Martha Ladesic: Tortura da CIA, uma história de terror

A história da tortura praticada por agentes da CIA contra supostos "terroristas" em Guantânamo e prisões secretas espalhadas pelo mundo é sórdida, cruel, escabrosa, e ainda corre o risco de continuar a ser manipulada antes de a sua versão oficial chegar a conhecimento público. O assunto está nas mãos do presidente Barack Obama.

Por Martha Ladesic, de Washington para o Jornalistas sem Fronteiras

Tortura CIA - Reprodução

A história da elaboração e eventual divulgação do relatório sobre a tortura, no governo Bush, mandado elaborar pela Comissão de Informações do Senado é, em si mesma, um caso dentro do escândalo.

O documento, com 6.300 páginas, parece ter elementos factuais assustadores sobre os métodos usados pelos torturadores e as trocas de mensagens entre os carrascos e respectivos chefes para que as técnicas seguidas se encaixassem "nas leis americanas e valores internacionais", de acordo com um memorando que chegou à mídia.

Nesse documento, os autores interrogam-se sobre a "imprecisão" dos termos contidos nas normas do Congresso sobre interrogatórios aos "detidos de alto valor" – expressão utilizada por George W. Bush. Entre os termos "imprecisos" para o corpo de tortura da CIA estão "danos graves à saúde", "sofrimento", "prolongado".

Presidente da Comissão de Informações do Senado, a democrata Dianne Feinstein defendia que o relatório elaborado por um conjunto de assessores parlamentares deveria ser publicado na íntegra – tanto mais, recorda-se no Capitólio, que há eleições intercalares para o Congresso em novembro e "um tema destes é bastante quente para que se pretendam retirar dividendos políticos".

A reação dos ex-membros do governo Bush, da CIA e dos republicanos em geral foi forte contra a divulgação integral do relatório. O chefe da CIA, John Brennan, nos intervalos das suas visitas a Kiev, alega que o documento tem "fatos manipulados"; ex-colaboradores de Bush consideram "um erro" divulgar as técnicas porque "elas funcionam" e dar a conhecê-las pode "por em risco a vida de milhares ou mesmo milhões de americanos". A CIA fez o seu papel de dificultar a vida dos investigadores, isolando-os para trabalhar longe da agência e atulhados em papéis entregues em caótica confusão.

O compromisso atingido na Comissão estipula a publicação de um resumo do relatório com cerca de 400 páginas, restando saber quem o produzirá. Alguns senadores democratas receiam que o presidente entregue o trabalho à própria CIA ou que, pelo menos, o dê a rever aos chefes da agência. Assim sendo, o mais certo seria o produto final esconder o essencial, teme-se no Congresso.

"O receio é fundamentado", diz o assistente de um congressista democrata, porque, "por exemplo, a promessa do presidente para fechar a prisão de Guantânamo continua por cumprir e ainda ali estão 150 detidos num quadro totalmente ilegal". Além disso, continuam a ser descobertas prisões secretas operadas pela CIA, como ainda recentemente aconteceu no Afeganistão.

A imprensa norte-americana tem divulgado excertos de alguns memorandos desclassificados sobre os "métodos de interrogatório" que fazem parecer o já conhecido “waterboarding”, simulação de afogamento até ao limite da resistência da vítima, um tratamento suave. Uma das variantes aplicadas a um suposto alto dirigente da Al-Qaeda consistiu em mergulhá-lo em água gelada mantendo a cabeça submersa, ao mesmo tempo em que era espancada com uma matraca ou, em alternativa, empurrada com violência contra uma superfície dura.

Os técnicos da CIA, que garantem ter providenciado a cada detido um exame por uma junta médica antes de iniciado "o trabalho", também se aprimoraram em novas tecnologias com o objetivo de tornarem mais eficazes velhos métodos como a tortura do sono, da estátua, ou os interrogatórios com pelo menos 20 horas de duração.

Um dos elementos mais controversos de todo o processo tem a ver com os resultados obtidos, que foram nulos, segundo várias testemunhas ouvidas no inquérito. Tão nulos que se sabe hoje que a CIA "mentiu", segundo a presidente da Comissão, sobre questões factuais que teriam sido apuradas em interrogatório – e não foram.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras