Socorro Gomes denuncia imperialismo em entrevista na Argentina

A presidenta do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e do Conselho Mundial (CMP), Socorro Gomes, deu uma entrevista ao jornal argentino Página/12, durante a sua estadia em Buenos Aires, para a Reunião Continental Americana do CMP, nos dias 13 e 14 de maio. Leia a seguir a íntegra da entrevista, publicada nesta segunda-feira (19), traduzida pelo Portal Vermelho, com o título “Estados Unidos cercam o mundo com bases e frotas”.

Os Estados Unidos continuam sendo a maior ameaça à paz mundial, mas a América Latina conta com os instrumentos de integração necessários para fazer frente à sua hegemonia. Com esta ideia se apresentou Maria do Socorro Gomes Coelho, presidenta do Conselho Mundial da Paz (CMP), uma organização criada nos inícios da Guerra Fria.

“Depois da queda do Muro de Berlim, muitas coisas mudaram. Antes, havia dois polos de poder: o socialista, liderado pela União Soviética, e o capitalista, capitaneado pelos Estados Unidos. Mas ao se desintegrarem a União Soviética e o socialismo no leste da Europa, os EUA ficaram como a única força, unilateral e total, o que produz um desequilíbrio,” afirmou a política brasileira à Página/12.

De acordo com a explicação de Gomes Coelho, Washington aposta na militarização como estratégia para persuadir seus adversários, em conjunto com a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). “Os Estados Unidos cercam todos os continentes com bases militares, que hoje representam mais de mil, inclusive na América Latina. Mas, além disso, existem as frotas de guerra norte-americanas em todos os mares e oceanos. A Otan mudou sua concepção: já não serve apenas para o Atlântico Norte, mas opera em todo o mundo. Invadiu a Iugoslávia, Iraque, Líbia e ameaçou fazer o mesmo na Síria,” explicou.

“Os Estados Unidos falam de democracia e direito internacional, mas se servem da espionagem e espalham suas frotas de Marinha de guerra. Nem uma criança acredita mais nas falsidades morais desse país,” agregou Gomes Coelho, que também dirige o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz).

O CMP realizou uma reunião nesta semana, em Buenos Aires, onde se debateram assuntos de alcance global e regional. Sua titular mostrou-se esperançosa ante as negociações de paz entre o governo colombiano e a guerrilha das Farc.

“A Colômbia vem sofrendo há muitas décadas e precisa de paz. Mas é certo que há um conflito, uma guerra civil. Então, é preciso saber o que foi que provocou esse conflito: uma estrutura agrária profundamente concentrada e a falta de liberdade para expressar divergências políticas,” explicou. Também recordou que o presidente Juan Manuel Santos foi ministro da Defesa durante o governo de Álvaro Uribe, acusado de ser pai do paramilitarismo colombiano. “Santos foi o responsável pela invasão do território equatoriano como ministro de Uribe. Homens como o ex-presidente fazem muito mal à Colômbia,” destacou.

Mas para Gomes Coelho, a América Latina está na dianteira quanto a sua oposição à guerra, “por isso é que os Estados Unidos estão desesperados, por não perder o seu quintal.” Além disso, asseverou que a chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1998, rompeu com a tutelagem de Washington na região.

“Os latino-americanos viviam muito separados, não havia unidade. Hoje há uma identidade latino-americana, algo que devemos, em parte, a Chávez, que foi um chefe de Estado com muita coragem, que chamava as coisas por seus nomes. Os povos da América Latina uniram-se através da Unasul, do Mercosul, da Alba e da Celac, criando instrumentos próprios de integração, como a PetroCaribe e o Banco do Sul. A Organização de Estados Americanos (OEA), que é um assentamento dos Estados Unidos no continente, era o mecanismo usado pela Casa Branca para levar adiante seus planos na região,” disse.

