando, de uma só vez Figueiredo, Sarney, ACM, Jorge Bornhausen, Marco Maciel e Aureliano Chaves. Com a fratura no interior do PDS estavam dadas as condições para que o candidato do PMDB, Tancredo Neves, cabalasse votos entre os dissidentes do partido da ditadura. Tancredo então destacou imediatamente Fernando Lyra, homem de sua confiança, para convidar Sarney a compor com ele a chapa que sairia vitoriosa no Colégio Eleitoral. Se formava ali a Aliança Liberal.

O Colégio Eleitoral se reuniu em 15 de janeiro de 1985. A chapa Tancredo-Sarney obteve 480 votos contra 180 da chapa Maluf-Flávio Marcílio, com 26 abstenções. Sarney havia, então, conseguido ser eleito vice-presidente da República. Para ele, pouco importava quem era o presidente.