Durante encontro, PCdoB faz homenagem a Honestino Guimarães

No ano que marca os 50 anos do golpe militar no Brasil, o PCdoB/DF fez uma homenagem ao líder estudantil desaparecido durante a ditadura.

Homenagem a Honestino Guimarães - Richard Silva

Durante o encontro “O PCdoB/DF e as Eleições 2014”, realizado na última quinta-feira, 20/02, as palavras de Matheus Diniz, ex-aluno do Centro de Ensino Médio Elefante Branco, mesmo colégio que estudou Honestino e de seu sobrinho, Mateus Guimarães emocionaram a militância comunista.
Honestino Guimarães era aluno da Universidade de Brasília (UNB) e presidente da UNE quando foi preso, em 1973, pelas forças da repressão do regime militar. Até hoje sua prisão e desaparecimento nunca foram esclarecidos.

Confira a íntegra do pronunciamento de Mateus Guimarães, sobrinho de Honestino Guimarães:

Boa noite a todas e a todos.
Agradeço pela oportunidade de compartilhar reflexões sobre a importância da luta pelo direito à Memória, Verdade e Justiça. Mas antes, gostaria de contar um pouco melhor quem foi Honestino.

Quem foi Honestino?

Mais do que um líder estudantil e político, Honestino foi um grande Ser Humano.
Além de uma mente brilhante, Honestino tinha, sobretudo, uma grande capacidade de amar. Seu amor pela vida e pelas pessoas, sua compaixão eram tão grandes – como podemos perceber claramente em muitos de seus poemas – que era como se ele sentisse em si mesmo a dor do outro. É essa qualidade que faz com que seus amigos ainda hoje se emocionem e chorem ao lembrar dele.
E também foi essa qualidade, a de amar demais, que projetou Honestino na luta contra a ditadura. Sua liderança despontou na Universidade de Brasília, onde ingressou em 1965, e viu o projeto idealizado por de Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Agostinho da Silva e tantos outros sonhadores ser desestruturado.

Tratava-se de um projeto revolucionário de educação, sobretudo porque se voltava para a resolução dos principais problemas que afligiam não somente o Brasil, mas todos os países e povos oprimidos, especialmente na América Latina e na África. Foi por esse motivo que o projeto de Universidade foi desestruturado pela ditadura e hoje precisa ser retormado.

Qual a importância de revelarmos a verdade, buscarmos justiça e promovermos a memória em relação aos crimes da ditadura militar?

50 anos após o golpe ditatorial está claro que ainda temos muito o que lutar para avançarmos tanto na compreensão da sociedade sobre o que significa a ditadura, quanto, sobretudo, na luta pela defesa e garantia do direito à Memória, à Verdade e à Justiça.
Muitas são as estratégias empreendidas por aqueles que se opõem à revelação da Verdade e para que nossa história seja esquecida. Como meu pai sempre ressaltava, por exemplo, o próprio termo “desaparecido político” acaba por servir à ocultação da Verdade, pois esconde, em casos como o de Honestino, pelo menos seis crimes: perseguição política; sequestro; tortura; cárcere privado; morte; e ocultação de cadáver. Isso sem contar em um crime equivalente à formação de quadrilha, porém, com o agravante de ser organizada pelo próprio Estado.

“Revanchismo”

Outra dessas estratégias de oposição à verdade e distorção da realidade, revela-se a todo instante por meio de comentários que tentam caracterizar a busca por Verdade como “revanchismo”. Bom, se alguém pisa no seu pé, como revanche, você também pisaria no pé dessa pessoa, certo? Pois bem, não conheço ninguém do movimento pela Verdade, Memória e Justiça que queira ver torturador em pau de arara. Se fossemos levar dessa forma que querem caracterizar, seria essa a justiça que buscamos: uma justiça selvagem, uma justiça de guerra. Nós não queremos essa justiça.

A justiça que queremos inclui primeiramente, revelar a verdade, sabermos tudo o que aconteceu. No caso da nossa família, por exemplo, tão importante quanto sabermos onde está o corpo do meu tio é sabermos por quantos dias ele ficou preso, como ele tratou os torturadores, quais palavras ele pronunciou, como era a sua voz… Nem eu, a Juliana e o Lucas – filha e neto do Honestino – ou meus irmãos sabemos como era a voz do nosso “Gui”. E isso tudo para nós tem grande valor e importância.

A falta dessas respostas gera um sentimento na gente duro de lidar: é um sentimento de incompletude, de vazio. Porque a partir do momento que eu não sei parte da história do meu tio, é como se eu não soubesse parte da minha própria história, da minha própria vida. Assim, há 40 anos somos revitimizados dia após dia. E essa revimitização vai muito além do sagrado direito de um familiar enterrar seu ente querido.

Conhecermos a Verdade: esse é o primeiro passo para a justiça.

