Clarissa Peixoto: O dia que durou 21 anos, filme sobre verdades

Lançado em 2013, “O dia que durou 21 anos”, documentário de Camilo Tavares, trouxe ao público uma compilação de fatos que compuseram o cenário que antecedeu o Golpe Militar de 1964 no Brasil. Tavares nos apresenta nesse vídeo elementos do ambiente político internacional daquele período e os interesses do imperialismo norte-americano ao promover uma campanha planejada, do ponto de vista político, militar, econômico e cultural contra os brasileiros.

Por Clarisse Peixoto, para o Vermelho

O documentário fomentou a discussão sobre a influência direta dos EUA na preparação do golpe e é uma produção importante para compreendermos a rede que interliga ações de cunho repressor. Nesses dias que antecedem atos em todo o Brasil para relembrar as vítimas da ditadura militar, é sempre necessário reavivarmos a história do país, para que ela não se repita como farsa, após ter acontecido de forma tão trágica.

“Um filme de verdade”, descreveu Nelson Pereira dos Santos, cineasta. Eu diria que Camilo Tavares apresenta um filme de verdade e de verdades sobre a história recente brasileira. Com olhar crítico, contemporâneo e criteriosamente jornalístico, o documentário sobre a interferência dos EUA no golpe militar de 64 nos mostra que os norte-americanos intervieram para além do envio da frota naval ao porto de Santos, respaldando essa que foi, senão a pior, uma das maiores violências à democracia brasileira.

Sem ufanismo, com plástica impecável e conteúdo verossímil, comprovado por documentos, conversas telefônicas e uma série de depoimentos que inclui historiadores e testemunhas oculares, “O dia que durou 21 anos” descreve episódio recente e doloroso da história do povo brasileiro, a partir dos objetivos traçados pelos governos Kennedy e Johnson.

O cenário, um Brasil que amplia a democracia e avança para o desenvolvimento. Internacionalmente, um mundo polarizado pela Guerra Fria. Nem é necessário dizer que o Brasil, maior país latino-americano, figurava como estratégico nessa disputa. Portanto, qualquer movimento que o aproximasse da esquerda internacional não seria perdoado. O líder do bloco capitalista no mundo precisava agir. E não mediu esforços, como nos relata o imprescindível documentário de Tavares.

As avaliações do embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, foram a mola promotora para que os Estado Unidos aumentassem o calibre da campanha anticomunista no Brasil. O objetivo, notadamente, era de cunho econômico e político, que garantiria também a América Latina alinhada ao bloco capitalista na disputa pela hegemonia internacional frente à Guerra Fria. Para isso, era necessário barrar os caminhos progressistas que tomavam os governos brasileiros naquele início da década de 60 do século XX. “Não permitiremos uma nova Cuba num país de proporções continentais como o Brasil”.

Germe para o golpe, o financiamento de uma oposição articulada para a desestabilização do governo. A campanha ideológica constituída, sobretudo, por meio da imprensa nos anos antecedentes a 1964, garantiu a sustentabilidade da intervenção dos militares. O medo do comunismo criou ambiente para a operação que levaria o Brasil a 30 anos de atraso político, social e econômico, povoado pelo fantasma da violência.

Com um fantástico serviço de inteligência a seu favor, a “Revolução de 64”, se estabeleceu através de governo militar, que rapidamente se excedeu para além do previsível. É a linha dura, que transformou os sonhos de gerações em silêncio e medo.

Um filme de verdades sobre a história. Um filme que relata com dignidade e pouco romantismo esse episódio odioso da nossa história recente. Um documentário necessário para compreendermos o quanto ainda somos o reflexo de um Brasil que dá os primeiros passos para sua soberania. “O dia que durou 21 anos” chama-nos para a reflexão sobre colonialismo. Verdades que nos colocam inertes, mas que movimentam expectativas sobre aquilo que podemos fazer com a nossa própria história quando a compreendemos. Um filme sobre verdades históricas que nos transformam. Verdades que contam para além do que os olhos podem ver.

Clarissa Peixoto é jornalista, blogueira e colaboradora do Vermelho