Pesquisa Ipea mostra que 65,1% culpam mulher por abuso sexual

O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) divulgou nesta quinta-feira (27), uma pesquisa que revela números inquietantes com relação à violência contra a mulher. O estudo mostra que o brasileiro, apesar de concordar com a punição aos agressores, acredita que a mulher é culpada pela agressão devido às roupas e ao comportamento. Apresenta ainda que casos de violência doméstica devem ser resolvidos apenas entre membros da família.

Por Mariana Serafini, do Vermelho

Violência contra a mulher - Reprodução

De acordo com a pesquisa, 65,1% dos entrevistados – homens e mulheres – concordam com a afirmação “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo devem ser atacadas”. Apenas 25% discordam totalmente. Já 58,5% concordam com a afirmação "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros"; 37,9% discordam totalmente.

Ao mesmo tempo, a maioria concorda com a punição aos agressores. Para Liège Rocha, secretária nacional da Mulher do PCdoB, esses dados são contraditórios e revelam o machismo que ainda permeia a sociedade brasileira.

Elza Maria Campos, coordenadora nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM), vê os números como um dado “revoltante e desalentador”. Para ela, este comportamento é resquício de uma sociedade com valores patriarcais e conservadores que devem ser combatidos. “A UBM foi criada em 1988 para defender a autonomia e a liberdade da mulher e hoje, em 2014, ainda nos deparamos com uma sociedade assim, é muito triste”, disse.

Liège contou que na década de 1980 uma pesquisa com o mesmo intuito apontava dados parecidos, mas já se passaram quase 30 anos. Por isso, vê o desenvolvimento da sociedade com relação à emancipação da mulher de forma estagnada. Por outro lado, afirma que deve ser comemorado o fato de a sociedade hoje defender a punição aos agressores. “Mas ainda precisamos combater a ideia de que a mulher é responsável pela violência, as mulheres são as vítimas”, defende.

Tolerância zero

A presidenta Dilma Rousseff pediu, em sua conta no Twitter, “tolerância zero com violência contra a mulher” e que ainda há muito a se avançar. Segundo Dilma, as conclusões da pesquisa mostram a necessidade de garantir a aplicação de leis, como a Lei Maria da Penha, que protege mulheres da violência doméstica e familiar. “O resultado deixa claro o peso das leis e das políticas públicas no combate à violência contra a mulher. Dilma comentou ainda que “governo e sociedade devem trabalhar juntos para atacar a violência contra a mulher, dentro e fora dos lares. Tolerância zero à violência contra a mulher”.

Democratização da mídia

As duas militantes, que diariamente estão envolvidas na luta pela emancipação e liberdade da mulher, acreditam que a mídia tradicional tem um papel muito importante na formação da mentalidade social com relação à figura feminina. E por isso defendem a democratização dos meios, segundo elas, este é um passo importante para o fortalecimento da luta social.


Em manifestação, mulheres defendem a punição ao agressor e a defesa da vítima 

“Muitas vezes o que nós levamos anos construindo, uma propaganda de TV consegue derrubar em um minuto, a mídia tem um papel muito importante na formação do brasileiro médio e por vezes reforça a ideia da mulher objeto, a luta pela democratização dos meios está intrinsecamente ligada à emancipação da mulher, a uma sociedade mais igual”, afirma Elza Campos.

Liège defende também o Estado Laico, “não podemos tolerar uma sociedade baseada em fundamentalismos, cada um pode ter a religião que quiser e deve ser respeitado por isso, mas não podemos aceitar a perpetuação de valores machistas e conservadores que interferem na liberdade das mulheres”.

“Ninguém questiona um homem de bermuda e sem camisa na rua, mas uma mulher não pode usar minissaia? Esse tipo de mentalidade deve ser combatido”, diz Liége. Para ela, a melhor forma de fazer esta luta é através de campanhas nacionais que conversem com toda a sociedade. Ela defende que cada vez mais o debate deve ser imposto através de meios de massa como a TV e o rádio.

“A mulher pode vestir o que quiser, pode ficar com quem quiser, se comportar como achar melhor, o único culpado pelo assédio é o agressor, as mulheres não podem ser culpadas pela violência que sofrem”, defende Elza.

"Em briga de marido e mulher se mete a colher!" 

A pesquisa abordou também temas como separação, violência doméstica, filhos e brigas com violência psicológica. Foi revelado que 33,3% dos entrevistados concordam que casos de violência dentro de casa devem ser resolvidos somente por membros da família; 25,2% discordam totalmente. Em outra questão, 61,7% concordam que quando há violência o casal deve se separar; 76,4% discordam totalmente da afirmação de que um homem pode “xingar e gritar com sua mulher”.

Segundo Liège, a cada cinco minutos uma mulher é vítima de violência doméstica no Brasil. Para ela, este dado mostra um aumento no número de denúncias. Ela vê de forma positiva a imposição feminina, mas defende que isso só pode ser ampliado com Estado e sociedade civil organizada trabalhando juntos em campanhas de encorajamento da mulher a denunciar a violência sofrida.

Lège afirma sem titubear: “Em briga de marido e mulher se mete a colher sim! Todo caso de violência contra a mulher deve ser denunciado e combatido, é para isso que existe a Lei Maria da Penha e mais uma série de legislações que defendem as mulheres”.