Entrevista: Nosso homem em Havana

Leonardo Padura, um dos mais destacados escritores latino-americanos, mostra que todos os caminhos levam a Cuba (e que tudo por lá passa, até Breaking Bad). As instruções de Padura foram muito claras. A entrevista começará às quatro da tarde e terminará exatamente às cinco. Nem um minuto depois.

De Havana, Martín Granovsky, para o Página 12

Leonardo Padura - Reprodução

“Mestre, depois da feira do livro tenho que viajar aos Estados Unidos e há uma parte da agenda prévia que já não posso mudar”, disse por telefone. “Veja, venha à minha casa, mas às cinco terminamos porque o barbeiro virá. Como tem uma hérnia de hiato, precisa comer alguma coisa às seis e por isso vai cortar meu cabelo, e às cinco e meia começa sua viagem de meia hora até a cozinha”.

Padura recebe Radar e Clacso TV em sua casa. Fica a uns 40 minutos do centro de Havana. Não importa como você vá. Há pouco trânsito porque ainda há poucos carros e demora igualmente em um Lada russo de 1970 do que em um Hyundai coreano de 2003, embora um táxi Chevrolet modelo 1950 pareça mais confortável. Está motorizado a diesel, a salsa vem de um equipamento com USB e o motorista é capaz de fazer piadas até com o livro Anti-Dühring de Friedrich Engels. Ou melhor, de se divertir, zombar dos problemas e de si mesmo com ironia fina e divertida.

No caminho, o carro deixa para trás cenas da cidade que parecem cenográficas. Uma frase de Che a cada três quadras, seguidas de construções com colunas gregas. Charmosos casarões que não foram demolidos, mas que poderiam cair a qualquer momento. Gritos. Cantos. Misturas. O último livro do escritor de O homem que amava os cachorros e dos romances policiais de Mario Conde é Herejes. Disto, de beisebol, de judeus, de cubanos e de por que não deixa Cuba falou Padura em uma entrevista de exatamente uma hora.

O fanatismo em O homem que amava os cachorros. A heresia em Herejes. Sei que são romances e não ensaios, mas…

Como você bem diz, não são ensaios, são romances. Romances para os quais tive que fazer uma pesquisa quase que de ensaísta porque têm um componente histórico e cultural: acontecimentos, personagens, processos…

Em Herejes, o que dá unidade ao livro é a busca pela liberdade, a possibilidade de exercer o livre arbítrio por parte do indivíduo em diferentes sociedades e em momentos históricos diferentes. Comecei a escrever esse romance tentando falar o que significa o livre arbítrio para um cubano da Cuba contemporânea. Mas me dei conta de que se reduzisse para uma conjuntura cubana teria uma leitura política somente, e as leituras políticas costumam ser reducionistas porque se associam a um contexto muito específico. Então, fui para a história. Cai no universo judeu. Tenho dois personagens, um judeu polaco, asquenazim, que chega a Cuba pouco antes da Segunda Guerra Mundial, e depois um judeu sefardita na Holanda da grandeza da pintura no século XVII, na época de Rembrandt e dentro de seu mesmíssimo estúdio.

Em torno desses personagens, vou tecendo uma história que, ao final, tem uma conexão de um componente com outro, justamente por meio de um quadro de Rembrandt. Claro que estudei religião judaica, história do povo judeu, pintura holandesa, a técnica de Rembrandt e sua biografia. Encontrei um dado que para um historiador é pouco importante, mas que para mim, enquanto romancista, foi muito revelador: Rembrandt era um viciado em doces e esse vício prejudicou sua dentadura, como se o excesso de açúcar o tivesse prejudicado. Sofria de dores frequentes nos molares. Quando Rembrandt tinha uma noite ruim, com dor de dente, se levantava de mau humor. Narrativamente, esse elemento pode ser definitivo na hora de criar um personagem.

Por que justo a história judia te chamou a atenção?

