Nágyla Drumond: Pavor e Felicidade

Por *Nágyla Drumond

Desde semana passada, me pergunto o que me apavora na vida. E respondo: me apavora a proposta de redução da maioridade penal ; a homofobia, a intolerância religiosa, o racismo, o preconceito e qualquer tipo de discriminação, a exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes. Me apavora um tal Estatuto do Nascituro, o "bolsa-estupro", a tentativa de tutelar o corpo da mulher, o estupro “corretivo” de lésbicas “pra ver se tomam jeito de mulher", o estupro coletivo como prática de guerra. Me apavora a crescente criminalização da política e dos movimentos populares, numa versão atualizada da velha cantilena que diz serem todos iguais. Me apavora a demonização seletiva praticada por uma parte do judiciário, que virou um lamentável reinado de déspotas onde a justiça enxerga pelo olho direito. Me apavora a mídia conservadora brasileira, propriedade de alguns, que produz versões do que imagina ser real para todos e defende interesses de classe pela reprodução insistente de pautas que lembram “o samba de uma nota só”.

Por falar no pavor, aquele causado pela violência que assola a nossa cidade, acho conveniente encurtar a abordagem das suas múltiplas causas e consequências para falar daquela que talvez seja uma das principais: a desigualdade social. A quinta maior cidade do país em população é também a quinta mais desigual do mundo. Dos apavorados que caminharão pelo fim da violência ao cair da tarde, boa parte pode desconhecer a relação direta entre violência e desigualdade social ou nem mesmo ter sido vítima real de algum ato violento. Mas têm medo, pavor cotidiano de perder os bens e a vida. Certo? Em determinada medida, sim. Quem não tem medo de morrer? Contudo, o perigo maior parece estar na perda do patrimônio e não da vida. Uma grande e fundamental diferença, o valor do bem e/ou o valor da posse perdida.

E quem perde seu maior bem, a vida? Em sua esmagadora maioria, as populações jovens, negras e pobres. Silenciosamente apavoradas, mães choram a perda de seus filhos e filhas para o tráfico de drogas, a exploração sexual comercial, o tráfico de armas e a violência banalizada em sua versão midiática. Nesse quadro, matar e violentar não necessita de um motivo palpável, mensurável. Mata-se e violenta-se por todos os motivos do mundo, ou pela ausência completa destes, o que também não deixa de ser um grande motivo a ser encarado. Mas dizer que boa parte destes motivos não se origina na desigualdade social – que encontrou na sociedade de consumo o palco para se enraizar cada vez mais e da maneira mais violenta, virulenta e violadora possível – é, no mínimo, fechar os olhos para a realidade. E nunca é tarde para abrir os olhos…

Falando em realidade (fala-se pouco sobre a realidade concreta hoje em dia), a segurança, a sensação de segurança, a ausência do medo ou seja lá o que for, não pode ser medida unicamente pelo arsenal policialesco à disposição da população. A realidade diz e comprova que a violência diminui quando se eleva a convivência comunitária, a participação e o controle social são estimulados, a capacidade de mediação e regulação social são praticadas quando o povo se encontra na rua, quando as pessoas saem dos shoppings, das casas de muros altos e de qualquer outro condomínio e ocupam as cidades, construindo uma outra sociabilidade. Mas do que polícia e repressão, é disso que precisamos. Isso merece um movimento: o Fortaleza Mobilizada.

O pavor não nos mobilizará. O pavor fará o que já faz: paralisará, encarcerará ainda mais, individualizará os seres humanos como indivíduos superpotentes, estranhos uns aos outros, capazes de dar conta de sua vida de maneira autônoma e autômata, rompendo toda e qualquer relação que se mostre "insegura" e se deliciando com a capacidade de consumir e de gerir o patrimônio financeiro-pessoal-familiar.

Há mais de 13 anos que eu me filiei ao PCdoB. Agora, o que toma conta da minha mente e do meu coração é uma vontade ainda maior de amar, tocar e conviver com as pessoas de maneira igualitária. Em mim, a esperança sempre vencerá o medo. Sou uma mulher do tempo presente, e nele faço minhas escolhas. Sei que não viverei os novos tempos do fim do capital da ressignificação do conceito de trabalho, da tolerância e da valorização da diversidade humana.

O que me alimenta é saber que esse dia chegará, fruto da dedicação, da coragem e do compromisso de mulheres e homens do seu tempo.

Hoje, isso me traz felicidade…

*Nágyla Drumond é socióloga, professora universitária, Secretária Estadual de Movimentos Sociais do PCdoB/CE, membro da Coordenação Estadual da UBM/CE e preside o Centro Socorro Abreu.

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