Cuba: renovando a Revolução (I)

Desde agosto de 2006, quando Fidel Castro se afastou da presidência cubana por razões de saúde, o país viu crescerem as expectativas da população por mudanças. Na verdade, essa espera vinha de muito, muito antes. Mas o afastamento de Fidel abriu novas esperanças, e a chegada de Raul Castro ao poder veio cercada delas.

Por Eric Nepomuceno, na Carta Maior

Cartaz em Havana contra bloqueio a Cuba

Passados oito anos, muita coisa em Cuba mudou, embora nenhuma reforma um pouco mais ampla tenha sido feita no sistema político, na estrutura de poder.

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Essa espécie de dualidade acabou pautando o cotidiano dos habitantes da Ilha. É muito o que se avançou em alguns segmentos, é muito o que falta avançar em outros. Mas são visíveis e concretas as mudanças levadas adiante por Raúl Castro, e que transformaram radicalmente parte do cotidiano dos cubanos.

É como se na cúpula do governo se tenha chegado à conclusão de que é preciso renovar, e muito, e rápido, para preservar a Revolução.

Aliás, desde seu discurso inaugural Raúl Castro deixou claro que muita coisa mudaria. Chegou criticando, reclamando, denunciando. Foi quase um susto. Já em 2007 começaram a ser implantadas as primeiras reformas. E, passados quase sete anos, o que se constata é que Cuba vive as mais importantes reformas econômicas das últimas muitas décadas.

E não foram mudanças apenas na economia: também na própria estrutura do país, a começar pela entrega a camponeses, em sistema de usufruto, terras estatais ociosas. Até o segundo semestre do ano passado foram distribuídos um milhão e 500 mil hectares a 180 mil cubanos.

A propósito, em 2010 chegou-se à conclusão que entre um milhão e 800 mil e dois milhões de funcionários públicos são absolutamente desnecessários. O maior problema é criar tantas vagas no sistema de trabalhadores por conta própria. No ano seguinte, estava previsto que um milhão deles seriam demitidos. Dois anos depois, as demissões mal passaram de 360 mil. É que não há o que fazer com os que continuam na lista de dispensa.

Foi implantado o estímulo às atividades privadas em uma longa relação de ofícios e atividades, num total de 222 categorias. No ano passado, 124 delas entraram em vigor, o que resultou na concessão de 430 mil licenças para trabalhar por conta própria. Também são concedidos incentivos para a formação de cooperativas de produção não rural (essas existem há muito tempo) e de prestação de serviços.

Os cubanos agora podem ter mais de um emprego, foi autorizado o transporte privado de carga e de passageiros, e foi permitido o acesso a hotéis e restaurantes que até então, e isso desde 1989, eram restritos a turistas estrangeiros.

E mais: os cubanos podem vender, comprar e alugar imóveis, e também veículos particulares, novos ou usados. Entre 2011 e 2012 foram vendidas 45 moradias em Cuba. É uma parcela mínima do total de imóveis particulares da ilha (menos de 1,5%), mas não deixa de ser algo inédito.

Para fechar esse ciclo inicial de reformas, desde janeiro do ano passado os cubanos podem viajar para onde quiserem (ou puderem), sem nenhuma autorização prévia e sem pagar pelo ‘permiso de salida’.

Essas e outras medidas, esperada há décadas, fazem parte daquilo que o congresso do Partido Comunista realizado em 2011 chamou de ‘atualização do modelo’. Não de trata, de acordo com o que se decidiu naquela ocasião, de abandonar o planejamento central da economia e abraçar o mercado. Por trás das palavras solenes e dos números gelados, o que existe é a corrida contra o tempo, para atender às demandas e exigências da população e sair do imobilismo.

Algumas das inovações, na verdade, já haviam sido implantadas, em menor escala, entre 1975 e 1986, quando Cuba experimentou uma espécie de bonança que melhorou a vida de milhares de pessoas. Todas elas acabaram sendo abandonadas aos poucos primeiro, e definitivamente depois, quando o bloco socialista foi dissolvido e a União Soviética virou memória.

Continuam pendentes, porém, outras mudanças essenciais, já que sem elas o que foi feito até agora corre o risco de dar em nada.

A questão salarial, por exemplo. E também a necessidade de implantar novas regras para a associação entre capital privado estrangeiro e o Estado cubano, em várias frentes de atividades, e para o investimento estrangeiro.

É preciso, enfim, definir o destino que será dado a mamutes estatais que só produzem prejuízos imensos.

As reformas políticas realizadas até agora se limitaram a libertar presos políticos, permitir a entrada e a saída do país de alguns dissidentes (antes, quando muito podiam sair; voltar, nem pensar), o combate à corrupção (uns 300 funcionários de diversos escalões foram presos), a nomeação de representantes das minorias (raciais e sexuais) para importantes postos nas diferentes esferas do governo. E, claro, a fixação de um prazo máximo de cinco anos para cargos e postos no governo e no partido. Com isso, Raúl Castro fixou para si mesmo um limite na presidência: o ano de 2018.

É um quadro intrincado, complexo, difícil. As reformas obedecem a uma dinâmica lenta. E há dois aspectos que terão de ser tocados já, para serem implementados até no máximo o ano que vem: a questão dos salários, comprimidos e esvaziados, e a questão da existência de duas moedas no país.

Sim, é verdade: falta muito. Mas o que foi feito até agora já serviu para mudar o rosto do país e o cotidiano de boa parte de sua gente.

*é jornalista.