Por algo quase fortuito. Queria que aparecessem em um momento determinado, um quadro de Rembrandt e a comunidade judia de Amsterdã. Já estava decidido. Mas eu me deparei com um livro onde diziam que Rembrandt era judeu, coisa que aliás pode não estar certa. E esse elemento me obrigou a estudar um pouco mais sobre os judeus de Amsterdã e sobre a vida de Rembrandt. Então, definitivamente eu disse “este mundo me interessa muito, vou me aprofundar nele e vou ligá-lo a outra história de judeus de vários séculos depois”.

E assim você se meteu com os judeus havaneiros dos anos 30.

Uma historiadora cubana que estudou essa comunidade foi de grande ajuda para mim. Tinha também um escritor cubano que morreu recentemente, justamente quando o livro saiu, de origem judia polaca, Jaime Sarusky. Suas experiências foram muito úteis. Também foram as de um professor que trabalha nos Estados Unidos, judeu cubano também, de origem polaca também, Joseph, que vem a Cuba com certa frequência. Sarusky pertencia à classe média judaica do interior, mas Joseph viveu em bairro judeu. Pepe, o judeu, como nós falamos, viveu no bairro judeu de Havana Velha. Sua família era muito pobre. Seu pai era daqueles que realmente saía nas ruas dizendo "vendo gravatas baratas". Me deu muita vivência do que era essa comunidade e sobretudo de como a relação com os cubanos foi uma relação harmônica, sem pressões étnicas, racionais ou religiosas. Muito integrada, muito livre.

A relação dos judeus com os cubanos não judeus era realmente tão aberta? Também os vínculos interraciais?

Nesse sentido há muito da realidade no romance. Você sabe perfeitamente que os judeus têm uma relação bastante endogâmica. Em geral, se casam entre eles. Mas aqui, em Cuba, muitos judeus optaram por se casar com cubanos inclusive de origem católica. Inclusive cubanos negros.

Pepe me contou que seu pai era tão pobre que ele, muitas vezes, quando criança, não foi para a cama com o estômago vazio graças ao fato de que, na vila onde viviam, de pequenas casas, sua vizinha era uma mulher de um asturiano com um trabalho que lhe dava para comer mais ou menos bem. Essa negra protegia a ele e a sua mãe e lhes dava um prato de comida. Isso foi muito comum em Cuba, onde as relações entre as pessoas que estão no mesmo estrato social são muito fluidas.

Solidárias?

São solidárias. E não há uma carga pesada em relação à etnia. Apesar, claro, de os negros sempre terem sido o último escalão da sociedade porque, bem, vieram como escravos para cortar cana, sem nenhuma instrução e passaram por todos os trabalhos possíveis. Mas depois foram substituídos pelos chineses que vieram como peões. Os chineses também foram discriminados. Enfim… a discriminação não tinha a ver tanto com a cor da pele, mas com as possibilidades econômicas.

Quanto sabia antes e quanto sabe agora das infinitas maneiras de ser judeu?

Sabia alguma coisa porque sou curioso. Além disso, o mundo judeu sempre me pareceu atrativo por ser misterioso. O fato de algumas pessoas que vieram da Polônia há quatro séculos continuarem andando por Nova York com os mesmos cachos e o mesmo tipo de chapéu que usavam na Cracóvia no ano de 1700 e tantos inevitavelmente desperta a curiosidade. Além disso, me interessava porque eu sou, em minha trajetória cultural, muito ocidental, e portanto tudo o que tem a ver com o mundo greco-latino e judeu me interessa. Não sou tão culto como curioso. A curiosidade me leva a ter uma cultura em alguns aspectos da vida.

A palavra "hereges" pode ser algo bom ou mau. Depende de quem e como a diga. Em seu livro, fica melhor como um elogio.

Eu admiro mais os hereges do que os ortodoxos. Um herege é uma pessoa que entra em conflito consigo mesmo, com sua sociedade, com seu ambiente, com seu meio, com seu senso de pertencimento, e acredito que isso é muito mais válido do que ser um ortodoxo obediente. Portanto, os hereges têm toda a minha simpatia.

Você se inclui entre os hereges?

