A Nação que sonhamos nós

"A Copa do Mundo somente será nossa se tivermos a revolucionária hombridade de nos construirmos enquanto Nação."

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A Bola, entronada na terra, com vista para seus parceiros lua e sol transforma-se em majestade revolucionária. O seu movimento é paixão e dor. Fome frente a uma guloseima perdida no prazo de validade. O desejo aspergido pelo diabo de Goethe. Sua originalidade bebeu no famigerado surgimento da roda (a única com reentrância anarquista), mas para que o homem encontrasse sentido para o círculo da vida a bola declinou de seu vaguear juvenil e aceitou ser motivo de disputa esportiva.

A organização do futebol coube aos ingleses, entretanto, ombreando ao ano de 2.660 A.C nosso globo ocular encontra registros que na China rolava o Kemari, oito jogadores de cada lado, campo quadrado. Dentro da bola introduziam cabelos e crinas para ficarem reconchochudas. Peço a Cristo perdão, pois mesmo a dois mil seiscentos anos antes de Ele dar um rolezinho pela terra, já havia imprecisão de registros históricos verossímeis.

Abandonemos o pedantismo oportuno que as citações do que ‘já rolou’ nos proporcionam, ou se preferir a opcional ‘vamos deixar de enrolação’, e coloquemos o anular na ferida. A bola emprestou sua misteriosa forma geométrica para a criação de uma modalidade de entretenimento midiático (palavra considerada execrável pela roda) chamada futebol, dentre outras variações. Seu encantamento anelou reinados financeiros, urdiu monarquias, clãs, denominados FIFA, clubes, Conmenbol, arquétipos diversos propícios à inoculação do poder no show busines eficiente. Olé: A bola é a assustada verdade de que a humanidade é um círculo de vícios a serem reconhecidos ou resignados.

A peleja de sua trajetória, desejada e odiada, escancara a dor e paixão eclipsadas na retumbante Copa do Mundo, corpo celeste que se ostenta perfeito e redondo, mas não admirado como a bola. Nem perfeito.

No entanto, seu corpo preenchido pelo enxerto de ar, quiçá ventos de utopia, a bola nos fornece a lição de que em todos os espaços geométricos aonde ela circula, o único onde não há visualização de qualquer marca, propaganda, símbolo do império que germina de seus movimentos é em si própria. A bola é recessiva, onipresente, intocável.

A bola é como o espírito revolucionário que circunda nosso íntimo. Aceita golpes e chutes, mas ao encontrar a rede, nos mansos segundos seguintes se ouve o belo, a arte expressa pelo violento movimento da boca coletiva: O gol.

Minha militância é para que a Copa do Mundo no Brasil nos faça entender a oportunidade à frente: Avançarmos na construção de nossa identidade, pois restrita é a luminosa ocasião na qual a beleza da bola e o grito do gol sejam indutores de nos unir – e no entrelaço, saber nossas diferenças.

Não almejo defender a dissimulação dos que renegam sua incapacidade administrativa, sincera ou dissimulada. Nem tão pouco ocultar os que medram, ocultam intenções políticas. São responsáveis pelos meios e pelos fins os organizadores da Copa, grupos privados, CBF, governos da Federação e outros agrupamentos. O probo e o factual não são objetos de acobertamento urdidos pelos que defendem a realização da copa para interesses exclusivistas, em dissonância com a necessária consciência cívica.

A Copa do Mundo somente será nossa se tivermos a revolucionária hombridade de nos construirmos enquanto Nação. Será por nós se o grito de gol retumbar a unicidade de nossas aspirações, tentativas, fracassos e vitórias. Oxalá e treinemos para materializar o vaticínio de Victor Hugo: Utopia hoje, carne e osso amanhã. A bola é majestade costurada por gomos de lucro e poder. Contudo, os pés que a movimenta pelos campos da paixão e da dor são humanos a campear as graças da democracia, procura oportuna e solidária do que nos move.

Auspicioso será entender o mistério da bola, encaminhá-la para a catarse coletiva e apropriar-se de sua significação antropológica e cultural em benefício da construção da identidade brasileira. O gol que devemos narrar é de uma solidariedade imprescindível para nos fazer cidadão brasileiro, cidadã brasileira. O grito já tem existência reconhecida. Brandi-lo é tarefa das chuteiras que transformam as oportunidades históricas em momentos para a criação do povo. Já foi dado o pontapé inicial da partida que nos unirá torcida brasileira.

Edilson Damas
Jornalista