"Na Síria, combatemos o terrorismo", diz ministro em conferência

Após meses de preparação e incertezas sobre a sua viabilidade, a Conferência Internacional de Paz sobre a Síria (Genebra 2) foi iniciada nesta quarta-feira (22), na cidade suíça de Montreux, a 90 quilômetros de Genebra. Mais de 40 países e organizações internacionais participam desta que almeja ser uma reunião para a elaboração de uma solução política ao conflito armado que já dura três anos na Síria, com ingerência direta e profunda de potências estrangeiras e de vizinhos regionais.

Genebra 2 - AFP Photo

Na abertura da conferência, que pretende ser uma continuação da que foi realizada em junho de 2012 e resultou no chamado “Comunicado de Genebra” sobre o processo de negociação, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, disse que o dia terá de superar um grande desafio.

“Devemos encorajar as duas delegações sírias a negociar com boas intenções para salvar o seu país,” disse Ban. “Devemos colocar um fim no sofrimento na Síria e um processo político deve ser lançado,” completou.

O secretário-geral também enfatizou a responsabilidade dos atores internacionais no processo de diálogo político e na reconstrução do país, extremamente afetado pelos três anos de violência disseminada, com a atuação de diversos grupos armados, inclusive integrados por mercenários de dezenas de países, assim como por extremistas religiosos ligados à rede terrorista Al-Qaeda.

“Os Estados que participam na conferência deveriam influenciar os dois lados a apoiar uma solução política abrangente e a alcançá-la com base no Comunicado de Genebra 1 e no fim da violência”, disse Ban. Os princípios do comunicado, entretanto, ainda não parecem claros para os que gerem a conferência, dado o desentendimento do começo da semana, quando Ban retirou o convite que havia feito para a participação do Irã.

Segundo o secretário-geral, o documento elaborado em junho de 2012, na conferência em que o Irã não participou, prevê o estabelecimento de um governo de transição, que organizaria as eleições presidenciais e que, segundo o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, em declarações recentes, não poderiam incluir o presidente sírio, Bashar Al-Assad.

A destituição de Assad foi posta como uma precondição pelas potências ocidentais e pela oposição síria, alegadamente representada pela Coalizão Nacional Síria (CNS), para a realização da conferência, mas teve de ser deixada de lado devido ao apoio do povo sírio recebido por Assad e à instabilidade no país. Além disso, a Rússia também disse que não pretende impor a formação de um governo de transição, sobretudo sem a participação do presidente, uma vez que, assim como afirmado pelo governo sírio, quem deve decidir sobre o futuro político da Síria são os seus cidadãos.

Na conferência, que é realizada a nível ministerial, a Síria está sendo representada pelo vice-premiê e ministro das Relações Exteriores e da Emigração, Walid al-Moallem, que ressaltou, na abertura, o caráter árabe nacionalista do seu país, uma “república, um Estado civil que alguns, sentados nesta sala, tentaram fazer retornar aos tempos medievais”, de acordo com as declarações divulgadas pela agência síria de notícias, Sana.

Hipocrisia e violência contra a Síria

O governo sírio denuncia recorrentemente o apoio estrutural recebido pelos grupos armados e pelos extremistas religiosos no país pelos vizinhos regionais, como a Arábia Saudita, o Bahrein, a Turquia, Israel e o Catar, este em menor intensidade desde o ano passado.

Moallem enfatizou o sofrimento do povo sírio como resultado dessa ingerência e da sustentação da violência no país, cujo fim é a fragmentação e a debilitação de um governo que faz frente às investidas imperialistas na região. “Finalmente, hoje, chega o momento da verdade; a verdade que muitos vêm tentando sistematicamente enterrar, em uma série de campanhas de desinformação, enganação e fabricação que levam à morte e ao terror.”

O ministro lamentou a presença de representantes dos países que “têm o sangue dos sírios em suas mãos, países que exportaram o terrorismo junto com a clemência por seus perpetradores, como se tivessem o direito divino de determinar quem irá para o paraíso e quem irá para o inferno (…), países que se deram a autoridade para dar ou negar a legitimidade a outros como lhes convier”, sem considerar suas próprias vicissitudes.

“Países que, sem qualquer vergonha, nos dão lições de democracia, desenvolvimento e progresso, enquanto afogam em sua própria ignorância e normas medievais. Países que se acostumaram a ser completamente possuídos por reis e princesas que têm o direito absoluto de distribuir sua riqueza nacional, dando aos seus sócios enquanto a negam a aqueles que ficam desfavorecidos,” continuou o ministro.

Moallem ressaltou como objetivo primordial destes países a desestabilização e a destruição da Síria “ao exportar seu produto nacional: terrorismo. Eles usam seus petrodólares para comprar armas, recrutar mercenários e encher a mídia com mentiras disfarçadas da suposta ‘revolução síria que cumprirá a vontade do povo sírio’ para cobrir sua brutalidade irracional”.