Não, pois não fui um crente. Sou mais um heterodoxo. Não sei as proporções que levam alguém a crer ou a não crer, a pertencer ou a não pertencer. Elas podem variar com o tempo, mas nunca fui muito crente em quase nada. Venho de uma família de formação católica. Minha mãe ainda vai a igreja aos domingos. Não é uma beata, mas uma religiosa à cubana, que uma vez esteve também em um culto aos santos, a santos afro-cubanos, e foi a um espiritualista – enfim, como são os crentes cubanos: têm um sistema religioso muito heterodoxo. Portanto, nunca estive próximo a uma fé absolutamente fechada. Tampouco politicamente. Por isso, também não me considero um dissidente. Não pertenci a nada para dissidir depois.

Um heterodoxo, em contrapartida, é alguém que tem uma necessidade de pensar as coisas, e não de estar de acordo com o que a maioria pensa, ou com o que o poder pensa, ou com o que pensa aquilo está estabelecido. Acontece comigo algo bastante simpático, que é o seguinte: muitas vezes com o mesmo argumento, mas adaptado segundo os interesses de quem o utiliza, os extremistas de fora e os extremistas de dentro me criticam. E isso me satisfaz muito. Porque se quem te critica são sempre os extremistas, estejam de um lado ou de outro, quer dizer que você está mais próximo da verdade.

Alguns amigos se assustaram quando lhes contei que te entrevistaria em Havana. "Como Padura vive em Cuba?". Imagino uma resposta possível: "Por que não?".

Claro.

Então pergunto: por que sim?

Vivo em Havana, primeiro de tudo, porque sou de Havana. Segundo, porque sou um escritor cubano e, para escrever, eu preciso ouvir esses galos que cantam lá atrás, o som de… vocês chamam de "coletivo". Nós chamamos de "guagua" (ônibus). Eles passam na frente da minha casa. O negro que está na esquina grita alguma coisa. O branco que está na outra tenta me vender alguma coisa. Meus vizinhos da frente, que fabricam doces e me perguntam onde se pode conseguir açúcar porque o açúcar acabou e o negócio vai mal. Essa vida cotidiana é um mundo. Pertenço a uma cultura que, felizmente, é muito forte, com um traço distintivo muito preciso. Sou um amante absoluto do beisebol. Entendo o futebol e posso aproveitá-lo, mas posso dar uma conferência sobre beisebol sobre a qual você não entenderia absolutamente nada. Eu sei tudo sobre ele. E eu o pratiquei muito.

E era bom?

Regular. Uma vez perguntaram a Dulce María Loynaz, a poeta, por que ela vivia em Cuba, e sua resposta foi apropriada por mim também: "Porque eu cheguei primeiro". E minha família chegou primeiro. Da parte do meu pai, na minha família, pelo menos seis gerações viveram aqui, neste bairro onde eu nasci.

De onde eles vieram?

Da Espanha. O sobrenome é de origem basca. Possivelmente, viveram em Sevilha já havia alguns séculos. Não sabemos se vieram de Sevilha ou das Canárias. Meu avô parecia um canário. Mas nem sabemos onde está o primeiro Padura cubano. E isso me dá um senso de pertencimento muito forte.

Além disso, eu preciso escrever sobre Cuba. Inclusive, mesmo que meus romances se desenvolvam uma parte em Moscou ou no México, quando assassinam Trotsky, ou agora na Holanda, com um judeu sefardi e com Rembrandt, todas partem de e chegam a Cuba, e todas têm a ver com a problemática e a condição humana.

Você mencionou o assassinato de Trotsky. Quantas traduções tem O homem que amava os cachorros?

Deve ter algo em torno de 12 ou 15 traduções. No total, há romances traduzidos para 20 idiomas, inclusive os de Mario Conde. Em breve, vou à Alemanha para apresentar a tradução alemã. Depois vou à França, onde também sairá, isto é, neste ano sairá em 4 ou 5 países.

Existe algum elemento em comum no modo como os leitores se aproximam desse romance?

