Líbano tem novo gabinete e avança negociações apesar das tensões

O novo primeiro-ministro do Líbano, Tammam Salam anunciou a formação de um gabinete no sábado (15), com a representação de muitos dos grupos políticos de um país abalado, após 11 meses de impasse e de um governo provisório. Entretanto, o portal Al-Akhbar, em matéria desta segunda-feira (17), afirma que não há muitos motivos para declarar vitória; a dificuldade de estabelecer um governo sólido tem sido pauta de preocupações profundas nos últimos meses.

Líbano - AFP / Al-Akhbar

Salam ocupava o cargo de primeiro-ministro de forma interina desde que o ex-premiê Najib Mikati renunciou, em março de 2013. Sunita, como demanda a Constituição libanesa para o cargo de premiê, Salam foi incumbido de formar um novo gabinete em abril do ano passado, em meio a um impasse governamental.

O longo processo de disputa política para a formação de um novo gabinete acabou por ser afetado profundamente pelo transbordamento do conflito na Síria, cujos desdobramentos reafirmaram rivalidades estruturais no Líbano.

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Os 24 membros do gabinete anunciado por Salam incluem o Hezbolá, partido islâmico xiita que possui forças armadas para a resistência contra as investidas frequentes de Israel e para a defesa de um território constantemente ameaçado. Seu envolvimento consequente no conflito armado foi usado pela direita sunita e cristã para promover a exclusão do partido no novo governo.

A ingerência externa é novamente evidenciada, inclusive pela classificação do Hezbolá como “organização terrorista” (com o pretexto dos ataques a bomba a postos militares israelenses quando as tropas vizinhas ocuparam o Líbano, em mais de uma ocasião), usada pelos que se opõem à sua participação no governo.

No novo governo, o Hezbolá e a esquerda libanesa partilham o espectro político com a direita, que conta com o apoio ocidental e de vizinhos como a Arábia Saudita. A direita também usa o julgamento internacional sobre o ataque que matou cerca de 20 pessoas, inclusive o ex-primeiro-ministro Rafik al-Hariri, em 2005, para acusar o Hezbolá e as forças sírias de “assassinato político”, sem base em evidências.

Os desacordos sobre inúmeras questões provocam mais ceticismo do que alívio a diversos analistas libaneses. Hilal Khashan, professor da Universidade Americana de Beirute, disse que o governo é feito de “vidro rachado”, e que “formar um gabinete era uma necessidade urgente para garantir que o país não escorregasse ainda mais para o caos e a insegurança, mas eu não interpretaria muito além disso.”

Em um discurso televisionado, o premiê Salam pediu que todos os partidos trabalhassem juntos para salvar o Líbano, que tem sido cenário de um aumento exponencial da instabilidade, com confrontos e ataques a bomba de grupos extremistas de atuação regional, principalmente na Síria.

Disputa estrutural, ingerência e formação do governo

A disputa se dá principalmente entre os dois maiores grupos do país, as alianças 8 de Março (da qual faz parte o Hezbolá) e a 14 de Março (liderada pelo Movimento do Futuro, de direita, do ex-premiê Hariri e respaldada pelo Ocidente). Suas desavenças estão sobretudo ligadas ao papel da Síria na política nacional, ainda mais sensíveis com o transbordamento do conflito no país vizinho.

Salam é classificado como independente e diz manter diálogos com as duas coalizões, mas sua preferência pela 14 de Março é especulada por diversos observadores nacionais, assim como o apoio que ele recebe do Ocidente e da Arábia Saudita, que chegou a oferecer US$ 3 bilhões em apoio militar ao país, através da França.

Além do aumento dos ataques terroristas no Líbano, em especial em Trípoli, ao norte, e na capital, Beirute (contra áreas de presença do Hezbolá), o país, de 4,2 milhões de habitantes, também tem abrigado quase um milhão de refugiados sírios.

Para Hwaida Saad e Ben Hubbard, em artigo para o portal Al-Akhbar, o novo gabinete é apenas uma “bomba relógio”, pois não tem tempo ou condições para lidar com estes desafios. As possibilidades são, ainda assim, a detonação ou a desativação desta bomba, escrevem, no caso de as forças políticas que a compõem conseguirem alcançar um acordo.

Como relembram os jornalistas, já não é possível tentar isolar o Líbano dos acontecimentos à sua volta, como defendiam grande parte dos grupos políticos em um entendimento alcançado no ano passado. Segundo Saad e Hubbard, o fato de o Movimento do Futuro ter ficado com postos como o Ministério do Interior e o Ministério da Justiça é favorável para forçá-lo a enfrentar o terrorismo. Entretanto, a aliança continua retratando as forças do Hezbolá como ameaças.

Já o partido islâmico também ficou com dois postos, o relativo aos assuntos parlamentares e o Ministério da Indústria. O Ministério das Relações Exteriores ficou com o Movimento Livre Patriótico (MLP), de centro-esquerda e maioria cristã, mas também composto por xiitas, parte da Aliança 8 de Março e liderado por Michel Aoun, ex-premiê e general do Exército.

A nova configuração tem até 25 de maio para escolher um candidato presidencial que seja aceito por dois terços do Parlamento, e também deve aprovar leis para a eleição de um novo Parlamento.  Apesar do anúncio, ressalvam Saad e Hubbard, diversas questões ainda estão sobre a mesa com relação ao entendimento entre forças políticas profundamente opostas. Aoun tem desempenhado um papel próximo ao de mediador entre o Hezbolá e o Movimento do Futuro, hoje liderado pelo filho do ex-premiê Hariri, Saad Hariri, que também ocupou o cargo brevemente, em 2011.

O secretário-geral do Hezbolá, Said Hassan Nasrallah disse que a atuação dos grupos extremistas não conseguirá causar uma guerra civil sectária entre xiitas e sunitas islâmicos. O partido tem defendido há meses a urgência de um governo de unidade contra o intensificar das tensões, que ameaçam fragmentar o país.

Por isso, a prioridade é encerrar os embates sectários e de outras formas. Assim, uma série de reuniões e articulações nos meses e semanas recentes pode ter assentado o terreno para o anúncio de um novo gabinete, mas o desafio mantém-se adiante.

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho,
Com informações do portal Al-Akhbar