#TrilhasdeHonestino

Por esse motivo, eu, minha prima, Juliana, meu irmão Gabriel e outros familiares de Honestino abrimos em outubro do ano passado – quando completaram-se 40 anos do desaparecimento do Gui – a oportunidade de concedermos perdão para as pessoas envolvidas no sequestro, na tortura, na mote e/ou no desaparecimento do Honestino, com a condição de que essas pessoas entrem em contato conosco e nos revelem os fatos sobre os quais tenham conhecimento.

Criamos a campanha #TrilhasdeHonestino e pedimos que todos procurem e divulguem nas redes sociais. Diante do difícil cenário em que nos encontramos, compreendemos nessa campanha a possibilidade mais concreta que temos de obtermos informações relevantes sobre o pós-desaparecimento do Gui.

Interessa-nos, sobretudo, a verdade, saber o que aconteceu. A identificação e julgamento dos responsáveis é importante e deve ocorrer, pois foram cometidas gravíssimas violações aos direitos humanos, crimes hediondos e imprescritíveis que continuam impunes. Mas essa etapa da justiça, infelizmente, não depende somente de nós, mas do sistema judiciário, o qual nunca em toda a história foi justo ou cumpriu a justiça a contento.

Justiça e injustiça

Martin Luther King dizia que “a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”. Eu ouso ir além: se há injustiça, então não existe justiça. A justiça, em um contexto de injustiça, simplesmente não existe. Se alguns são tratados de uma forma e outros de outra forma, se alguns não têm acesso aos seus direitos mais básicos, enquanto outros conseguem violar os direitos de toda uma população em prol de seu exclusivo interesse, então não há justiça. No caso do Brasil, portanto, nunca houve justiça.

Ao analisarmos o histórico de impunidade em nosso país, desde o seu passado mais remoto, a partir do processo civilizatório colonial, vamos perceber que a impunidade iniciada no extermínio dos povos indígenas, passando pela falsa abolição da escravatura e pela ditadura, permanece ainda hoje, perseguindo, torturando e matando jovens, sem-terra, sem-teto, ativistas ambientais e militantes das mais diversas frentes. E esse processo todo de impunidade e injustiça, nos sinaliza um futuro gravemente ameaçador para o país, pois se não aprendermos com o passado, a história certamente se repetirá.

A impunidade, portanto, alimenta a violência, que é a força motriz do sistema de opressão. É preciso percebermos que nesse contexto de impunidade, de ausência de justiça, não somente a democracia é ameaçada: a própria civilidade, a própria condição de sociedade é inviabilizada. A injustiça, acima de tudo, aparta de nós a própria condição de seres humanos, de vivenciarmos a Humanidade em sua Plenitude.

Portanto, a luta pelo direito à Memória, à Verdade e à Justiça, no fundo, é a mesma luta de todos que têm seus direitos sequestrados por esse sistema opressor. Nessa perspectiva, nos somamos à luta em defesa das crianças sem infância, das mães desamparadas, das mulheres violadas, dos trabalhadores escravizados. Luta pelo direito à terra e à soberania alimentar, luta dos povos indígenas atingidos por desmatamentos e hidrelétricas, dos ribeirinhos cujos rios foram poluídos, dos quilombolas para manterem suas raízes, das comunidades tradicionais de matriz africana contra os apartheids contemporâneos, dos jovens das periferias, das populações em situação de rua… Enfim, nossa luta é uma, pois nosso inimigo era e continua sendo o mesmo.

Por esses motivos, não poderia, excelentíssimo senhor governador, deixar de fazer aqui três pedidos:

• Primeiro, para que seja criada a Comissão Permanente de Memória, Verdade e Justiça do Distrito Federal – capital do país,centro do poder constituído, necessita desse instrumento para garantir e fortalecer a democracia;

• Que o governo aceite o desafio de refletir sobre o necessário processo de desmilitarização das forças policiais – claramente, a filosofia impregnada pela ditadura se instaurou nessas forças de repressão, revelando assim a urgência de uma transformação profunda em sua estrutura, organização e práxis.

• Peço também que dê mais atenção à área de Justiça e Direitos Humanos, colocando à frente daquela secretaria em sua próxima gestão, pessoas mais engajadas, compromissadas e sensíveis com a nossa luta. As forças reacionárias estão se opondo com força aos avanços das conquistas dos movimentos de defesa e ampliação dos direitos humanos e é preciso garantirmos esses avanços.

Quem sabe assim, reconhecendo e encarando corajosamente a nossa própria história, seremos capazes de construir um amplo movimento de aprofundamento radical da democracia, capaz de interromper com a impunidade e com o sistema de opressão para, finalmente, nos libertarmos e nos emanciparmos, dando passos mais firmes e conscientes rumo ao futuro.
Para isso, desejo que todos possamos cada vez mais pensar o mundo com o coração de Honestino.

De Brasília, Renata Martins