As razões que alguém fora de Cuba poderia ter para ler este romance são muito variadas. E todas são muito importantes para mim. Mas me interessa especialmente a relação que os leitores cubanos estabeleceram com ele.

Aconteceu algo muito curioso. O livro foi publicado no ano de 2009 na Espanha, e no fim de 2010 e início de 2011 em Cuba. Nesse período de um ano e meio, muita gente em Cuba conseguiu a edição espanhola, mexicana ou argentina do romance, da editora Tusquets, que tem sede nos três países. A edição espanhola custava 22 euros, que é o salário mensal de um médico em Cuba. E muitas pessoas em Cuba pediram a seus amigos ou familiares que lhes mandassem o romance. Já tinham lido algumas partes. Eu havia feito uma leitura pública, e as pessoas começaram a se interessar pelo romance. E chegou uma quantidade bastante notável de exemplares. Não vou falar em centenas de milhares, mas podem ter aparecido mais de mil exemplares.

Aqui em Cuba os livros se reproduzem. Se você compra um livro na Argentina, você o lê, sua esposa o lê, e você o coloca em uma biblioteca. Em Cuba, quando se trata de um livro que interessa às pessoas, ele tem 20, 25, 30 leituras.

Depois se fez uma edição pequena, 3 ou 4 mil exemplares, que foram vendidos imediatamente, até que voltaram a reimprimir e também vendeu tudo. Nos primeiros leitores, a reação, para mim, foi quase a mais desejada de todas. Eles me agradeceram por eu ter escrito esse livro, pois com esse romance haviam aprendido não apenas uma história que eles desconheciam por não terem tido acesso a ela, mas sim porque haviam tido contato com uma história que conheciam, mas que eles mesmos não sabiam até que ponto os havia envolvido. Eles tinham uma relação de gratidão para com o livro.

Na Europa aconteceu a mesma coisa?

O homem que amava os cachorros reflete um mundo muito amplo de relações, que tem a ver com a vida de muitas pessoas através do que foi a utopia no século XX, ou o fracasso da utopia no século XX. Nele aparece a Guerra Civil Espanhola, todo o ideário socialista, a vida de artistas importantes do século XX, e a relação entre o socialismo, o poder e a arte. Aparece Cuba, que foi uma referência para muita gente na América Latina. Cada um apareceu sob um ponto de vista diferente. O lugar da Europa onde teve mais êxito de público, de crítica e de prêmios foi a França, muito embora tenha vendido mais na Espanha.

Por que na França?

Porque é uma história que, para os franceses, como está relacionada com a Segunda Guerra Mundial, tem a ver com a história das frentes populares, com sua própria credibilidade em relação ao que foi e ao que não foi. Encontraram um código, uma leitura que lhes falava também das suas próprias referências históricas.

E na Rússia?

Não, não foi traduzido para o russo. Dois ou três editores falaram com meus empresários, mas ainda não foi publicado na Rússia – o que me faz suspeitar que, mais uma vez, me aproximei bastante da verdade. A situação que se vive hoje na Rússia é bastante ortodoxa em relação a um passado que eles quiseram que não tivesse ocorrido, ou quiseram que não tivesse sido revelado da forma como foi, que é a forma como eu trabalho em O homem que amava os cachorros.

Ou talvez tenha a ver com a volta ou a busca pela centralidade do Estado russo e o império. Um fenômeno anterior à Revolução Russa e, pelo menos em parte, um fenômeno que não desapareceu no período soviético.

Lembre-se de que os russos continuam sendo russos. Sim, por isso. Quero dizer também que eram russos antes da revolução russa.

Leonardo, você falou sobre a sua necessidade de escrever em Cuba. Uma vez, em Buenos Aires, você me falou inclusive da sua participação na guerra de Angola.

Eu fui testemunha do que se viveu em uma década. Participei de muitas delas e sofri na própria carne algumas, como a de Angola.

Eu fui a Angola como jornalista. Felizmente, não fui como militar. De toda forma, desde o dia em que cheguei, me deram um fuzil AK47. Dormi ao lado dele na cama. Não tenho nada a ver com armas. Cada vez que abro uma lâmina de barbear, corto um dedo. Você pode imaginar o que é dormir com um fuzil e um bolso carregado. É uma relação com outra realidade que, para mim, foi muito dura.

Conheci a miséria extrema em Angola. Eu não a conhecia. Vi pessoas que fuçavam no lixo do lixo – isto é, o lixo reciclado por outras pessoas – para comer. Foi uma comoção muito forte. Além disso, me obrigou a ficar um ano fora da minha casa, longe da minha mulher, dos meus cachorros, em um ambiente bastante hostil.

Na minha vida, passei por todas as experiências educacionais, trabalhistas… Imagine, eu comecei a estudar na universidade. Queria estudar jornalismo. Não pude porque, naquele ano, o curso estava fechado. Quis estudar história da arte, mas me disseram que também estava fechado. Acabei estudando filologia. Comecei estudando em uma escola que se chamava Escola de Artes e Letras, que pertencia à Faculdade de Humanidades, e acabei me graduando filólogo na Faculdade de Filologia. Tudo isso no prazo de 5 anos. Quer dizer que sou como um dos cachorros de Pavlov, que já passou por todas as experiências possíveis. E ter vivido em Cuba todos esses anos, sem dúvidas, me dá o direito de ter opiniões sobre Cuba.

O que você está lendo desde que terminou Herejes?

Ultimamente, tem acontecido algo muito sintomático. É que há um grupo de pessoas que acreditam que eu seja um mestre, e me tratam como tal. Eles me pedem conselhos, ou mesmo pedem que eu escreva uma notinha para publicar na contracapa de seus livros. Eu li três livros consecutivos que têm a ver com essa função. Não é fácil.

Ultimamente, também comprei um e-reader, e estou me dando o prazer de ler uma série de romances que vêm do norte da Europa, escandinavas, irlandesas. Eu não as tinha lido e, em alguns casos, são muito boas. Eu as leio em espanhol. Eu li Jo Nesbo, Asa Larsson. O islandês que se chama Arnaldur Indridason é de quem mais gostei.

O que você mais lê são romances?

Quando estou escrevendo romances, o que eu mais leio são romances. Quando estou escrevendo romances, muitas vezes leio mais ensaios, e deixo a leitura de romances para a noite. Geralmente, são romances que já li, mas volto a ler porque neles encontro a inspiração, a atmosfera que estou buscando para meus livros.

O que você lia enquanto escreveu O homem que amava os cachorros e Herejes?

Conversa na catedral, de Mario Vargas Llosa. É um romance que me ajuda muito a entender como se pode projetar um livro. As estratégias narrativas que podem ser utilizadas em um livro. Eu o sei de cabeça, mas continuo lendo.

A manipulação do leitor é uma questão muito importante na literatura. E ganhá-lo, também, um pouquinho.

Na literatura, pode.

Faz parte do jogo. Você entra em um romance e sabe que está entrando no território da ficção. Se eu fosse um historiador, não poderia jogar com você.

Pelo menos, não deveria.

As cartas devem estar voltadas para cima, mas em um romance as cartas estão viradas. E, no ato de ir virando as cartas, cria-se uma cumplicidade entre o escritor e o leitor, o que é justamente parte da experiência estética.

Na vida cotidiana, você é um contador de histórias?

Não, não sou um grande proseador, não sou um grande conversador, e cada vez menos porque tenho pouco tempo para isso. Dedico mais tempo à leitura, a ver filmes e séries de televisão de qualidade que estão sendo feitas por estes tempos.

Outro dia, falava por telefone com Alejandro González Iñárritu, um diretor de cinema que sabe tudo de cinema, e ele me dizia: "Leonardo, o problema é que eu acho que, nestes tempos, a dieta do dramatismo mais importante que está sendo manejada no audiovisual é realizada nas séries de televisão sérias". Tem razão.

Vi recentemente a segunda temporada de uma série sueco-dinamarquesa que se chama A ponte, The bridge, ou “Bron”, em sueco ou dinamarquês. Aí aprendi como se diz em sueco ou dinamarquês, não sei, "a bofetada!". Não posso repetir aqui porque vão se ofender (risos).