O ministro enfatizou o papel da Arábia Saudita (“Estado islâmico que não sabe qualquer coisa sobre o Islã, a não ser o perverso wahabismo”) e a participação de “terroristas chechenos, afegãos, sauditas, turcos e até franceses e britânicos” que não têm qualquer ligação com as alegadas “aspirações do povo sírio”. Ele ressaltou, com ênfase para as ações de violência extrema, a brutalidade da atuação dos grupos que se espalharam pelo país, mas que têm sido combatidos pelo Exército Árabe-Sírio.

“Em nome da revolução, ‘para liberar o povo sírio oprimido do regime e espalhar a democracia’, acaso um pai se explode, junto com sua esposa e seus filhos, para impedir que os intrusos estrangeiros entrem em sua casa? (…) Isto foi o que aconteceu em Adra, um lugar sobre o qual muitos de vocês não ouviram falar.”

Moallem acusou os governos dos países vizinhos (Líbano, Jordânia, Turquia e Israel) de negligência ou de envolvimento direto na violência, ou ainda de debilitação e exaustão, no caso do Iraque, que “ainda [está] se curando das tramas para destruí-lo junto com a Síria.”

Combater o terrorismo em conjunto

Apesar de tudo, diz o ministro, “o povo sírio continua firme; e a resposta foi a imposição de sanções sobre a nossa alimentação, o pão e o leite das nossas crianças. Para fazer a nossa população passar fome, forçando-a a ficar doente e a morrer sob a injustiça dessas sanções. Ao mesmo tempo, fábricas foram saqueadas e queimadas, destruindo a nossa indústria alimentícia e farmacêutica; hospitais e centros de saúde foram destruídos, e nossas estradas e linhas de energia elétrica foram sabotadas; até mesmo os locais religiosos – cristãos e muçulmanos – não foram poupados do terrorismo”.

“Quando tudo isso falhou, os Estados Unidos ameaçaram atacar a Síria, fabricando, com seus aliados, ocidentais e árabes, a história sobre o uso de armas químicas, que não convenceu sequer seu próprio público, que dirá o nosso. Países que celebram a democracia, a liberdade e os direitos humanos, infelizmente, escolhem falar apenas a língua do sangue, da guerra, do colonialismo e da hegemonia. A democracia é imposta com fogo, a liberdade, com caças, e os direitos humanos, com a morte dos humanos, porque eles acostumaram-se com o mundo fazendo o que mandam.”

Moallem ressaltou ainda que os EUA esqueceram-se de que “aqueles que se explodiram em Nova York seguem a mesma doutrina e vêm da mesma fonte que aqueles que se explodem na Síria. (…) O que é certo, entretanto, é que eles não vão parar por aqui. O Afeganistão é uma lição ideal para quem quiser aprender – qualquer um! Infelizmente, a maioria não quer aprender; nem os Estados Unidos, nem alguns dos países ocidentais ‘civilizados’ que seguem a sua liderança, desde a cidade das luzes [Paris] até o reino sobre o qual ‘o sol nunca se punha’, no passado [Reino Unido] apesar do fato de que todos eles sentiram o gosto amargo do terrorismo antes”.

O ministro acusou também os grupos sírios oposicionistas “legitimados pelas agendas estrangeiras, [que] desempenharam um papel de colaboração, como facilitadores e implementadores [das ações destrutivas]. Eles fizeram isso às custas do sangue sírio e do povo cuja aspiração eles alegam representar. (…) Venderam-se a Israel e tornaram-se seus olhos no país, e seus dedos estão no gatilho para a destruição da Síria”.

“Finalmente, para todos aqueles que estão assistindo, em todo o mundo: na Síria, nós combatemos o terrorismo, o terrorismo que destruiu e continua a destruir; o terrorismo [contra o qual], desde a década de 1980, a Síria vem instando, para ouvidos surdos, uma frente unificada para destruí-lo. (…) Vamos todos cooperar para combatê-lo, vamos trabalhar juntos para impedir esta ideologia macabra, horrenda e obscurantista. Como disse, o diálogo é a fundação para este processo e, apesar da nossa gratidão ao país hospedeiro, afirmamos que o diálogo real entre os sírios deve ser, de fato, em solo sírio, e sob o céu sírio”, como o governo sírio já havia proposto, há um ano, na busca por uma solução política.

“Hoje, nesta reunião de potências árabes e ocidentais, somos apresentados com uma simples escolha: podemos optar por lutar contra o terrorismo e o extremismo juntos e começar um novo processo político, ou vocês podem continuar a apoiar o terrorismo na Síria. (…) Este é o momento da verdade e do destino, levantemo-nos para o desafio.”

Moara Crivelente, da Redação do Vermelho,
Com informações da agência Sana