Segundo a presidenta do CMP, a prepotência de Washington não tem freios e, como Chávez atreveu-se a desafiar abertamente o “império”, a Venezuela enfrenta atualmente uma campanha para derrubar o seu sucessor, o presidente Nicolás Maduro. “Os Estados Unidos preparam um golpe de Estado continuamente na Venezuela, com sabotagem econômica, com mercenários, gerando caos e usando uma ferramenta muito importante, que são os grandes meios de comunicação,” advertiu. Uma estratégia que replicam em outras partes do mundo.

“São justamente os EUA que salientam as disputas étnicas e tribais na África, na Líbia e na Síria, com os distintos grupos religiosos. Por isso, fomenta essas disputas, para criar caos e divisão. Tudo isso, para servir a sua hegemonia comercial e política,” insistiu.

Gomes Coelho, que foi secretária de Justiça e Direitos Humanos do estado do Pará, referiu-se também à situação em seu país e aos protestos em torno da organização do Mundial de futebol. “É certo que foi preciso muito gasto, mas a infraestrutura permanecerá. A oposição quer usar o Mundial para criar descontentamento e dizer que ninguém quer a Copa, justo no país do futebol. É um falso debate,” sustentou.

Tampouco duvidou da aliança entre a oposição e os meios de comunicação mais influentes do Brasil para impedir a reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em outubro, um plano que – assegurou – começou com as manifestações contra o aumento do preço dos transportes públicos. “O povo saiu às ruas para demonstrar seu descontentamento, algo legítimo e necessário em uma democracia. O que ocorreu foi que a direita e os grandes meios potencializaram esse conflito dos transportes para criar caos. O povo não queria a saída do governo, mas que este resolvesse seus problemas,” argumentou.

Entretanto, a diretora do Cebrapaz estimou que Rousseff obterá um segundo mandato, ainda que reconhecesse o custo que pode significar para o Partido dos Trabalhadores (PT) ter alianças com distintos setores em busca de um triunfo eleitoral. “Lula postulou-se quatro vezes e foi derrotado três, sempre com uma coalizão mais à esquerda. Na quarta vez, apresentou-se com uma aliança mais ampla e aí entraram o centro e a centro-direita. Isso garantiu a vitória, não com um projeto como queríamos. O Estado e suas instituições são conservadoras. Avançamos muito, mas não tanto como deveríamos, por causa dessas alianças,” afirmou. “É algo contraditório porque, sem elas, não teríamos chego até aqui,” agregou.

Por essa razão, considerou que é tempo de promover uma reforma do sistema político, para que os partidos não se vejam obrigados a formar coalizões com outras forças que possam obstruir um processo de mudança. “Avaliamos sempre a reforma do sistema político, o que é uma verdadeira luta. Para convocar uma Constituinte é necessário convocar o povo. E veremos quem ganha nesse jogo. A maioria no Congresso não é da Dilma. O PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro, ao que pertence o vice-presidente do país, Michel Temer – tem parte da sua bancada na oposição. É um partido contraditório,” avaliou.

Por último, referiu-se aos rivais de Rousseff, que não têm – no seu entender – força política para chegar à presidência. “Eduardo Campos, governador de Pernambuco e do Partido Socialista, está próximo ao Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), a Aécio Neves, porque não se atacam entre si. Os dois têm um único objetivo: tirar a Dilma do governo. Mas Aécio não tem carisma, não tem força. Uma coisa é Aécio e outra é Tancredo,” em referência ao ex-presidente, avó do atual candidato, brincou.

Além disso, falou de Marina Silva, companheira de chapa de Campos, que foi funcionária do governo de Lula. “Não foi uma boa ministra do Meio Ambiente para o Brasil. Ela foi boa para as ONGs, para a União Europeia e para os Estados Unidos,” concluiu.

Entrevista: Patricio Porta
Foto: Adrián Pérez

Fonte: Página/12
Tradução de Moara Crivelente, da Redação do Vermelho