Os suecos ou os dinamarqueses?

Ou os argentinos, quando ouvirem, porque deve ter uns palavrões terríveis. Terminei de ver o final de Breaking Bad, que me parece uma série extraordinária. E, de todas, minha preferida continua sendo The Wire.

Além dos seriados, você anda pela Escandinávia e pelo norte da Europa com oRembrandt.

Pura casualidade. Eu comprei o e-reader em setembro na Espanha e uma amiga colocou nele muitos romances.

Sou muito cosmopolita, como te disse. Muito ocidental na minha formação cultural. Posso desfrutar perfeitamente de um escritor chinês ou de Murakami. Por certo, Murakami me parece que é trapaceiro em sua literatura, e não da forma como Vargas Llosa, com habilidade e recursos literários, mas sim com falta de habilidade e poucos recursos literários, que é a pior maneira de ser trapaceiro. Murakami é um escritor supervalorizado. De todo modo, o mundo hispânico, mediterrâneo, europeu – e quando digo hispânico, também incluo a América Latina, a Hispanoamérica –, em geral, é meu mundo fundamental de referência.

Qual era seu mundo enquanto estudava filologia?

Muito latino-americano. Estudei entre 1975 e 1980, momento em que ainda o efeito doboom estava fazendo estrondo com cada romance de García Márquez, de Vargas Llosa, ou de Cortázar. Quando saiu Palinuro de México, de Fernando del Paso, me lembro que fiquei comovido. Nós líamos principalmente autores latino-americanos, e estávamos muito próximos.

Naquela ocasião, começaram os festivais de cinema de Havana. Acredito que seja um momento glorioso do cinema brasileiro e argentino. É a época de A história oficial, deÚltimos dias da vítima, com Frederico Luppi, inspirado em um romance de José Pablo Feinmann, isto é, havia de tudo no cinema argentino. E estávamos muito na onda latino-americana.

Também é a época em que nos permitem descobrir a salsa. A salsa em Cuba esteve marginalizada porque se considerava que era um roubo à música cubana, o que não certo, é uma amplificação das sonoridades e das potencialidades da música cubana em sua fusão com outras músicas de seu contexto, de seu contexto caribenho. Músicas dominicanas, porto-riquenhas, latinas de Nova York, panamenhas. Sou absolutamente fanático por Rubén Blades e Willie Colón.

E você falava sobre o beisebol. Qual relação você tem com o beisebol cubano? Já se vão 55 anos da Revolução e alguns menos de bloqueio, e vocês são fanáticos pelo mesmo esporte que os norte-americanos.

Existe uma razão histórica. O beisebol entra em Cuba vindo dos Estados Unidos na metade do século XIX e é adotado pelos cubanos como um elemento de modernidade e de antiespanholismo. Foi uma forma de se opor ao atraso espanhol com algo que vinha dos países desenvolvidos do norte. E a partir daí começa a ter uma relação muito dinâmica com a sociedade cubana, começa a fazer parte da cultura cubana por muitas razões.

Tenho escrito um ensaio difícil de sintetizar. Mas existe um elemento que é muito importante e que começa a ser praticado pelos jovens burgueses que estudavam nos Estados Unidos e voltavam a Cuba. Mas, desses jovens, ele passa à classe média. E quando passa da classe média às classes populares, imediatamente produz um fenômeno que é muito importante.

Para jogar beisebol, é preciso ter 18 pessoas. Naquela época, 20. Imediatamente, tiveram que começar a procurar jogadores e, quando acabavam os brancos, tinham que jogar com os negros. Por isso, o beisebol foi um elemento importantíssimo na integração étnica cubana por meio de uma manifestação esportiva e cultural.

Leonardo, vejo que sua mulher aparece ali para avisar alguma coisa. Quer dizer que terminamos porque o barbeiro chegou?

E toca duas vezes. Aqui o carteiro toca uma. O barbeiro toca duas. O barbeiro toca duas vezes.

Assista a entrevista: